Fernando Frazão / Agência Brasil

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Março de 2019. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Quatro anos depois, Brasil ignora maioria das recomendações da Comissão da Verdade

29 de março de 2019, 19h09

Em dezembro de 2014, o relatório final apresentado pela CNV (Comissão Nacional da Verdade) indicava 29 recomendações para a sociedade com o objetivo de garantir reparação, memória e justiça às vítimas do regime militar, além de soluções para problemas que persistem na democracia. Dentre essas ações, estavam medidas institucionais sob o alcance da Presidência, iniciativas de reformulação de leis, que dependem de análise no Congresso e outras que davam seguimento às ações da comissão. Passados mais de quatro anos, levantamento de Aos Fatos indica que mais de 80% das propostas não foram cumpridas ou tiveram apenas parte da orientação acatada. Isso significa que, das 29 recomendações, 18 não foram cumpridas, seis realizadas parcialmente e apenas cinco efetivamente aplicadas.

O cenário já pouco animador de recomendações ignoradas pelo Estado parece se agravar no atual governo, que resgatou um item da lista que parecia pacificado desde a redemocratização do Brasil. A CNV recomendou expressamente a proibição de celebrações ao golpe de 1964, medida que o presidente Jair Bolsonaro ignorou ao determinar que o Ministério da Defesa fizesse “comemorações devidas” em unidades militares no dia 31 de março, data que marca o golpe de 1964.

A Comissão Nacional da Verdade colheu mais de mil depoimentos, realizou 80 audiências públicas, fez diligências investigativas em diferentes partes do país, além de ter elaborado oito relatórios preliminares de pesquisa. O período analisado pelos integrantes da comissão foi de 1946 a 1988, concentrando-se nos crimes cometidos contra os direitos humanos no período da ditadura militar, entre 1964 e 1985, quando 434 mortes foram identificadas e 377 agentes públicos foram indicados como autores de crimes.

Veja, abaixo, o status das recomendações:

Não realizado


Reconhecimento de culpa pelas Forças Armadas

Em ofício encaminhado para a Comissão Nacional da Verdade em setembro de 2014, antes da conclusão do relatório final, o então ministro da Defesa, Celso Amorim, reconheceu formalmente a culpa do Estado brasileiro em “violações de direitos humanos ocorridas no passado”. No entanto, o mesmo ofício cita que as conclusões dos Comandos Militares das três forças (Exército, Aeronáutica e Marinha) “não se contrapõem a esse reconhecimento”. Ou seja, os militares apenas se limitaram a não negar as violações, o que é diferente de assumir formalmente as torturas.

Punição criminal e civil de colaboradores do regime militar

A Lei de Anistia, sancionada em agosto de 1979 pelo presidente militar João Baptista Figueiredo, previa o perdão a quem tivesse cometido “crimes políticos ou conexos” desde 1961. Controversa, a lei beneficiou militares e exilados políticos envolvidos na luta armada contra a ditadura militar.

A lei já foi questionada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, braço jurídico da Organização dos Estados Americanos, mas, em 2010, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que ela continuaria em vigência. Essa decisão tem impedido que acusados de crimes na ditadura militar sejam punidos penalmente na Justiça de Transição, como são chamadas as medidas legais para reparar períodos de abusos massivos de direitos humanos.

Desde 1999, o Ministério Público Federal já apresentou 38 denúncias criminais contra 59 agentes militares e civis que participaram da ditadura, mas nenhum chegou a ser punido. Em alguns casos, juízes reconheceram que houve crime contra a humanidade, portanto imprescritível, mas lembram que Lei de Anistia impede punição.


Punição de agentes públicos autores de atos que geraram a condenação do Estado por violações de direitos humanos

Não há registro de que agentes do Estado responsabilizados por crimes na ditadura militar tenham efetivamente pago indenização ou algo similar. Esse tipo de punição por ordem da Justiça por crimes ocorridos na ditadura esbarra no tempo que os atos ocorreram. Em outubro do ano passado o Tribunal de Justiça de São Paulo derrubou uma decisão que determinava o pagamento de indenização de R$ 100 mil pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, já falecido, à família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo em 1971, quando Ustra era chefe do departamento. Os desembargadores consideraram que os crimes haviam prescrito.


Proibição de eventos de comemoração ao golpe militar de 1964

Defensor da ditadura militar nos tempos de deputado na Câmara, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) determinou ao Ministério da Defesa que fossem realizadas comemorações “devidas” nas unidades militares em 31 de março, fazendo referência à data do Golpe Militar de 1964. Desde a redemocratização do país em 1985, essa foi a primeira que um presidente da República determinou a celebração do regime. Na mesma semana, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, emitiu um comunicado justificando a celebração. Em defesa da medida, Bolsonaro negou que houve uma ditadura no país e disse em entrevista na TV Bandeirantes que o Brasil teve “probleminhas” no período. Aos Fatoschecou isso anteriormente.

O MPF (Ministério Público Federal) emitiu nota no dia 27 de março recomendando aos comandos militares no país que não celebrem a data e estabeleceu um prazo de 48 horas para que os comandos encaminhassem as medidas adotadas para o cumprimento da orientação. Além disso, a nota assinada por procuradores do MPF em 19 Estados lembra que o período foi marcado por graves violações de direitos humanos:

“O dever do Estado brasileiro é não só o de reparar os danos sofridos por vítimas de abusos estatais no mencionado período, mas também de não infligir a elas novos sofrimentos, o que é certamente ocasionado por uma comemoração oficial do início de um regime que praticou graves violações aos direitos humanos”, informa o MPF na nota.

O Ministério da Defesa publicou a Ordem do Dia a ser lida nos quartéis em razão do 31 de março de 1964.


Reformulação dos concursos de ingresso nas Forças Armadas

O relatório da comissão recomenda a inclusão de temas sobre direitos humanos e democracia já na prova de ingresso nas Forças Armadas para “assegurar a compatibilidade de sua atuação com aqueles princípios e preceitos fundamentais”. No entanto, editais recentes de concursos públicos para ingresso nas três forças (Exército, Marinha e Aeronáutica) não citam direitos humanos como parte do conteúdo pedido nas provas.

Desvinculação dos institutos médicos legais, bem como dos órgãos de perícia criminal, das secretarias de segurança pública e das polícias civis

Após a constatação de que institutos médicos legais teriam colaborado com agentes da ditadura, inclusive forjando laudos, a CNV optou por recomendar a separação desse tipo de departamento de órgãos de segurança pública. No entanto, em todos os estados brasileiros o IML está subordinado às pastas de Segurança Pública.

Garantia de atendimento médico às vítimas de violações de direitos humanos

As deficiências estruturais do sistema de saúde do país se refletem no atendimento às vítimas de violações de direitos humanos, o que demonstra o descumprimento da recomendação. Todos os anos, o MPF organiza campanhas sensibilizar órgãos públicos sobre a importância do atendimento a pessoas vítimas de estupro, por exemplo.

Promoção dos valores democráticos e dos direitos humanos na educação

A CNV recomenda que escolas incentivem conteúdos sobre história política do país, respeito à democracia, aos direitos humanos e à diversidade cultural. Ainda que muitas unidades de ensino sigam essa orientação em seus currículos, ações do governo do presidente Jair Bolsonaro em negar crimes da ditadura militar, além de destacar informações falsas, como a existência de uma “ideologia de gênero” no ensino público, e iniciativas como o projeto Escola Sem Partido, endossado pelo atual governo, indicam retrocesso nesse tema.


Fortalecimento das Defensorias Públicas

A falta de acesso de presos à Justiça facilita casos de violação de direitos humanos em presídios, segundo apurou a CNV. A emenda constitucional número 80, de 2014, prevê que todos os estados brasileiros tenham Defensorias Públicas implementadas até 2022.

A última pesquisa completa sobre o déficit de defensores públicos no país foi realizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 2013. Com dados do Censo 2010, o instituto calculou à época uma defasagem de mais de 10 mil profissionais no país, ressaltando que São Paulo (2.471), Minas Gerais (1.066) e Bahia (1.015) eram os estados mais afetados.

Em 2015, a Anadep (Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos) indicou que a União precisaria de 731 defensores federais para chegar no número ideal: 1.281 defensores.


Dignificação do sistema prisional e do tratamento dado ao preso

Desde a década de 1990, o Brasil vê seus presídios sendo palco de rebeliões, assassinatos, torturas e do crescimento de organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas e de armas. Em 2016, um relatório da ONU apontou “racismo institucional” e “prática frequente de tortura e maus-tratos” no sistema carcerário brasileiro.

O especialista de direitos humanos da ONU, Juan E. Méndez, visitou presídios em quatros estados e analisou dados como o total da população carcerária no país, que ultrapassa 700 mil pessoas, a terceira maior do mundo.

“As condições de detenção frequentemente remetem a tratamento cruel, desumano e degradante. A superlotação severa leva a condições caóticas nos presídios e impactos nas condições de vida dos presos e seu acesso a comida, água, defesa legal, assistência médica, apoio psicológico, oportunidades de educação e trabalho, assim como banho de sol, ar fresco e recreação”, disse Méndez à época do lançamento do relatório.


Criação de ouvidorias externas no sistema penitenciário

As ouvidorias são importantes para que familiares de detentos possam denunciar, inclusive de forma anônima, casos de maus-tratos em presídios. De acordo com a agenda do último Fórum Nacional de Ouvidores do Sistema Único de Segurança Pública, realizado em dezembro de 2018, ainda há estados que não possuem ouvidoria.

O pleno funcionamento das ouvidorias depende da independência dos órgãos. Por isso, especialistas criticam que apenas cinco estados brasileiros (São Paulo, Pará, Rio Grande do Norte, Maranhão e Mato Grosso) tenham ouvidores com mandato definido. Quando há indicação direta, o risco de interferência política é maior.

O relatório da CNV prevê que os “ouvidores devem ser escolhidos com a participação da sociedade civil, ter independência funcional e contar com as prerrogativas e a estrutura necessárias ao desempenho de suas atribuições”. Isso não foi realizado.


Revogação da Lei de Segurança Nacional

A partir de uma lei similar que vigorava desde 1935, quando Getúlio Vargas era presidente, a Lei de Segurança Nacional foi sancionada em 1983 pelo então presidente João Baptista Figueiredo. A legislação foi usada na ditadura militar para enquadrar como terroristas quem se opôs aos regime. Ainda em vigor, a lei foi alvo de críticas durante os protestos populares em 2013, quando vários manifestantes foram denunciados com base nessa lei em São Paulo.

Nas eleições presidenciais de 2018, a Lei de Segurança Nacional voltou a ter holofotes. Adélio Bispo de Oliveira, autor da facada que atingiu o então candidato Jair Bolsonaro em setembro, em Juiz de Fora (MG), foi indiciado pela Polícia Federal com base nessa lei.


Mudanças na legislação brasileira para tipificar crimes contra a humanidade

Tramita na Câmara desde 2007 o projeto de lei número 301, de autoria do ex-parlamentar Dr. Rosinha (PT-PR). No ano seguinte, o governo Lula apensou o PL 4038/2008 ao projeto do deputado paranaense. O texto do Executivo foi assinado pelos ministros Tarso Genro (Justiça), Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), Celso Amorim (Relações Exteriores) e pelo ainda então advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, atual presidente do STF.

Os dois projetos preveem a tipificação de crimes contra a humanidade, como tortura, desaparecimento forçado e genocídio. A última movimentação do projeto principal é de junho do ano passado, mas ainda não foi aprovado na Câmara.

Desmilitarização das polícias militares estaduais

A desmilitarização policial é alvo de duas propostas de emenda à Constituição que tramitam a passos lentos na Câmara (PEC 430/2009) e no Senado (PEC 102/2011). Em 2012, a Dinamarca se pronunciou sobre casos de violência policial no Brasil no Conselho da ONU e recomendou que o país encerrasse o sistema de separação das polícias.

Uma comissão especial chegou a ser montada na Câmara para estudar a desmilitarização da PM e a fusão das duas polícias, mas o relatório final, apresentado no ano passado, apenas transformaria a polícia estadual de caráter civil, com a função de policiar as ruas com uniforme e também de investigar crimes. A Policial Civil seria mantida para investigar crimes mais complexos de abrangência estadual.

Extinção da Justiça Militar estadual

A Justiça Militar Estadual é responsável por processar e julgar os militares dos estados (Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar) nos crimes definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares das corporações. Todos os estados têm Justiça Militar, sendo que São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul têm ainda Tribunais de Justiça Militar. Nos demais estados um juiz de direito decide sobre os casos.

Outro fator que reforça as críticas à Justiça Militar estadual é o custo por magistrado. De acordo com o estudo do CNJ Justiça em Números 2018, a média anual de casos julgados por um juiz na Justiça Militar chega a ser 17 vezes menor que um magistrado da Justiça comum estadual. Além disso, a Justiça Estadual Militar gastou R$ 151 milhões no ano passado, segundo o levantamento.


Exclusão de civis da jurisdição da Justiça Militar

Civis que praticarem crime contra instituições militares ainda podem ser julgados pela Justiça Militar. A legislação não apenas permanece, como foi ampliada. Apesar de existirem projetos de lei e ações diretas de inconstitucionalidade que pretendem extinguir esse modelo de julgamento diferenciado, o governo Michel Temer (MDB) sancionou uma lei que aumenta a abrangência da Justiça Militar Estadual. A lei 13.491/2017 prevê que militares possam ser julgados também por crimes dolosos contras civis na Justiça Militar.


Supressão, na legislação, de referências discriminatórias a atos homossexuais

O Código Penal Militar, em vigor desde 1969, ainda prevê pena de até um ano para militar que “praticar, ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não”. O ato ainda sofre outros tipos de punições, como a não aplicação de suspensão condicional da pena e o militar ainda fica sujeito “à declaração de indignidade para o oficialato”. Como comparação, na mesma lei, esse tipo de sanção é aplicado somente a crimes como traição do país e espionagem.


Eliminação do auto de resistência na legislação

Muito utilizado na ditadura militar, o termo auto de resistência serviu muitas vezes para justificar excessos ou até crimes das polícias no período autoritário. No entanto, sob regime democrático a prática continuou e, em 2016, mais de 4.200 pessoas morreram em confrontos com as polícias, segundo o último relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Na legislação atual, atos de policiais que sejam considerados em legítima defesa são avaliados pela promotoria e por um juiz. No entanto, um estudo publicado em 2016 pela Human Rights Watch apontou que episódios como esse não são investigados corretamente. Mesmo assim, uma das promessas de campanha de Jair Bolsonaro praticamente elimina essa etapa. O presidente pretende apresentar um projeto de lei de excludente de ilicitude para policiais em serviço.

Parcialmente realizadas


Inclusão de disciplina sobre direitos humanos no currículo das academias militares e policiais

Uma pesquisa realizada por alunos de graduação do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) analisou o ensino da disciplina direitos humanos nas academias de Polícia Militar de 27 estados brasileiros.

A conclusão do estudo cita a dificuldade de conseguir dados sobre a grade de disciplinas da formação de policiais e a falta de uniformidade de currículo entre as unidades da federação. De acordo com a pesquisa, há academias que lecionam direitos humanos, mas essa falta de informações prejudica uma análise mais detalhada sobre como o tema é tratado nas academias militares.

Na pesquisa, os estudantes levaram em consideração o currículo dos cursos realizados entre novembro de 2015 e fevereiro de 2016.


Mudanças na Rede Infoseg

Não há dados sobre vítimas da ditadura na Rede Infoseg (Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização). Sobre a coleta de DNA de vítimas, além de pedidos isolados feitos por familiares ou por ações do MPF (Ministério Público Federal), há um grupo de trabalho que já coletou mais de 350 amostras de material genético de corpos enterrados no cemitério Dom Bosco, em São Paulo, na chamada vala de Perus. Essas amostras já permitiram reconhecer vítimas civis e militares desaparecidas desde a ditadura.

Criado em 2014 após recomendação da CNV, o Grupo de Trabalho Perus (GTP) foi a primeira iniciativa do governo federal desde a redemocratização exclusivamente para a coleta de DNA. No entanto, a medida ainda é isolada e não teve abrangência nacional.

Fortalecimento de Conselhos da Comunidade

Previstos na Lei de Execução Penal, de 1984, os Conselhos da Comunidade devem ser obrigatoriamente instalados em todas as comarcas do país para acompanhar estabelecimentos penais. No entanto, a ouvidoria do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) citou, em 2015, algumas dificuldades para a execução dessa medida, que está em funcionamento nas principais cidades do país, mas não plenamente em todo o país.

“A gente sabe que há alguns juízes de alguns estados, de algumas comarcas, que não têm a sensibilidade para a importância desses conselhos, da atuação desses conselhos em parceria com a vara de execução penal. É preciso uma campanha de sensibilização sobre a importância desses conselhos, para o próprio Judiciário, para a própria vara de execução penal, para o juiz se sentir confortável com esse conselheiro que está ali apresentando relatório, fazendo uma inspeção conjunta”, afirmou Maria Gabriela Peixoto, ouvidora do Depen (Departamento Penitenciário Nacional).


Criação de mecanismos de prevenção e combate à tortura

Instaurado em 2013, antes da conclusão do relatório da Comissão Nacional da Verdade, o MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura) chegou a fazer algumas vistorias em presídios pelo país, mas a medida não impediu que novas rebeliões de presos surgissem após denúncias de maus-tratos e tortura nas unidades federais e estaduais.

Em fevereiro deste ano, representantes do MNPCT reclamaram publicamente em nota de um veto da ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, a quem estão subordinados, a uma vistoria em penitenciárias no Ceará que foi alvo de denúncias de tortura de presos. O texto da nota cita que a ministra teria afirmado que “não autorizaria nenhum custeio de visita ao estado do Ceará se não fosse interesse do governo federal”. Em resposta à imprensa, o ministério informou que não houve “negação” da vistoria, apenas um “pedido de readequação de datas”.

Criação e apoio a órgãos de proteção dos direitos humanos

Apesar da criação de comissões e órgãos para agilizar os processos relacionados a direitos humanos, o atual governo indica que haverá um freio institucional nessa área. Desde 2002, quase 40 mil pessoas foram beneficiadas com indenizações por violações durante a ditadura militar. No final de março a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, negou 265 pedidos de Anistia e anunciou um pente-fino nos gastos da Comissão de Anistia, que é vinculada ao ministério.


Preservação da memória das graves violações de direitos humanos

A CNV recomenda ainda que sejam adotadas medidas para preservação da memória sobre as graves violações. Iniciativas semelhantes foram adotadas pela Alemanha pós-nazismo. Entre os pedidos desse item, a comissão cita a instalação de um Museu da Memória, que não foi construído, e a criação de “marcas de memória em imóveis urbanos”. Há iniciativas pontuais de homenagens a mortos pelo regime militar. No Brasil ainda é mais comum ver logradouros e outros tipos de homenagens a militares que colaboraram com a ditadura.

Realizadas


Retificação da certidão de óbito de vítimas da ditadura

Nas décadas de 1990 e 2000, casos isolados de retificações de certidão de óbito foram registrados no país, principalmente após ações judiciais apresentadas por familiares de mortos na ditadura. Após a conclusão do relatório da CNV, que recomendava mais de 300 retificações, famílias e outras comissões da verdade avançaram com pedidos similares. A comissão paulista, por exemplo, pediu a revisão de 150 atestados de óbito em 2014.

Por conta do caráter sigiloso dos processos e dos pedidos feitos por várias comissões e ainda individualmente por familiares, não existe um levantamento sobre o número total de solicitações de retificação de certidão de óbito aceitas no país. Além da esfera judicial, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, tem autonomia para analisar e decidir de forma administrativa a alteração de certidões de óbito, conforme prevê a lei federal 9.140/1995. Em novembro do ano passado, 29 casos foram solicitados para a CEMDP, sendo 22 com decisão favorável para a alteração. Destes, três já foram efetivamente retificados em cartório.

Introdução da audiência de custódia na Justiça

Na audiência de custódia, a pessoa acusada de um crime, e presa em flagrante, tem o direito de ser ouvido por um juiz, que determina se haverá prisão ou não. A medida tem o objetivo de evitar prisão desnecessária, principalmente de pessoas que cometem crimes menores, e, assim, diminuir a superlotação no sistema carcerário.

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) passou a implementar as audiências a partir de 2015. Daquele ano até 2017, último dado disponível, o Conselho registrou cerca de 260 mil audiências de custódia em todos os estados, sendo que 44,68% tiveram decisão favorável para liberdade condicional.

Criação de órgão permanente para garantir a manutenção dos trabalhos da CNV

Apesar da existência de comissões de investigação e análise de crimes contra os direitos humanos no país, praticados na ditadura militar ou não, a efetiva aplicação das recomendações feitas pela CNV em 2014 ainda é baixa. O Conselho Nacional de Direitos Humanos, a Comissão de Anistia e a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos seguiram o trabalho de reconhecimento das violações praticadas no país.

Prosseguimento das atividades de buscas por corpos de vítimas da ditadura militar

O trabalho de diferentes frentes nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário continua em andamento para a reparação documental e financeira de familiares de pessoas atingidas pela ditadura militar. A partir das investigações da CNV, diversos processos foram apresentadas na Justiça de Transição nas esferas federal e estadual com essa finalidade.

Manutenção dos trabalhos de abertura dos arquivos da ditadura militar

No começo da década de 1980, no apagar das luzes da ditadura militar, o governo Figueiredo destruiu mais de 19 mil documentos secretos, muitos sobre perseguições realizadas por órgãos do aparato de repressão. Parte da memória do Brasil se perdeu nessa e em outras oportunidades. Foi apenas em 1991 que o país ganhou uma lei mais rígida sobre o controle de arquivos públicos e que regulamenta os procedimentos para sua destruição.

Essa falta de controle sobre documentos, que, durante o período militar, puderam e foram destruídos, dificulta o trabalho de localização de novas informações sobre a ditadura. Mas outras fontes surgiram a partir de 2015, com a abertura de arquivos da CIA, a Agência Central de Inteligência dos EUA, país que apoiou os governos militares. Apenas em 2017 uma leva de 11 mil arquivos foram abertos e novas evidências surgem durante a análise de historiadores, escritores e jornalistas. Isso indica que o trabalho de pesquisa sobre violações de direitos humanos na ditadura militar continua em andamento.

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