Perfis de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro usaram as redes sociais nos últimos dias para minimizar a invasão do Capitólio americano por manifestantes pró-Donald Trump, na quarta-feira (6). Para isso, recorreram a desinformação sobre supostas fraudes eleitorais e acusaram, sem provas, movimentos antifascistas e antirracistas de estarem por trás dos atos violentos, mostra análise do Radar Aos Fatos.
A insurreição dos apoiadores do presidente americano visava reverter o resultado das eleições e impedir a certificação do mandatário eleito, Joe Biden. Ao menos cinco pessoas morreram no tumulto.
O Radar analisou como perfis brasileiros no Twitter e no Facebook reagiram ao episódio e identificou que, na primeira rede social, bolsonaristas foram minoritários no debate (respondem por 14% dos perfis que falaram sobre o tema no Twitter), mas barulhentos (somaram quase 30% dos retweets).
E, embora poucos tenham declarado apoio explícito aos atos violentos, tampouco os condenaram. Das 200 mensagens mais populares publicadas pela rede bolsonarista no Twitter, 47 (23,5%) tentaram relativizar o ataque ao parlamento americano ao compará-lo com protestos dos movimentos Black Lives Matter e Antifa.
Segundo o argumento mais recorrente entre esses apoiadores do presidente brasileiro, as manifestações à esquerda teriam sido mais violentas e, ainda assim, não receberam críticas de autoridades e da imprensa.
Nesse universo, a publicação de maior engajamento foi uma resposta de uma usuária à mensagem do presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, condenando a ocupação do Capitólio. Além de sugerir que o movimento Black Lives Matter é fascista, ela também compartilhou a denúncia infundada de que houve fraude nas eleições norte-americanas, já desmentida pelo Aos Fatos.
Desinformação. Dos 200 tweets do campo bolsonarista analisados, 57 (28,5%) apresentaram algum tipo de desinformação. A alegação mais comum (presente em 30 posts) foi a de que “esquerdistas” ou "antifas" (antifascistas) teriam se infiltrado no ato e seriam responsáveis pela violência na invasão do Capitólio. Como o Aos Fatos mostrou, alegações falsas similares circularam nos últimos dias. Outras 20 publicações voltaram a afirmar que houve fraude em massa nas eleições presidenciais americanas realizadas em novembro.
Apesar de ter perdido na Justiça nas diversas ocasiões em que tentou provar que a vitória de Biden foi irregular, Trump continua sustentando que houve fraude. A repetição das alegações falsas sobre o resultado do pleito, assim como a interpretação de que Trump estaria incitando a violência na invasão do Capitólio, levou empresas de tecnologia a suspenderem as contas do presidente americano em suas plataformas.
Facebook. Uma análise dos cem posts mais compartilhados sobre o assunto no Facebook mostra um cenário parecido com o do Twitter, em que o apoio ou a minimização da invasão no Capitólio são minoritários (10% do total de publicações) e restritos ao círculo bolsonarista.
Nesses casos, também aparecem referências críticas ao movimento Black Lives Matter e à morte da veterana da aeronáutica Ashli Babbit, que participou da invasão e levou um tiro no pescoço, como na publicação do deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ):
Uma parcela maior (39%) das publicações mais populares condenou o ato, e parte desse universo culpou Donald Trump pelo desfecho violento (25% do total analisado). Outros (9%) usaram o episódio para criticar Jair Bolsonaro, que é próximo do presidente americano.
Os grupos em debate. Para entender como se deu o debate sobre a invasão do Capitólio no Twitter, a reportagem capturou postagens de 102.963 perfis que continham termos relacionados ao episódio publicadas até quinta-feira (7). Em seguida, usou uma técnica chamada análise de modularidade, que divide um universo de usuários em grupos de acordo com o nível de interação entre eles (usuários que se retweetam muito, por exemplo, tendem a ficar no mesmo grupo).
O gráfico acima ilustra essa classificação automática. A maior dessas redes, representada pela cor laranja, reuniu atores políticos de esquerda, intelectuais e parte da imprensa brasileira. Esse segmento respondeu por 30,6% dos perfis e 30,8% das interações da amostra.
A análise dos 50 posts com mais interações (curtidas e retweets) neste grupo mostrou que seus integrantes classificaram a invasão como uma tentativa de golpe de Estado orquestrada por Trump (54% dos tweets analisados). Também houve críticas à polícia (12%), principalmente pela comparação com a postura das forças de segurança diante dos manifestantes do movimento Black Lives Matter.
Entre os 50 tweets com mais engajamento no grupo, destacaram-se publicações de nomes como Guilherme Boulos, que disputou a Prefeitura de São Paulo pelo PSOL; do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT); do professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) Silvio Almeida; do youtuber Felipe Neto; e do presidente da Cufa (Central Única de Favelas), Preto Zezé.
Apesar de a rede bolsonarista, mostrada na cor verde, ter bem menos perfis do que a laranja (17,5% contra 30,6%), os dois grupos quase se igualam quando se trata da proporção de interações obtidas: o "cluster" verde teve 28,44% das interações da amostra, contra 30,8% do laranja. Ou seja: embora menos numerosos, os perfis da rede bolsonarista conseguiram um engajamento muito próximo de um grupo com quase o dobro da quantidade de usuários.
Os outros três grupos tiveram quantidades similares de perfis e interações; cada um obteve aproximadamente 12% dos perfis e 7% das interações da amostra. A rede identificada na cor marrom foi marcada pelo uso do humor, do sarcasmo e da ironia para comentar a invasão do Capitólio. Entre os 50 tweets com mais engajamento nesta rede, o humor foi usado para criticar a ação da polícia diante dos militantes pró-Trump na comparação com a postura frente aos manifestantes do movimento Black Lives Matter, assim como para ironizar uma suposta tentativa de golpe de Estado nos EUA.
A rede azul se conformou em torno do perfil do advogado e professor Thiago Amparo. Apesar de este grupo ter praticamente a mesma quantidade de usuários que os grupos marrom e preto, o nome de Amparo se sobressaiu porque seu perfil respondeu por 95% das interações da rede. Em seu tweet mais popular no universo analisado, o acadêmico classificou como “privilégio branco” a abordagem policial diante dos invasores do Congresso dos EUA.
Já a rede exibida na cor preta não teve as interações concentradas em poucos perfis, e, por isso, ela aparece menor no grafo apesar de ter um volume de usuários e interações similar às redes marrom e azul. O grupo preto misturou ativistas de esquerda, jornalistas, perfis de humor e artistas. Entre os 50 tweets que mais obtiveram interações nesta rede, o tom geral foi de crítica à invasão do Congresso e de ironia ao tratamento dado pela polícia americana aos invasores. A presença de neonazistas entre os militantes também foi destacada.
Outro lado. O Aos Fatos tentou contato com o deputado Otoni de Paula, citado na reportagem, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.