Posts nas redes sociais e publicações de sites omitem e distorcem fatos ao traçar uma comparação entre a ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos enterros de dois meio-irmãos, em 2004 e 2005, com o pedido do petista à Justiça para acompanhar o sepultamento do seu irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, morto na terça-feira (29). O STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou a ida de Lula ao funeral na tarde desta quarta-feira (30).
Ao sugerir que há oportunismo no pedido à Justiça, as publicações omitem que havia uma relação de maior proximidade entre os irmãos Lula e Vavá, em detrimento do relacionamento com João e Odair — que eram meio-irmãos por parte de pai e com quais o ex-presidente não mantinha contato. Registros biográficos apontam que o petista pode ter até 20 meio-irmãos do lado paterno com os quais não chegou a conviver de perto.
Além de posts em perfis pessoais, as informações descontextualizadas foram compartilhadas por figuras públicas deputado federal Peninha (MDB-SC) e publicadas em sites como o Caneta e o Diário do Poder. Posts que divulgaram a comparação enganosa já acumulam 27 mil compartilhamentos até a tarde desta quarta-feira (30) e foram marcados com o selo DISTORCIDO na ferramenta de verificação da rede social (entenda como funciona).
2004: Lula presidente, morre seu irmão João Inácio, Lula NÃO VAI ao enterro. 2005: Lula presidente, morre seu irmão Odair Inácio, Lula também NÃO VAI ao enterro. 2019: Lula presidiário, morre seu irmão Vavá, Lula QUER IR ao enterro.
As publicações usam informações factualmente verdadeiras — a ausência de Lula nos enterros dos familiares quando ocupava a Presidência e o atual pedido para ir ao sepultamento de Vavá —, mas omitem o fato de que João e Odair, que faleceram em 2004 e 2005 respectivamente, eram meio-irmãos que não mantinham contato com o ex-presidente, bem ao contrário de Vavá, que era irmão direto e morreu na última terça-feira (29), vítima de um câncer no pulmão. É por isso que as publicações foram classificadas com o selo DISTORCIDO.
Em 2004, de fato, o então presidente Lula não compareceu ao enterro de João Inácio da Silva Neto, seu meio-irmão por parte de pai. João morreu por falência múltipla de órgãos — lutava contra um câncer na região do ouvido — no dia 16 de dezembro. No dia do enterro, Lula participou de uma reunião dos chefes de Estado do Mercosul em Ouro Preto (MG) e o ex-presidente foi representado por outro irmão, Frei Chico.
Segundo a Folha de S.Paulo, os dois não eram muito próximos: ficaram 24 anos sem se encontrar até que Lula inaugurou um porto em 2003 em Santos, próximo à casa de João. O meio-irmão assistiu ao evento e depois tirou fotos com o ex-presidente.
Já no caso do sepultamento de Odair Inácio de Goés, outro de seus meio-irmãos, Lula tinha agendada uma viagem à Amazônia e à Colômbia. Frei Chico também representou Lula no enterro. Odair morreu no dia 18 de janeiro de 2005 por causa de um infarto do miocárdio.
Não há informações de que Lula e Odair tenham sido próximos. Segundo reportagem do Terra de 2002, o meio-irmão, que também foi metalúrgico, sofria de alcoolismo e chegou a ser internado por Vavá em São Paulo poucos anos antes de falecer.
A história de Lula e Vavá, por outro lado, é bem diferente. Além de serem irmãos de mesmo pai e mãe, sobram relatos de que os dois eram bem próximos: Vavá possuía uma foto oficial do ex-presidente com dedicatória ("Para o meu querido irmão Vavá, um abraço do Lula"), Lula visitava o irmão em sua casa em São Bernardo do Campo (SP) enquanto era presidente e há registros de ligações entre Lula e Vavá na época dos protestos contra o governo Dilma em 2016.
Vavá, em reportagem à Época, inclusive, demonstrou insatisfação por não poder visitar Lula na prisão. Além de ter amputado a perna esquerda, ele já fazia sessões de quimioterapia, tendo sido proibido pelo médico de viajar para Curitiba (PR) para ver o irmão.
Vale lembrar também que Vavá teve seu nome citado em uma investigação da PF (Polícia Federal) em 2007. Segundo a polícia, ele havia sido flagrado usando o nome de Lula para conseguir dinheiro de uma suposta máfia de caça-níqueis. A citação, no entanto, foi excluída posteriormente da denúncia do Ministério Público.
Também não se sabe a quantidade exata de irmãos e meio-irmãos de Lula. A mãe do ex-presidente, Dona Lindu, teve oito filhos, entre eles Vavá e Frei Chico, os mais próximos de Lula. Seu pai, Aristides Inácio da Silva, deixou a família em 1945 e, a partir desta época, teve várias mulheres. Há discordâncias sobre quantos foram os filhos de Aristides: os irmãos de Lula falam que, no total, foram entre 15 e 17 filhos; já na biografia Lula, o filho do Brasil (Fundação Perseu Abramo, 1996), fala-se de 22 filhos.
Procurada por Aos Fatos, a assessoria do ex-presidente respondeu que “Lula tinha muitos, cerca de 20, meio-irmãos por parte de pai, com a maioria deles jamais conviveu. Lula cresceu com os irmãos que, como ele, são filhos de Dona Lindu, que criou a família após se separar do marido. As situações não são comparáveis e lamentamos que um filho do presidente da República tenha uma atitude tão baixa de divulgar informações distorcidas com fins difamatórios”.
Após ter seu pedido negado pela juíza Carolina Lebbos, da 4ª Vara Federal de Curitiba, e pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), a defesa de Lula obteve parcialmente o pedido em decisão do ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), para acompanhar o enterro do irmão na tarde desta quarta-feira (30). Até a publicação desta checagem, ainda não se sabia se o ex-presidente havia conseguido participar da cerimônia.
Outro lado. Um dos sites que publicou a informação distorcida, o Diário do Poder enviou e-mail ao Aos Fatos na tarde desta quarta-feira (30) contestando as conclusão desta checagem. A publicação afirma que "meio-irmão não é menos irmão. Além do mais, o fato objetivo é que o petista-carcerário Lula não compareceu aos enterros e velórios de dois irmãos quando era presidente (e solto) e agora tentou usar o velório de outro irmão para sair da cadeia durante algumas horas. É uma questão de interpretação do autor da matéria, e claramente a interpretação dos 'jornalistas' dessa ferramenta é tendenciosa. Se chamar de profissionais de checagem sem deixar o próprio preconceito fora da equação é irresponsável".
Já o site Caneta, outro que publicou as informações classificadas como distorcidas, manifestou-se por meio de tweet ao Aos Fatos na tarde desta quarta. A publicação reproduz trecho desta checagem e adiciona "E deixam de ser irmãos por causa disso desde quando? Distorcida é a 'checagem' de vocês. Bando de CANALHAS!".
Procurados por Aos Fatos por e-mail, o vereador Carlos Bolsonaro e o deputado federal Peninha não haviam respondido até a última atualização desta checagem.
*Esta checagem foi atualizada às 18h24 para incluir as respostas enviadas ao Aos Fatos pelos sites Diário do Poder e Caneta.