Parte da estratégia da presidente Dilma Rousseff de desviar a atenção do noticiário da saída do vice-presidente Michel Temer foi convocar uma entrevista para jornais brasileiros nesta segunda-feira (24) (as três entrevistas estão aqui, aqui e aqui). Da coletiva saíram frases que atendiam ao pedido de oposição e governistas, de que faltava a Dilma fazer um mea culpa mais enfático pela crise econômica imposta ao país e colocar em contexto decisões recentes.
Entretanto, também ficaram públicas declarações contraditórias da presidente, que afirmou que a crise chegou para ficar a partir de meados do ano passado — quando, na verdade, já existiam indícios da deterioração do cenário econômico desde 2013. O próprio governo sempre declarou que vivia um contexto preocupante, devido à crise internacional.
Aos Fatos checou duas das declarações mais contundentes de Dilma.
FALSO
Errei em ter demorado tanto para perceber que a situação era mais grave do que imaginávamos. Talvez tivéssemos que ter começado a fazer uma inflexão antes. Não dava para saber ainda em agosto. Não tinha indício de uma coisa dessa envergadura. Talvez setembro, outubro, novembro.
(…)
A crise começa em agosto, mas só vai ficar grave, grave mesmo, mesmo entre novembro e dezembro [de 2014]. É quando todos os estados da federação percebem que a arrecadação caiu.
A Carta de Conjuntura do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de dezembro de 2013 já alertava para o esgotamento do modelo adotado pelo Planalto para reagir às condições externas desfavoráveis. Segundo o instituto, que é ligado à Presidência da República, "a perda de dinamismo da região se deve basicamente a três fatores: a deterioração dos termos de troca; o menor crescimento da economia mundial, especialmente com a recessão na Europa e a desaceleração chinesa; e o esgotamento do impacto das medidas anticíclicas adotadas em toda a região em reação à crise financeira de 2008–2009. Aparentemente, os países do Mercado Comum do Sul (Mercosul) — em especial, a Argentina, o Brasil e o Paraguai — foram mais rapidamente afetados, de forma que o crescimento do PIB se desacelerou fortemente já em 2012".
O documento também registra que "as entradas de capital tornaram-se insuficientes para cobrir todo o deficit externo, de forma que o saldo geral do balanço de pagamentos tornou-se negativo pela primeira vez desde meados de 2009, quando o país sofria os efeitos da crise financeira internacional".
Segundo a Carta de Conjuntura, somente nos meses de agosto, setembro e outubro de 2013, o resultado foi negativo em US$ 8,9 bilhões, implicando perda de reservas da mesma ordem. "Com efeito, o quadro recente tem sido desfavorável às contas externas do país, tanto por fatores relacionados à economia mundial quanto por fatores domésticos."
Além disso, embora Dilma diga que o governo só teve ciência da gravidade do problema a partir de agosto, maio de 2014 já apresentava forte retração da arrecadação federal, conforme é possível ver no gráfico abaixo. O primeiro mês de arrecadação inferior ao mesmo período de 2013 é julho — cuja justificativa, segundo o governo, seria a realização da Copa do Mundo. Ali, registrou-se o pior resultado em quatro anos.
Segundo a análise mensal da Receita Federal para o mês de maio, a diferença ocorreu por conta da arrecadação extraordinária, em maio de 2013, de cerca de R$ 4,0 bilhões referentes ao PIS/Cofins, no valor de R$ 1,0 bilhão, e ao IRPJ/CSLL (Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica/Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), no valor de R$ 3,0 bilhões. Esta última contribuição está intimamente relacionada à produtividade. Sem os créditos extras, maio não teria queda tão acentuada, mas ainda patinaria em relação aos meses anteriores.
Os estados, que seguem trajetórias de arrecadação mais ou menos parecidas com a do governo federal, também registraram piora nas contas no mesmo período.
A questão, portanto, virou entender a que crise a presidente se refere agora.Aos Fatos fez um retrospecto no noticiário, desde 2012, de declarações em que Dilma reafirma cenário econômico complicado. Desde aquele ano, o país está em dificuldades, segundo a própria presidente. Veja:
- "Nós minimizamos os efeitos da crise [de 2008] sobre a economia brasileira." (Dilma, 28.jul.2014)
- "O Brasil tem sofrido também, como todos os países do mundo, as consequências da crise." (Dilma, 8.out.2013)
- "Estamos vivendo os resultados de um governo que passou por uma grave crise econômica." (Dilma, 8.ago.2013)
- "O Brasil não é uma ilha. Todos os países do Brics [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] estão sendo afetados [pela crise econômica internacional]." (Dilma, 27.jul.2012)
- "Me perguntaram outro dia se a gente estava preparado para o que puder acontecer na Europa. Eu posso assegurar a vocês, nós estamos 100% preparados, 200% preparados, 300% preparados (…) Nós vamos resistir à crise criando emprego, investindo em infraestrutura." (Dilma, 21.mai.2012)