Uma reportagem de 2016 da IstoÉ tem sido tirada de contexto por posts desiformativos, que enganam ao fazer crer que o Tribunal de Contas da União e a Polícia Federal deixaram de investigar o presidente Lula (PT) e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) por presentes recebidos em seus mandatos. As peças omitem que o entendimento sobre acervos pessoais de presidentes da República mudou em 2016, e que ambos já devolveram, por determinação do TCU, centenas de objetos pertencentes à União.
Publicações com o conteúdo enganoso acumulavam centenas de compartilhamentos e curtidas no Facebook e no Instagram, respectivamente, até a tarde desta sexta-feira (5). As peças enganosas circulam também no WhatsApp, plataforma na qual não é possível estimar o alcance (fale com a Fátima).
PF e TCU foram omissos com relação a presentes recebidos por Lula e Dilma
Posts nas redes tiram de contexto uma reportagem de 2016 de revista IstoÉ para criticar a atuação do TCU e da PF em relação a presentes recebidos por Bolsonaro durante seu mandato presidencial. Eles enganam ao fazer crer que os órgãos foram omissos em relação aos objetos recebidos por Lula e Dilma. O comparativo é enganoso porque o entendimento sobre quais objetos fariam parte de acervos pessoais ou do patrimônio da União mudou em 2016, após o impeachment de Dilma.
A legislação sobre presentes recebidos por presidentes durante o exercício do mandato passou por diversas alterações desde a redemocratização. Até agosto de 2016, as únicas regras sobre presentes recebidos por ex-chefes do Executivo durante cerimônias e encontros constavam no Decreto 4.344, editado em 2002.
A interpretação corrente era de que apenas objetos “entregues em cerimônia oficial de troca de presentes” seriam patrimônio da União. Isso mudou em setembro de 2016, quando o TCU concluiu que essa interpretação era incorreta e determinou que os presentes recebidos por ex-presidentes desde 2002 fossem incorporados ao patrimônio da União.
As únicas exceções são itens de natureza personalíssima, como medalhas e placas personalizadas, ou de consumo direto, como bonés, camisetas e perfumes.
Com esse entendimento e a partir de investigações feitas pela PF no âmbito da Operação Lava, que localizou caixas com objetos recebidos por Lula nos dois primeiros mandatos, o TCU determinou uma auditoria para localizar presentes dados por autoridades estrangeiras a governantes.
- Inicialmente, o TCU determinou que Lula devolvesse 568 presentes recebidos em viagens oficiais, sendo que 559 tinham sido incorporados ao seu acervo pessoal;
- A determinação também dizia que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) deveria devolver 144 bens recebidos;
- Uma comissão especial criada para vasculhar a relação de itens no Sistema de Gestão de Acervos Privados da Presidência da República constatou posteriormente que o número correto de objetos que deveriam ser devolvidos à União era de 434 para Lula e de 117 para Dilma;
- No caso de Lula, apenas 423 dos 434 objetos foram devolvidos — ou seja, não foram encontrados 11 presentes, com valor estimado em R$ 11.748,40. Esse montante foi restituído pelo ex-presidente à União;
- Já Dilma devolveu 111 dos 117, e informou que os seis faltantes, com valor estimado de R$ 4,8 mil, estavam nas dependências da Presidência. Uma inspeção da Secretaria de Administração da Presidência afirmou, no entanto, que não havia a possibilidade dos itens estarem em posse da União;
- O valor, então, foi depositado judicialmente por Dilma, que segue recorrendo para que a cobrança seja anulada;
- Em 2020, o TCU considerou que os trabalhos de identificação e devolução de bens recebidos por Lula e Dilma foram concluídos. O órgão afirmou que os bens faltantes de Dilma eram de baixa materialidade e que não cabia ao TCU a cobrança desse valor.
Em 2023, o TCU teve um novo entendimento e concluiu que presentes de alto valor comercial recebidos por presidentes da República, incluindo itens personalíssimos, deveriam ser devolvidos à União. Pouco tempo depois, o Estadão revelou que Lula havia ficado com presentes de luxo, como relógios e um cordão de ouro, que foram recebidos em seu primeiro mandato, e que não foram contestados pelo órgão.
Em maio deste ano, um parecer técnico do TCU afirmou que o entendimento de 2023 não poderia ser aplicado de maneira retroativa, o que significa que Lula poderia ficar com os presentes. O parecer ainda precisa ser aprovado em plenário, o que não tem data para ocorrer.
O caso do ex-presidente Jair Bolsonaro em relação às joias recebidas da Arábia Saudita ocorreu após o entendimento de 2016 do TCU e, além disso, difere em alguns aspectos da situação de Lula e Dilma, entre eles:
- A Polícia Federal apontou que houve uma organização criminosa no entorno de Jair Bolsonaro (PL) que atuou para desviar joias, relógios, esculturas e outros itens de luxo recebidos pelo ex-presidente;
- Já o Fisco explicou que o governo Bolsonaro não apresentou justificativa adequada para incorporação dos presentes ao patrimônio público e sequer tentou regularizar a situação, por exemplos, de joias sauditas;