Publicações nas redes sociais acusam o governo federal de querer acabar com os exames de mamografia para mulheres abaixo de 40 anos. A ofensiva começou na semana passada após a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) publicar uma proposta de resolução sobre o tema.
“Lula quer matar mulheres de câncer de mama”, diz o título de um vídeo com mais de 290 mil visualizações no Instagram. “Toda proposta do governo Lula é para massacrar mulher”, publicou a jornalista Madeleine Lakso, ao citar a proposta.
O alcance da medida planejada pela agência gerou uma disputa de versões entre a ANS e sociedades médicas. O governo federal, que não é o responsável pela medida e tem poderes limitados sobre o órgão — a autonomia das agências reguladoras é garantida por lei —, acabou virando alvo das acusações.

A ANS abriu uma consulta pública sobre a alteração da resolução que cria o Programa de Certificação de Boas Práticas em Atenção à Saúde de Operadoras de Planos Privados de Assistência à Saúde. Entre os pontos em discussão está a recomendação de realização de mamografia de rastreio a cada dois anos a partir dos 50 anos de idade. Os planos de saúde podem ou não aderir ao programa da agência, cujo objetivo é estimular a adoção de certas medidas.
Contudo, a proposta da ANS vai de encontro às diretrizes de entidades médicas, como a SBM (Sociedade Brasileira de Mastologia) e a Febrasgo (Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia), que recomendam a realização do exame anualmente a partir dos 40 anos. A mamografia de rastreio é solicitada por médicos para detecção precoce de câncer de mama antes do aparecimento de sintomas.
A mobilização nas redes sociais envolveu artistas e influenciadores. Um vídeo publicado pela apresentadora Ana Furtado em que ela pede que seus seguidores votem contra a resolução da ANS chegou a 8,4 milhões de visualizações no Instagram.
Posts alertavam que a resolução da agência poderia acabar com os exames de mamografia antes dos 50 anos — mas não é bem assim. A seguir, Aos Fatos explica o que pode mudar caso a resolução seja aprovada.
1. Como é hoje
A mamografia é um exame que utiliza raio-x para detecção de doenças e tumores nas mamas. O procedimento é realizado tanto pelo SUS (Sistema Único de Saúde) quanto por operadoras de saúde privadas.
Pacientes podem realizar o exame para diagnóstico ou para rastreio de doenças.
No primeiro caso, o exame é realizado mediante pedido médico após constatados sintomas ou lesões que possam indicar doenças na região das mamas. Isso pode ocorrer em qualquer idade.
No segundo, o procedimento é feito preventivamente para diagnosticar tumores ou lesões antes do possível agravamento dos quadros.

Neste caso, o Inca (Instituto Nacional do Câncer) recomenda que o exame seja feito a cada dois anos a partir dos 50 anos de idade — faixa etária de maior incidência de câncer de mama. Esse é o padrão adotado pelo SUS.
Já os planos privados costumam seguir as diretrizes da SBM e da Febrasgo, que recomendam a realização da mamografia de rastreio anualmente a partir dos 40 anos — idade na qual ocorrem 25% dos casos de câncer de mama.
Não há, no entanto, uma norma da ANS que determine a idade mínima para realização do exame de rastreio. Caso a resolução proposta seja aprovada, seria o primeiro posicionamento da agência sobre o assunto.
2. O que a ANS propõe
A agência está propondo mudanças na resolução que institui o Programa de Certificação de Boas Práticas em Atenção à Saúde de Operadoras de Planos Privados de Assistência à Saúde. Entre elas, a recomendação de realização de exames de mamografia de rastreio bienalmente a partir dos 50 anos, conforme preconizado pelo Inca.
A adesão ao programa é voluntária pelas operadoras de saúde. Aquelas que decidirem aderir receberão um selo de qualidade.
3. O que diz a ANS
A ANS argumenta que a resolução não afetaria a realização de mamografia por mulheres abaixo de 50 anos com recomendação médica, seja de rastreio ou diagnóstica. O exame já está previsto no rol de procedimentos e eventos de saúde da agência sem restrição de idade.
“O plano de saúde não pode negar [a realização do exame com pedido médico] e, caso isso aconteça, terá consequências, como a aplicação de multa”, completa o Ministério da Saúde.
“Não existe orientação para limitar ou proibir que mulheres mais jovens realizem o exame”, afirmou a ANS.
4. O que dizem as entidades médicas
Já as entidades médicas entendem que a mudança afetaria sim a realização de mamografias de rastreio proativas.
Médicos e planos de saúde continuariam solicitando e realizando o exame diagnóstico — quando há sintomas — ou de rastreio para pacientes com histórico familiar ou outros fatores de risco com menos de 50 anos. Já para pacientes sem sintomas, a mamografia de rastreio só seria solicitada a partir dos 50 anos.
“Nesse momento, essa resolução está tentando trazer para o cenário do plano de saúde a mesma situação do que acontece no SUS”, explica a mastologista Rosemar Rahal, membro da diretoria da SBM.
Por isso, a SBM e Febrasgo se posicionaram publicamente contra a proposta da ANS. “Ao ser postergado o rastreamento mamográfico para a partir dos 50 anos, será negligenciado um terço das mulheres que poderiam ter um diagnóstico precoce ao realizarem a mamografia anual e terem suas vidas salvas”, defende a Febrasgo.
O posicionamento também foi enviado na consulta pública aberta pela ANS, que deve analisar as contribuições.
“Eu acredito que toda essa reverberação que está tendo nesse momento, ela vai gerar uma reflexão na ANS. Mas eles têm autonomia para essa decisão”, diz Rahal.
O caminho da apuração
Aos Fatos analisou a proposta de alteração de resolução da ANS submetida a consulta pública e publicações nas redes sociais sobre o assunto. Também consultamos especialistas e posicionamentos oficiais de entidades relacionadas.




