Prioridade no G20, regulação da IA deve voltar ao Senado alinhada com indústria

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Prioridade entre os temas a serem debatidos por líderes mundiais na próxima semana durante a Cúpula do G20, no Rio de Janeiro, as diretrizes para o uso e o desenvolvimento de tecnologias de inteligência artificial devem voltar à pauta do Congresso brasileiro antes do fim do ano.

A previsão é de que as discussões, que desde meados do ano passado se arrastam na CTIA (Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil) do Senado, sejam encerradas nas próximas semanas com a apresentação e a votação de um novo relatório final.

Fontes ouvidas pelo Aos Fatos afirmaram que o novo texto será bem diferente da última versão apresentada pelo relator da comissão, o senador Eduardo Gomes (PL-TO), em junho. A nova proposta deve estar mais alinhada aos interesses da indústria e do setor de tecnologia.

Rodrigo Pacheco discursando no Plenário durante abertura do P20, encontro de parlamentares do G20.
Pacheco defendeu regulação de inteligência artificial durante encontro de parlamentares do G20 em Brasília (Waldemir Barreto/Agência Senado)

O projeto em discussão é o PL 2.338/2023, do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Em discurso na abertura da cúpula de chefes parlamentares dos países do G20, Pacheco defendeu a regulação e destacou os esforços do Congresso sobre o tema. A expectativa do senador é que a matéria seja votada antes do fim de seu mandato como presidente, em fevereiro do ano que vem.

Desde que foi criada, em agosto de 2023, a CTIA já teve os trabalhos adiados cinco vezes. Questionada pelo Aos Fatos, a assessoria do relator Eduardo Gomes afirmou que espera votar o texto ainda em 2024, mas está aguardando a decisão do presidente da comissão, o senador Carlos Viana (Podemos-MG), que está de licença até o dia 18 de novembro.

Possíveis mudanças

Ao longo dos últimos meses, o projeto de regulação da IA sofreu forte influência do setor da indústria e tecnologia.

Na primeira semana de novembro, circulou entre grupos de parlamentares e ativistas um substitutivo não oficial para o PL 2.338/2023, formulado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria). O documento foi enviado como sugestão ao relator.

Entre as mudanças presentes no texto da CNI estão:

  • Redução do escopo de aplicabilidade da lei, retirando da regulação sistemas de inteligência artificial de código aberto e que operem sem dados pessoais ou interação com seres humanos;
  • Diminuição das obrigações impostas a startups e projetos de interesse público que usem a tecnologia;
  • Exclusão da exigência de relatórios de avaliação de impacto algorítmico e da base de dados públicas de IA, medidas de transparência presentes no projeto anterior;
  • Alteração nos integrantes da futura autoridade reguladora para inteligência artificial, tirando a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) da função de coordenadora, excluindo o comitê de especialistas e aumentando as responsabilidades de agências setoriais;

Mudanças na seção de direitos autorais, alterando o regime de remuneração aos titulares de obras usadas para treinamento de IA.

“A proposta [da CNI] desidrata bastante o que a gente tinha na versão anterior, que já era bastante enxuta em relação à proteção de direitos fundamentais", afirmou ao Aos Fatos Paula Guedes, porta-voz do grupo de trabalho para inteligência artificial da Coalizão Direitos na Rede.

Lobby

A CNI foi uma das responsáveis pelo fracasso na votação do último relatório apresentado pela comissão do Senado em julho. Na época, a organização sustentou que o PL 2.338/2023 criaria obstáculos ao desenvolvimento tecnológico e à inovação.

O posicionamento da entidade inspirou o envio de dezenas de novas emendas ao projeto e uma carta em que associações ligadas a empresas de tecnologia pediam mais tempo para as discussões. Paralelamente, circulou nas redes uma campanha desinformativa sobre a proposta.

A mobilização levou os senadores a convocarem novas audiências públicas sobre o tema. Em 4 de setembro, representantes do CNI, do ITS (Instituto Tecnologia e Sociedade) e de associações americanas discutiram a “autorregulação e as boas práticas no uso de IA”.

Foto tirada durante audiência pública da CTIA no dia 4 de setembro em que aparecem Christina Aires, representante da CNI, senador Astronauta Marcos Pontes e Luis Fernando Prado, representante da Abria.
Representante da CNI e da Abria trocam olhares durante audiência pública presidida pelo senador Marcos Pontes na CTIA (Waldemir Barreto/Agência Senado)

A reunião ocorreu sob a presidência interina do senador Marcos Pontes (PL-SP), integrante da comitiva que viajou aos Estados Unidos em março para discutir a regulação com as big techs.

Durante o evento, representantes de organizações ligadas a empresas de tecnologia defenderam temas como a autorregulação e a ausência de necessidade de garantir direitos individuais a usuários em sistemas de IA de baixo risco. As sugestões estavam alinhadas com os posicionamentos da CNI e da Abria (Associação Brasileira de Inteligência Artificial).

Os setores da indústria e da tecnologia também compartilharam suas demandas fora do Senado. Em participação no 1º Seminário Inteligência Artificial, em 30 de outubro, o senador Eduardo Gomes apresentou as principais mudanças de seu novo texto, flexibilizando pontos que entraram em divergência com o setor produtivo e deixando questões em aberto para contribuições.

Eduardo Gomes falando no “1º Seminário Inteligência Artificial (IA)” promovido pelo governo de São Paulo.
Relator do PL 2338 foi convidado a participar de evento com empresas do setor tecnológico em São Paulo (Mônica Andrade/Governo do Estado de SP)

As informações constam em um relatório, já que a fala não foi gravada. O evento contou também com a participação do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de líderes de empresas como Google, Amazon e Microsoft.

Em entrevista ao Aos Fatos, o conselheiro da Abria Luis Fernando Prado afirmou que a associação tem agora uma visão mais otimista do projeto.“Entendemos que o tempo expandido para o debate foi importante e esperamos que a nova versão do texto reflita o amadurecimento do debate conquistado nos últimos meses. Nossa expectativa é de um novo texto mais equilibrado para o projeto de lei, que sirva como incentivo (e não barreira) para o desenvolvimento e uso de IA no Brasil”.

Preocupações

Representantes do terceiro setor manifestaram apreensão ao Aos Fatos e disseram estar “por fora” das mudanças que serão feitas ao projeto. “Essas discussões que estão acontecendo agora em relação ao texto, eles não estão abrindo para a sociedade civil. Quem está negociando é o setor produtivo e o lobby mesmo”, criticou Paula Guedes.

Também preocupados com as mudanças ao PL 2.338/2023 que devem ser apresentadas nos próximos dias, entidades dos setores da música, da imprensa e do audiovisual entregaram na última terça-feira (12) uma carta ao relator em defesa dos direitos autorais no contexto da IA.

“Precisamos garantir que os artistas, produtores e criadores brasileiros tenham seus direitos preservados e valorizados frente às novas tecnologias que impactam diretamente a criação e a distribuição de conteúdo”, afirmou à imprensa Paulo Rosa, presidente da Pró-Música Brasil.

O caminho da apuração

Aos Fatos acompanhou, pelo canal da TV Senado, a agenda e as sessões da CTIA (Comissão Especial para Inteligência Artificial) entre junho e novembro.

A reportagem também entrou em contato com integrantes da comissão e representantes de setores interessados na regulação de inteligência artificial para questionar sobre o andamento da matéria. Assim, fomos informados sobre a circulação de substitutivo produzido pela CNI.

Por fim, contextualizamos a tramitação do projeto de regulação frente às discussões no G20 e ao fim do mandato de Rodrigo Pacheco na presidência do Senado.

Referências

  1. Folha de S.Paulo
  2. Senado (1 e 2)
  3. CNN Brasil
  4. Aos Fatos (1, 2, 3 e 4)
  5. Consecti
  6. USITO
  7. InvestSP
  8. Patri

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