Quais provas contra Bolsonaro a PGR apresenta na denúncia por tentativa de golpe

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Apenas 41 minutos após a PGR (Procuradoria-Geral da República) protocolar a denúncia contra Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal, na noite de terça (18), o senador Flavio Bolsonaro (PL-RJ) publicou nas redes que o documento de 272 páginas não possui “absolutamente nenhuma prova” que implique o ex-presidente.

Este se tornou o principal discurso adotado por apoiadores de Bolsonaro com o intuito de descredibilizar a denúncia contra ele e outras 33 pessoas acusadas de formação de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e dano qualificado contra o patrimônio da União pelo 8 de Janeiro.

No entanto, a afirmação de que não há provas contra Bolsonaro na denúncia da PGR é falsa.

O documento apresenta, sim, evidências claras da participação do ex-presidente e de outros suspeitos nos crimes investigados pela Polícia Federal.

Tuíte de Flávio Bolsonaro diz “a tentativa de golpe nos prédios públicos vazios virou uma denúncia vazia, que não tem absolutamente NENHUMA PROVA contra Bolsonaro. Mesmo depois de Alexandre de Moraes ter esculachado o Ministério Público Federal na fabricação dos inquéritos e torturado Mauro Cid para delatar o que não existiu, o PGR se rebaixa”
Filho mais velho do ex-presidente saiu em defesa de Bolsonaro e, além de alegar a inexistência de provas, acusou Moraes de manipulação (Reprodução/X)

A denúncia será analisada pela 1ª Turma do STF — formada pelos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux — e, caso aceita, se tornarão réus Bolsonaro e alguns de seus principais ex-auxiliares, como o deputado e ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem, o ex-ministro Anderson Torres e o ex-ministro e general da reserva Augusto Heleno.

Aos Fatos elenca abaixo as provas citadas pela PGR:

  1. Minuta golpista
  2. Relatos de comandantes das Forças Armadas
  3. Ataques premeditados contra o sistema eleitoral
  4. “Abin paralela”

1. Minuta golpista

Em reunião realizada no Palácio do Planalto na manhã de 7 de dezembro de 2022, Bolsonaro apresentou a militares do alto escalão das Forças Armadas a “minuta do decreto golpista” — documento que previa atos para promover uma intervenção no Poder Judiciário, impedir a posse do presidente Lula (PT) e convocar novas eleições.

Na primeira versão do documento que foi apresentada aos militares estava prevista a prisão de autoridades, entre elas os ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes e o então presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Foto de documento impresso onde se lê “Alemanha a possibilidade de controle de normais constitucionais inconstitucionais, em especial ao reconhecer a existência de um direito supralegal, ou seja, um direito pressuposto natural acima da Constituição e de suas normas [Aqui tratar de forma breve das decisões inconstitucionais do STF] Afinal, diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem”
Trecho de minuta apresentado na denúncia citava decreto de Estado de Sítio pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (Reprodução)

Estavam presentes na reunião o general Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército, almirante Almir Garnier, o comandante da Marinha, o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, além de Filipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro.

Segundo depoimento do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, a última versão do documento foi editada pelo próprio ex-presidente, e se limitava à prisão de Moraes e a realização de novas eleições. Essa nova versão foi apresentada aos militares uma semana depois.

Trecho da denúncia onde se lê “De acordo com o colaborador, Jair Bolsonaro dez, adiante, ajustes na minuta, submetendo à prisão apenas o Ministro Alexandre de Moraes e se limitando à realização de novas eleições presidenciais”
Mauro Cid afirmou que Bolsonaro editou minuta para ordenar prisão de Moraes e realizar novas eleições (Reprodução)

“Dos encontros realizados, há evidências minuciosas de reunião ocorrida no dia 14.dez.2022 [no Ministério da Defesa], onde uma nova versão do decreto golpista, já com os ajustes feitos por Jair Bolsonaro, foi apresentada pelo general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira aos comandantes das três Forças Armadas. A reunião tinha o intuito de pressionar novamente os militares a aderirem à insurreição, garantindo, assim, o suporte armado para as medidas de exceção que deveriam ser adotadas”, cita o relatório.

2. Relatos de comandantes das Forças Armadas

Em depoimentos à PF, o general Freire Gomes, que comandou o Exército de 31 de março a 30 de dezembro de 2022, afirmou que uma versão da chamada “minuta do golpe” foi apresentada em uma reunião no dia 7 de dezembro de 2022 com a presença de Bolsonaro e militares.

Trecho da denúncia diz que ‘Segundo o General Freire Gomes, Filipe Garcia Martins Pereira se retirou da sala após a leitura do texto e a reunião prosseguiu com a presença apenas de Jair Bolsonaro e dos militares convocados’.
Reunião para apresentação da “minuta do golpe” foi convocada pelo próprio Bolsonaro, afirmou militar (Reprodução)

A participação do ex-presidente na reunião citada por Gomes foi confirmada também pelo depoimento do tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, então comandante da Aeronáutica.

Os dois militares afirmaram ainda que receberam pressão de integrantes do governo e de outros militares para aderirem à tentativa de golpe de Estado.

3. Ataques premeditados contra o sistema eleitoral

A PGR argumenta que a transmissão feita por Bolsonaro, nas dependências do Planalto, no dia 29 de julho de 2021, teria sido um dos “atos executórios voltados à restrição dos poderes constitucionais”. A denúncia afirma que Bolsonaro “persistiu na narrativa infundada de fraude” sem, no entanto, conseguir prová-la.

Nesse evento, o ex-presidente ainda incitou publicamente a intervenção das Forças Armadas, que ele citou como “sua”, e alegou que não permitiriam qualquer tipo de fraude.

“Evidenciou-se a intenção dos denunciados de propagar informações sem lastro, inverídicas, sobre o sistema eleitoral. A concitação expressa às Forças Armadas marca o início da execução do plano de ruptura com o Estado Democrático de Direito. Sedimentou-se, a partir daí, a mensagem que seria sistematicamente replicada pela organização criminosa — a de tornar natural e desejável o uso da força contra as instituições democráticas”, cita o relatório.

Durante as investigações, a PF encontrou ainda documentos que estavam em posse de Augusto Heleno e de Alexandre Ramagem que enumeravam ações que deveriam ser adotadas por Bolsonaro e o restante do grupo. Uma delas era justamente lançar dúvidas sobre a integridade das eleições.

Além da live, a PGR cita que Bolsonaro atacou o sistema eleitoral em diversas outras ocasiões:

  • Entrevista em 3.ago.2021, na qual disse estar dando ao TSE o “último recado” sobre o voto impresso e anunciou que faria a vontade popular ser cumprida, caso entendesse que o povo estava com ele;
  • Live em 4.ago.2021, quando voltou a atacar o sistema eleitoral (veja checagens aqui, aqui e aqui);
  • E discurso em 7.set.2021, no qual Bolsonaro repetiu desinformações contra o sistema eleitoral.

Segundo a PGR, a conexão dos documentos e o alinhamento das falas do ex-presidente “confirmam que os múltiplos ataques disseminados por Jair Messias Bolsonaro ao processo eleitoral e às instituições democráticas, a partir do dia 29.7.2021, não foram aleatórios e representavam a primeira etapa de um plano de permanência no poder com desprezo das estruturas constitucionais”.

A PGR cita ainda acontecimentos em 2022, ano eleitoral, que provam que “o uso contumaz da estrutura do Estado para a propagação dolosa de desinformação e promoção de instabilidade social como parte da execução do plano de permanência no poder à revelia do resultado das urnas”.

Em julho daquele ano, Bolsonaro realizou uma reunião ministerial na qual incitou os participantes a propagar o discurso de vulnerabilidade do sistema eleitoral. Naquele evento, ele também revelou que iria “mostrar o que está acontecendo” a embaixadores.

A promessa foi cumprida em 18 de julho de 2022, em evento transmitido ao vivo. Na ocasião, o presidente repetiu inúmeras mentiras já refutadas.

4. “Abin paralela”

As investigações mostraram que havia um grupo de agentes que usou ilegalmente a estrutura da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para espionar e atacar pessoas e instituições, além de espalhar desinformações nas redes.

Segundo a PF, houve desvio de ferramentas de pesquisa da agência em ações de monitoramento, vigilância e fiscalização de alvos considerados prejudiciais à imagem do ex-presidente. Aos Fatos foi um dos alvos dessas ações clandestinas. Na sua denúncia, a PGR chancela a descoberta da PF e também cita o Aos Fatos como alvo da chamada “Abin paralela”.

A PGR diz que Bolsonaro ordenou ações ao grupo por motivos pessoais. O ex-presidente, por exemplo, teria pedido para que os agentes realizassem pesquisas envolvendo o inquérito policial instaurado contra seu filho caçula, Renan Bolsonaro. Os próprios agentes afirmaram, por meio de mensagem, que seria um pedido vindo de Bolsonaro.

“As ações ganham ainda mais relevo quando observada a consonância entre os discursos públicos de Jair Messias Bolsonaro e os alvos escolhidos pela célula infiltrada na Agência Brasileira de Inteligência, confirmando a ação coesa da organização criminosa”, diz a denúncia.

A denúncia afirma ainda que as ações da “Abin paralela” se intensificaram “a partir da radicalização dos discursos públicos de Jair Bolsonaro em meados de 2021”, o que provaria uma coordenação com o intuito de romper a ordem democrática.

Outro lado

Aos Fatos entrou em contato com a defesa de Jair Bolsonaro para que ele pudesse comentar a reportagem, mas não recebeu retorno.

Sua equipe, no entanto, divulgou uma nota após a publicação da denúncia da PGR na qual afirma que o ex-presidente “jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam”.

Segundo sua defesa, “nenhum elemento que conectasse minimamente o presidente à narrativa construída na denúncia, foi encontrado” em dois anos de investigação.

O caminho da apuração

Aos Fatos analisou a íntegra da denúncia apresentada pela PGR na última terça-feira (18) em busca dos indícios que embasam a argumentação. Também procuramos reportagens publicadas pelo Aos Fatos nos casos citados pela denúncia para compor o contexto da reportagem.

Referências

  1. Valor
  2. Aos Fatos (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10)
  3. UOL
  4. BBC

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