Contrariando a lei brasileira, que proíbe publicidade direcionada ao público infantil, perfis de influenciadores mirins que acumulam milhões de seguidores no Instagram promovem produtos, serviços e marcas para outras crianças.
Beneficiadas pela falta de uma regulamentação específica para as redes, as peças ilegais acumulam ao menos 2,8 milhões de visualizações na plataforma. Os conteúdos foram publicados por ao menos 20 contas, que somam 13 milhões de seguidores.
A atuação dessas crianças também viola as diretrizes do Instagram, que determina que seus usuários devem ter idade mínima de 13 anos.

O que diz a lei
A publicidade infantil é definida como toda comunicação voltada diretamente para crianças com o objetivo de divulgar e estimular o consumo de algum produto, marca ou serviço.
A prática é considerada abusiva — e, portanto, ilegal — pela resolução nº 163 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), de 2014.
O Código de Defesa do Consumidor prevê pena de detenção de três meses a um ano e multa para quem fizer ou promover publicidade infantil. Em geral, as empresas anunciantes são as mais afetadas.
As principais características desse tipo de peça são:
- linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores;
- trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;
- representação de crianças;
- pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;
- personagens ou apresentadores infantis;
- desenho animado ou de animação;
- bonecos ou similares;
- promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil;
- promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil.
A coordenadora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana, Maria Góes de Mello, esclarece que a resolução não impede a participação de crianças em outros tipos de anúncios publicitários não direcionados para o público infantil. A prática está prevista no decreto nº 4.134/2002, que libera o chamado trabalho infantil artístico mediante algumas regras.
Nesses casos, é preciso solicitar autorização da Justiça por meio de um alvará de liberação, que garante que o serviço não irá interferir no bem-estar da criança.
A lei, no entanto, não estipula se essa prática é válida ou não para a atuação de influenciadores mirins nas redes. Apesar de o decreto de 2002 ser a atual referência no debate, também não há consenso entre especialistas se a publicidade infantil nas plataformas se enquadra de fato como trabalho artístico.

Responsabilidade das plataformas
A própria configuração das redes sociais dificulta a verificação da existência do alvará, seja pelo volume de conteúdos publicados, seja pelo algoritmo das plataformas, que muitas vezes impede que adultos recebam e fiquem cientes da existência desse tipo de publicidade.
Maria Góes de Mello também aponta que há um elemento novo no processo: as próprias plataformas, que, em alguns casos — como o TikTok e o YouTube — monetizam o perfil dos criadores de conteúdo.
“A rede social não é um mero caminho, ela tem um papel muito ativo na modulação desse conteúdo e no estímulo à performance do influenciador. Nós temos que chamar atenção para o papel das redes sociais e a responsabilidade que elas precisam ter em relação a essas salvaguardas”, afirma Góes.
Bernardo Fico, gestor institucional do Legal Grounds Institute, explica que, apesar de haver debates sobre relações de trabalho em diferentes tipos de plataformas digitais, esse vínculo não existe nas redes sociais. “Na perspectiva jurídica, a plataforma é um meio de acesso, e não um empregador.”
Devido à falta de regra específica, a decisão de envolver ou não as plataformas na expedição de eventuais alvarás depende de decisões tomadas caso a caso pela Justiça.
Fico afirma que, atualmente, existem três sistemas que permitem a detecção de conteúdos ilegais nas plataformas:
- O monitoramento ativo das plataformas, ainda que este não seja o procedimento padrão da legislação;
- Os sistemas de notificação, acionados quando um usuário faz uma denúncia dentro da própria plataforma;
- Via pedido judicial, quando alguém solicita à Justiça a remoção de um determinado conteúdo.
Pelas regras atuais, estipuladas pelo artigo 19 do Marco Civil da Internet, a remoção de conteúdo depende de ordem judicial prévia. A constitucionalidade desse trecho da lei, no entanto, está atualmente em discussão no STF (Supremo Tribunal Federal), que debate a possibilidade de remoção obrigatória sem determinação judicial.
Beatriz de Souza, advogada do escritório Maranhão & Menezes, afirma que já houve casos em que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) determinou a responsabilização da plataforma por meio de indenização, mesmo sem a necessidade de uma ordem judicial. Ainda assim, no entanto, foi necessário um apontamento prévio por parte do usuário.

Iniciativas para coibir a prática
Em novembro passado, a Comissão de Comunicação e Direito Digital do Senado aprovou o PL 2.628/2022, do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que dispõe sobre a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais. O texto seguiu para a Câmara dos Deputados.
O projeto possui um capítulo dedicado à publicidade, que sugere que as plataformas devem ativamente coibir a prática da publicidade infantil. O texto também aborda o uso de técnicas de perfilamento para direcionamento de anúncios a crianças e adolescentes.
Para o Instituto Alana, o projeto apresenta avanços na proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais, mas pode ser aprimorado para reforçar a proteção de dados pessoais e direito à informação, à privacidade e à liberdade de expressão.

Outro lado
Questionada pelo Aos Fatos, a Meta reforçou que os termos de uso do Instagram exigem que os usuários tenham ao menos 13 anos de idade para criar contas na plataforma, e que contas de crianças menores devem deixar claro que são gerenciadas pelos pais ou responsáveis.
Leia a íntegra da resposta da Meta
Os Termos de Uso do Instagram exigem que usuários tenham ao menos 13 anos de idade para criarem suas contas nas plataformas.
Contas no Facebook e Instagram de menores de 13 anos devem deixar claro na bio que são gerenciadas pelos pais ou responsáveis. Todo o conteúdo deve ser compartilhado pelos pais ou responsáveis em nome do menor, e não na voz ou na perspectiva do menor.
Se ficar evidente que a conta está sendo usada de forma consistente ou gerenciada diretamente pela criança, desativaremos a conta.
Desde 2022, o Instagram vem testando novas opções de verificação de idade no Instagram, o que nos permite fornecer experiências adequadas a cada faixa etária. Mais detalhes sobre como essa verificação é feita no Instagram aqui e no Facebook aqui.
Ao longo dos anos, a Meta já lançou mais de 50 ferramentas de segurança para jovens, bem como recursos que ajudam os pais a estabelecer limites com seus filhos adolescentes, e temos proteções para manter os adolescentes seguros, longe de conteúdo nocivo e contatos indesejados.
A Meta disponibiliza ferramentas para apoiar pais e responsáveis a supervisionar e guiar a experiência de seus filhos adolescentes em nossos aplicativos, disponíveis na Central da Família.
Também estamos anunciando hoje a implementação da Conta de Adolescente no Brasil. Essa nova experiência fornece proteções integradas para limitar, por padrão, quem contata os adolescentes e o conteúdo que veem, além de estabelecer que os menores de 16 anos vão precisar da permissão dos pais para alterar essas configurações. Mais informações aqui.
Publicidade para adolescentes e adolescentes que criam publicidade
Recentemente, introduzimos uma nova política que determina que as contas que publicam principalmente conteúdo voltado para crianças não estão qualificadas para monetizar seu conteúdo usando nossas ferramentas de monetização. Isso significa que essas contas não podem oferecer Assinaturas, receber Presentes ou Selos. Mais informações aqui.
Também, reconhecemos que os adolescentes não estão necessariamente tão equipados quanto os adultos para tomar decisões sobre como seus dados on-line são usados para publicidade, especialmente quando se trata de mostrar a eles produtos disponíveis para compra.
Por esse motivo, restringimos as opções que os anunciantes têm para alcançar os adolescentes, bem como as informações que usamos para exibir anúncios para eles. Por exemplo, a idade e a localização são as únicas informações sobre um adolescente que usamos para exibir anúncios a eles. A idade e a localização nos ajudam a continuar garantindo que os adolescentes vejam anúncios adequados à sua idade e produtos e serviços disponíveis onde moram.
Os adolescentes também podem gerenciar os tipos de anúncios que veem no Facebook e no Instagram com os Controles de tópicos de anúncios. Informações para acessar a ferramenta aqui.
Mais informações sobre a abordagem da Meta em relação aos anúncios para adolescentes aqui.
“Todo o conteúdo deve ser compartilhado pelos pais ou responsáveis em nome do menor, e não na voz ou na perspectiva do menor. Se ficar evidente que a conta está sendo usada de forma consistente ou gerenciada diretamente pela criança, desativaremos a conta”, afirmou a empresa em nota.
A Meta informou que desde 2022 o Instagram testa novas opções de verificação etária. Além disso, foi introduzida uma política que determina que contas que publicam a maior parte do conteúdo voltado para crianças não estão qualificadas para as ferramentas de monetização da plataforma.
O caminho da apuração
Aos Fatos reuniu diversas publicidades feitas por perfis de crianças influenciadoras no Instagram. Em seguida, buscamos a opinião de especialistas em proteção de crianças e adolescentes e direito digital. Também usamos notícias para contextualizar a matéria