O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) negou as medidas autocráticas adotadas pelo governo de Nicolás Maduro e as violações de direitos humanos documentadas na Venezuela ao dizer na última segunda-feira (29), na recepção ao ditador no Palácio do Planalto, que o autoritarismo no país vizinho seria uma “narrativa” construída por inimigos externos.
A declaração do petista omite que o regime de Maduro usa o Judiciário e as Forças Armadas do país para vigiar e reprimir opositores e para promover a censura. Além disso, organizações internacionais já registraram inúmeras violências do governo contra a população civil — como prisões políticas, deportações arbitrárias e torturas por agentes estatais.
'Se eu quiser vencer uma batalha, eu preciso construir uma narrativa para destruir o meu potencial inimigo. Você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela, de antidemocracia e do autoritarismo.'" — Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista coletiva (29.mai.2023).
Quando Lula diz que o autoritarismo e os atos ditatoriais do governo de Nicolás Maduro seriam uma “narrativa que se construiu contra a Venezuela”, ele nega medidas autocráticas adotadas pelo ditador venezuelano e também violações dos direitos humanos documentadas por organizações internacionais.
O regime atual foi responsável, por exemplo, por:
- usar o Tribunal Supremo de Justiça — equivalente ao STF na ordem jurídica venezuelana — para tirar poderes do Parlamento;
- impedir a oposição de participar do processo eleitoral;
- e fechar fronteiras com outros países a fim de impossibilitar a ajuda humanitária.
A fala de Lula foi rebatida por outras autoridades da região:
- Gabriel Boric, presidente do Chile, disse que o autoritarismo venezuelano é uma realidade e que, apesar de ver o retorno das relações multilaterais da Venezuela com bons olhos, “isso não pode significar colocar debaixo do tapete ou fazer vista grossa frente a temas que, para nós, são de princípios e importantes”;
- Já Luis Alberto Lacalle Pou, líder uruguaio, mesmo sem citar Lula, disse que não se pode “tapar o sol com o dedo” e que há uma mediação mundial para que a Venezuela volte a ser uma democracia plena;
- Também sem se referir à declaração, o presidente equatoriano, Guillermo Lasso, disse durante a reunião que “não existe democracia onde existem presos políticos, onde existe diáspora de mais de sete milhões de cidadãos”.
Após as críticas, Lula tentou justificar a declaração, mas acabou reforçando a ideia de que criaram uma “narrativa” contra a Venezuela: “O que eu disse, na verdade, é que desde que o [Hugo] Chávez tomou posse, foi construída narrativa contra Chávez em que ele é um demônio, a partir daí começa a jogar todo mundo contra ele. Foi assim comigo, a quantidade de mentira nos meus processos. Uma narrativa vendendo uma mentira que depois ninguém conseguiu provar”, disse o presidente no dia seguinte.
O autoritarismo de Maduro foi documentado por organizações internacionais relevantes:
- Em setembro de 2020, a missão internacional independente da ONU apresentou um relatório para acusar Maduro e outros integrantes do governo por graves violações de direitos humanos. O texto responsabiliza o governo venezuelano por “execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e tortura”;
- A ONU segue acusando a situação no país. O último documento, publicado em março deste ano, registra que o governo mantém ao menos 282 presos políticos e que essas pessoas têm direitos violados de forma sistemática;
- A organização cita também que 716 cidadãos venezuelanos morreram em 2022 por causa de confrontos com forças policiais;
- O governo venezuelano foi denunciado ao TPI (Tribunal Penal Internacional) por crimes contra a humanidade. Os juízes convocaram uma consulta para que todos aqueles que considerassem vítimas do regime apresentassem queixas: no total, quase 9.000 pessoas enviaram denúncias;
- Em seu relatório anual sobre a Venezuela, a organização internacional Human Rights Watch aponta que as autoridades perseguem e criminalizam oponentes, jornalistas e defensores dos direitos humanos;
- A organização também mostra que o Judiciário venezuelano não possui independência e contribui para a impunidade desses crimes;
- Por fim, a Anistia Internacional enumera diversas violações de direitos humanos do regime de Maduro, como prisão de crianças e adolescentes, julgamentos de civis em tribunais militares e deportações de jornalistas e ativistas.
O Democracy Index, que analisa a situação de 165 países com base em cinco categorias – processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política e liberdades civis –, considera a Venezuela um dos países menos democráticos do mundo (151ª posição).
A Venezuela também aparece nas últimas colocações do ranking internacional de liberdade de imprensa organizado pelo Repórteres Sem Fronteiras. De acordo com a organização, desde que chegou ao poder em 2013, Maduro restringiu a comunicação no país. Sua gestão foi responsável por censurar jornais, bloquear rádios e até derrubar conteúdo publicado na internet.
Outro lado
Aos Fatos entrou em contato com a assessoria de imprensa do presidente Lula no início da tarde desta quarta-feira (31) para que ele pudesse comentar a checagem, mas não havia obtido resposta até a publicação deste texto.