Rumble e Trump Media anexam decisões sigilosas de Moraes a ação nos EUA

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Advogados da plataforma Rumble e da Trump Media, empresa do presidente americano Donald Trump, anexaram cinco decisões sigilosas de Alexandre de Moraes à ação que movem contra o ministro do Supremo Tribunal Federal na Justiça dos Estados Unidos.

A violação de segredo de Justiça é crime no Brasil, ainda que o vazamento tenha sido praticado por uma das partes, mas especialistas divergem sobre quais seriam as possíveis consequências quando o ato ocorre no exterior.

Os advogados pediram que as ordens permaneçam secretas por ao menos 30 dias ou “até que o ministro Moraes forneça uma justificativa adicional para a continuação do sigilo”, conforme a petição a que Aos Fatos teve acesso.

Não é possível saber, portanto, qual é o conteúdo das decisões e se elas dizem respeito ao Rumble, à Trump Media ou a terceiros. Os documentos foram apresentados como supostas provas de que as decisões judiciais de Moraes impõem censura.

Os representantes das empresas dizem que não há “qualquer base para que um tribunal secreto emita ordens de censura ocultas do escrutínio público”, mas, “por deferência ao sistema jurídico brasileiro”, pedem que a Justiça dos Estados Unidos mantenha o sigilo por enquanto.

Segundo eles, as decisões “decorrem dos esforços do ministro Moraes para censurar oponentes políticos do atual presidente do Brasil, ostensivamente em nome da proteção contra supostas ameaças à democracia”.

O ministro Alexandre de Moraes, homem de pele clara, vestindo toga preta sobre terno e gravata, está sentado em uma cadeira vermelha. Ao fundo, uma bandeira do Brasil está parcialmente visível.
Ação do Rumble e da Trump Media acusa ministro Alexandre de Moraes de censurar oponentes políticos (Nelson Jr./STF)

Moraes ainda não constituiu defesa no processo, que deve ficar a cargo da AGU (Advocacia-Geral da União). O órgão tem a atribuição de defender autoridades dentro e fora do Brasil, mas a atuação nos Estados Unidos precisa ser intermediada por um escritório de advocacia local.
Procurado, o STF informou que nem o tribunal e nem Moraes iriam se manifestar.

Violação de sigilo

Ainda que a quebra do segredo de Justiça seja considerada ilegal, o advogado criminalista Marcelo Feller lembra que o artigo 7º do Código Penal diz que atos cometidos no exterior só estão incondicionalmente sujeitos à lei brasileira quando se tratarem de crimes:

  • contra a vida ou a liberdade do presidente da República;
  • contra o patrimônio ou a fé pública da União ou de outros entes federativos ou órgãos do poder público;
  • contra a administração pública, quando cometido por servidor;
  • de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil.

Em algumas situações, o alcance da Justiça brasileira também pode se aplicar a crimes previstos em tratados ou convenções, praticados por cidadãos nacionais ou em aeronaves ou embarcações brasileiras.

Pela interpretação literal da lei, a violação do segredo de Justiça não se enquadra nessas situações. Porém, Feller lembra que a redação do Código Penal é de 1984 — anterior, portanto, à internet.

“Eu não duvidaria que, no futuro, o Supremo fizesse uma interpretação da lei para falar que [violar o segredo de Justiça no exterior] é criminoso”, avalia o criminalista.

Feller considera que “punir uma pessoa por apresentar à Justiça documentos sigilosos para requerer um direito que acredita ter” não parece razoável. Ele pondera, no entanto, que o problema é o precedente que a não punição pode abrir.

“A depender de como se interpreta a lei, isso pode acabar com o sigilo de qualquer lugar do mundo. Qualquer pessoa, de qualquer país, poderia derrubar o sigilo de processos brasileiros”, ele analisa, lembrando que a violação poderia expor crianças ou prejudicar investigações de crimes graves que estão em andamento, por exemplo.

Já o advogado Bruno Teixeira, doutor em direito internacional pela USP, considera que a quebra do sigilo no exterior poderia ser penalizada no Brasil. Isso ocorre porque, apesar de ter sido cometido em outro país, o possível crime consiste na desobediência de uma ordem judicial expedida no Brasil.

Na interpretação de Teixeira, a quebra de segredo de Justiça só se configura caso o tribunal nos Estados Unidos divulgue os documentos. Caso as ordens de Moraes permaneçam sob sigilo nos Estados Unidos, não há violação.

O advogado considera pouco provável que o vazamento seja punido na esfera criminal, já que isso demandaria uma investigação que indicasse as pessoas físicas envolvidas na quebra do sigilo e uma ordem de prisão emitida pela Interpol.

Mais provável seria que o caso fosse punido no próprio processo que corre em segredo de Justiça, com a aplicação de multas e outras sanções, como o bloqueio do Rumble no Brasil.

No caso das sanções processuais, o local onde o ato foi cometido não interfere.

Dobrando a aposta

O Rumble havia decidido parar de operar no Brasil em dezembro de 2023, alegando discordar das determinações da Justiça brasileira. Dias após a posse de Donald Trump nos Estados Unidos, porém, a rede anunciou que retomaria a oferta de serviços no Brasil.

Logo após o anúncio, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) divulgou que o canal Terça Livre, do blogueiro foragido Allan dos Santos, havia voltado a funcionar na plataforma.

Santos é investigado pela Polícia Federal no Brasil por suspeitas de integrar uma organização criminosa e de prática de lavagem de dinheiro. Ele teve prisão preventiva decretada em 2021, mas vive nos Estados Unidos.

Com a reativação do canal do influenciador de extrema direita, o STF notificou o Rumble para que o perfil voltasse a ser suspenso.

A plataforma, então, em conjunto com a empresa de mídia de Trump, entrou com a ação contra Moraes, alegando que o ministro estaria violando a soberania e a legislação dos Estados Unidos ao exigir a suspensão das contas do blogueiro foragido.

Após a notícia, o CEO do Rumble, Chris Pavlovski, publicou no X que não cumpriria o que chamou de “ordens ilegais” do Judiciário brasileiro. “Nos vemos no tribunal”, provocou.

O CEO do Rumble, Chris Pavlovski, homem de pele clara, barba curta e cabelo castanho, veste uma camisa preta e um blazer escuro. Logotipo na tela mostra que se trata de um print de uma entrevista ao programa Tucker Carlson Today, da Fox News.
CEO do Rumble, Chris Pavlovski, acusou Moraes de ordens ‘ilegais e sigilosas’ contra sua rede (Reprodução/Fox News)

Na quinta (20), Moraes determinou que a empresa nomeasse um representante legal no Brasil para responder às determinações do Judiciário brasileiro. Pavlovski respondeu reiterando que descumpriria a determinação.

“Recebemos mais uma ordem ilegal e sigilosa na noite passada, exigindo nosso cumprimento até amanhã à noite. Você não tem autoridade sobre o Rumble aqui nos Estados Unidos, a menos que passe pelo governo dos Estados Unidos”, tuitou em português.

Como resposta, no dia seguinte, Moraes determinou a suspensão do Rumble no Brasil, exigindo que a empresa indique um representante legal no país, atenda às ordens judiciais e pague as multas pelos descumprimentos.

Após o bloqueio da plataforma, o Rumble e a Trump Media entraram com pedido de liminar para que a Justiça americana desobrigue as empresas de cumprirem as ordens do STF.

O caminho da apuração

Aos Fatos acompanhou as movimentações na ação judicial na Justiça da Flórida e comprou, na plataforma Pacer, da Justiça dos Estados Unidos, o acesso às petições públicas disponíveis, a fim de verificar quais supostas provas haviam sido anexadas pelos advogados do Rumble e da Trump Media. Após identificar que havia decisões sigilosas de Alexandre de Moraes entre os documentos, procuramos especialistas para contextualizar as possíveis consequências do fato.

Referências

  1. Folha de S.Paulo (1 e 2)
  2. X (@ChrisPavlovski) (1 e 2)
  3. Agência Brasil
  4. STF

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