A fumaça que tomou o céu nas últimas semanas tem impedido moradores das regiões Centro-Oeste e Sudeste de enxergar o sol. Entre o final de agosto e o início deste mês, chamou a atenção principalmente o número de queimadas registradas no estado de São Paulo.
Antes de o fogo atingir terras paulistas, no entanto, as queimadas em biomas como o Pantanal e o Cerrado já haviam batido recordes em 2024 — outras regiões, como a Amazônia, também registraram aumento em relação a anos anteriores.
Por trás desse cenário estão fatores climáticos extremos e a ação humana. A seguir, Aos Fatos explica as causas e consequências das queimadas.
- Qual a situação atual?
- Quais são as causas das queimadas?
- O que está sendo feito para tentar controlar o fogo?
- Como se proteger dos efeitos da fumaça?
1. Qual a situação atual?
O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) registrou mais de 164 mil focos de incêndio no Brasil entre janeiro e setembro deste ano. O valor corresponde a mais que o dobro do contabilizado no mesmo período do ano passado e é o maior desde 2010.
O ano de 2024 também registrou recorde em área queimada: os focos de incêndio destruíram mais de 113 mil km² do território nacional até julho — maior valor já registrado para o período.
Os estados mais afetados são Mato Grosso, Pará, Amazonas e Tocantins, que concentram 56% dos pontos de queimada contabilizados desde o início do ano.
A atividade do fogo também tem sido intensa no estado de São Paulo, que chegou a registrar cerca de 1.800 focos de incêndio em um único dia, no fim de agosto. As queimadas na região motivaram investigação da Polícia Federal e a prisão de 15 pessoas.
2. Quais são as causas das queimadas?
Especialistas apontam que o principal fator para o aumento no número de queimadas é a seca, que afeta mais de 58% do território nacional, segundo dados do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais).
Em audiência no Senado no último dia 4, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que a “combinação de temperaturas altas, baixa precipitação e um processo intenso de evapotranspiração criam um ciclo vicioso” que tem deixado os biomas cada vez mais secos e mais suscetíveis aos efeitos do fogo.
De acordo com um estudo da ONG WWA (World Weather Attribution), a seca, os ventos fortes e as altas temperaturas aumentaram em até cinco vezes a probabilidade de incêndios no Pantanal.
“Nós temos, basicamente, um segundo ano consecutivo de uma seca muito severa, com um período de chuvas muito incipiente, muito aquém daquilo que precisava para repor o estoque de água. Isso faz com que qualquer fonte de ignição realmente possa se tornar um grande incêndio”, explicou ao Aos Fatos Ane Alencar, diretora do IPAM (Instituto de Pesquisas da Amazônia).
Isso, no entanto, não descarta a atividade humana do leque de causas que explicam o recorde de queimadas. Em biomas como a Amazônia, explica Alencar, o fogo natural é um fenômeno raríssimo — e, portanto, as queimadas só podem ocorrer quando alguém incendia propositalmente a mata.
“O que origina o fogo de fato é o uso dele para as atividades agropecuárias, tanto no processo de finalização do desmatamento quanto no processo de renovação de pastagem”, acrescentou a especialista.
3. O que está sendo feito para tentar controlar o fogo?
Em 26 de julho, o governo federal instaurou a Sala de Situação Nacional de Emergências Climáticas em Saúde para discutir formas de lidar com os incêndios. O Executivo diz estar realizando um acompanhamento quinzenal das áreas afetadas para reforçar ações de combate ao fogo e mitigar os prejuízos à saúde causados pela fumaça.
Segundo as informações mais recentes, divulgadas no boletim do dia 3 de setembro, o Ibama e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) contam com mais de 1.400 brigadistas na Amazônia Legal.
Já no Pantanal, o governo federal deslocou 907 profissionais para auxiliar no combate aos incêndios — entre brigadistas do Ibama, integrantes das Forças Armadas, da Força Nacional e da Polícia Federal —, além de 16 aeronaves e 51 embarcações.
As ações do Ibama se concentram em áreas públicas. Em áreas privadas, a competência de combate aos incêndios é dos governos estaduais, que também têm tomado ações contra o fogo:
- em São Paulo, por exemplo, o governo contratou aeronaves para auxiliar no monitoramento e no combate aos incêndios;
- o governo amazonense contratou mais brigadistas para reforçar o combate às queimadas;
- forças estaduais, em parceria com a Polícia Federal, também têm investigado suspeitas de incêndios criminosos no país.
Para Alencar, contudo, é preciso fortalecer a gestão ambiental dos governos estaduais, para que a fiscalização de áreas privadas seja feita de forma efetiva.
Ela também ressalta a importância de ações preventivas e de conscientização. “É importante que sejam tomadas medidas de suspensão do uso do fogo, por exemplo, ou medidas educativas, de quando as pessoas têm e podem colocar fogo de forma legal”, diz.
Como evitar incêndios. Para além das queimadas criminosas e do fogo natural, há também os incêndios acidentais. Em épocas de seca como a atual, é necessário seguir algumas orientações para evitar esse tipo de problema:
- não jogar lixo ou entulho às margens da rodovia;
- não lançar bitucas de cigarro pela janela;
- evitar usar o fogo para limpar terrenos ou queimar o lixo;
- sempre que avistar um foco de incêndio, avisar imediatamente os bombeiros por meio do número 193.
4. Como se proteger dos efeitos da fumaça?
Aliada ao clima seco, a fumaça gerada pelas queimadas faz com que a qualidade do ar caia drasticamente nas regiões mais afetadas pelos incêndios. Um exemplo foi São Paulo, que registrou um dos piores indicadores de qualidade do ar do mundo na última segunda-feira (9), segundo a agência suíça IQAir.
O Ministério da Saúde divulgou orientações gerais para que a população se proteja dos eventuais problemas causados pela fumaça:
- aumentar a ingestão de água e líquidos para manter as vias respiratórias úmidas e protegidas;
- permanecer em ambientes fechados, preferencialmente bem vedados, ou buscar ambientes com filtros de ar;
- manter portas e janelas fechadas durante os horários de maior concentração de poluentes — geralmente no período da tarde;
- evitar atividades físicas ao ar livre durante esse período;
- não consumir alimentos, bebidas ou medicamentos que tenham sido expostos a detritos de queima ou cinzas;
- caso tenha que sair de casa, é importante usar máscaras — preferencialmente dos tipos N95, PFF2 ou P100 — para reduzir a inalação de partículas. O Ministério da Saúde assinala, no entanto, que a recomendação prioritária é permanecer em locais fechados e protegidos da fumaça.
Em São Paulo, a qualidade do ar é medida por estações de monitoramento da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). Esse tipo de análise, no entanto, não está presente em todas as regiões do país.
Para Helen Sousa, pesquisadora do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente), a falta de dados sobre a qualidade do ar acaba por prejudicar ações de orientação para cuidados com a saúde.
“A população de maneira geral não sabe o que está respirando. Hoje a gente vê no céu o efeito da poluição, mas vale lembrar que existe um efeito crônico disso ao longo dos meses”, diz.
O caminho da apuração
Aos Fatos consultou dados públicos divulgados pelo governo sobre os incêndios para registrar a situação atual do país e compará-la à de anos anteriores. Também entrevistamos especialistas e recorremos a dados climáticos que ajudassem a explicar as causas do fenômeno.
Por fim, consultamos orientações do Ministério da Saúde e de outras organizações sobre como prevenir os efeitos nocivos que a fumaça causa à saúde.