Quais são as principais mentiras espalhadas nas redes contra o sistema eleitoral

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A fim de espalhar desconfiança sobre o processo eleitoral brasileiro, desinformadores recorrem a alegações falsas que vão de notícias distorcidas a fotos manipuladas. As teorias conspiratórias colocam como agentes de supostas fraudes não só a Justiça Eleitoral, mas também empresas e políticos de oposição. Esses conteúdos desinformativos somam ao menos 450 mil compartilhamentos nas redes desde o início da campanha deste ano.

Ao consultar seu histórico de checagens sobre o tema nesse período, Aos Fatos identificou seis linhas de argumentações enganosas usadas para criticar a legitimidade do sistema eleitoral brasileiro:

  1. Desmoralização da Justiça Eleitoral
  2. Supostos métodos para fraudar as urnas
  3. Fraudes não comprovadas que teriam acontecido no passado
  4. Autoridades públicas que teriam atestado fraudes nas urnas
  5. Políticos e empresas que estariam envolvidos em alterações de resultados
  6. Reportagens sobre vulnerabilidades das urnas

1) Desmoralização da Justiça Eleitoral

Ataques institucionais à Justiça Eleitoral estão entre as alegações mais comuns, com postagens que somaram mais de 100 mil compartilhamentos e 500 mil visualizações nas redes sociais. Essas publicações atacam a confiabilidade do sistema de votação brasileiro usando desinformação para desmoralizar processos e autoridades dos tribunais eleitorais.

O Aos Fatos verificou ser falsa, por exemplo, a alegação de que títulos de eleitores com mais de 70 anos estavam sendo cancelados em massa. Também não é verdade que os novos documentos de votação tenham um QR Code capaz de contabilizar votos para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) independentemente da vontade do eleitor.

Alguns dos ataques são pessoais. O ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Benedito Gonçalves, por exemplo, é alvo de uma montagem que inseriu na foto de um influenciador digital o seu rosto e uma blusa alusiva a Lula, que passou a circular após ele determinar a retirada de propagandas do presidente Jair Bolsonaro (PL) com imagens dos atos do 7 de Setembro deste ano.

Luís Roberto Barroso, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e ex-presidente do TSE, é uma das pessoas mais citadas em postagens desinformativas sobre o tema. Em duas ocasiões, em maio e agosto, o Aos Fatos verificou ser falso que ele tenha confessado participar de orgia em Cuba junto com o ex-ministro do PT José Dirceu.

2) Supostos métodos para fraudar as urnas

O Aos Fatos já desmentiu diversas alegações falsas relacionadas a supostos métodos que poderiam ser usados para fraudar as urnas eletrônicas, a fim de manipular votos ou resultados da eleição. É falso, por exemplo, que as urnas usadas no Brasil são conectadas à internet: isso não ocorre em nenhum momento da votação ou da apuração dos resultados, pois os equipamentos não têm placa de rede ou mecanismos que possibilitem acesso a redes externas.

Recentemente, as alegações enganosas sobre o tema se tornaram mais específicas e passaram a mirar no carregamento de cartões de memória, dispositivos que transportam os programas e informações que serão usados pelas urnas. As publicações afirmam que, nesse momento, a urna entraria em contato com computadores conectados à internet, que poderiam ser invadidos por hackers. Entretanto, a transmissão de dados é feita em uma rede interna. Se alguém tentar invadir a urna para inserir software adulterado, ela deixaria de funcionar, pois só executa programas certificados pelo TSE.

Mulher engana ao dizer que flash card carregado em computador com internet abre brecha para fraudes
Sem conexão. Mulher engana ao dizer que flash card carregado em computador com internet abre brecha para fraudes.

Para além da inexistente conexão de rede, outras artimanhas também são populares nas redes sociais. Um vídeo desinformativo, por exemplo, traz a alegação falsa de que uma pessoa usou um dispositivo chamado “chupa-cabra” para transferir votos em urnas eletrônicas. Nenhum equipamento funciona nas urnas sem assinatura digital da Justiça Eleitoral, e o vídeo usa uma série de dados que foram abertos no email do autor.

Houve até quem criasse um “protótipo de urna eletrônica” em uma impressora 3D para ilustrar a mentira de que o equipamento de votação permite a transferência de votos de um candidato para outro. Essa filmagem, que acumula mais de 26 mil compartilhamentos nas redes sociais, é falsa porque as urnas eletrônicas reais são muito diferentes da apresentada, não permitem a instalação de software externo aos do TSE e seus componentes têm autenticidade e integridade verificadas, como provou o Aos Fatos.

3) Reportagens sobre vulnerabilidades das urnas


Versões editadas e descontextualizadas de reportagens de grandes veículos de imprensa também são usados para alegar que as urnas eletrônicas podem ser fraudadas. Uma versão editada de um trecho do Fantástico, da Globo, com mais de 100 mil compartilhamentos no Facebook, foi usada para fazer crer que os dados das urnas poderiam ser manipulados por criminosos que escolheriam que candidato seria eleito. A versão que circula cortou os trechos do vídeo original em que autoridades e especialistas consultados pela emissora desmentiram que houve qualquer êxito em fraudar as máquinas de votação.

Uma reportagem da Band, compartilhada mais de 60 mil vezes, denunciou uma suposta alteração no resultado das eleições do município de Caxias (MA), em 2008. A alegação foi feita por dois técnicos de informática contratados pela candidatura derrotada e o vídeo circula sem contexto, porque omite que a investigação da Polícia Federal não constatou qualquer adulteração nos equipamentos.

TV Globo não admitiu a possibilidade de fraude nas urnas eletrônicas em uma reportagem de 2008
Editado. TV Globo não admitiu a possibilidade de fraude nas urnas eletrônicas em reportagem de 2008.

Falas de especialistas que foram veiculadas na mídia também somam milhares de compartilhamentos. Reportagem da RedeTV!, que mostra uma simulação de fraude feita por um professor dos Estados Unidos em 2019, é tirada de contexto para dizer que as urnas brasileiras podem ser invadidas, mas a tecnologia usada no país é diferente e a alteração exibida no vídeo seria impedida caso fosse replicada nas urnas usadas aqui. A fala de um especialista consultado pela GloboNews, em 2017, também é distorcida: embora postagens digam que ele se referia a equipamentos de votação brasileiros, ele citava urnas usadas nos Estados Unidos.

Naquele mesmo ano, o ex-delegado da PF e ex-deputado federal pelo PCdoB Protógenes Queiroz deu entrevista à RedeTV! e alegou, sem provas, que houve fraude nas eleições de 2014 — pleito em que ele não conseguiu se reeleger deputado federal. As publicações, que somam mais de 25 mil compartilhamentos, omitem que a denúncia foi investigada pela PGE (Procuradoria-Geral Eleitoral) de São Paulo e pelo MPF (Ministério Público Federal) e arquivada, em 2015, por falta de provas de irregularidades.

4) Fraudes não comprovadas que teriam acontecido no passado

O presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), costuma reciclar supostas fraudes que teriam acontecido em eleições anteriores, já desmentidas. Ele repetiu 15 vezes nos últimos três anos, por exemplo, que as urnas eletrônicas autocompletavam o número de seu adversário político nas eleições de 2018, Fernando Haddad (PT), hoje candidato ao governo de São Paulo. O TRE-MG (Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais) analisou as imagens e concluiu que se tratava de uma montagem. O vídeo em questão também tinha claros indícios de edição, conforme verificou o Aos Fatos.

Entre julho de 2021 e agosto de 2022, Bolsonaro sugeriu por 14 vezes que as eleições municipais de São Paulo em 2020 tiveram seus resultados alterados e, para isso, citava a constância nas porcentagens de votos durante a apuração. O TSE informou que a ocorrência indicava "apenas homogeneidade nos votos recebidos durante a totalização", e especialista consultado pelo Aos Fatos afirmou que a estabilidade dos percentuais não era se tratava de irregularidade.

Por 11 vezes, Bolsonaro fez alusão à informação enganosa de que Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) teriam se revezado mais de 240 vezes na primeira posição durante a apuração de votos das eleições de 2014. Essa troca na liderança, usada para argumentar que houve fraude, não aconteceu, de acordo com o TSE.

5) Autoridades públicas que teriam atestado fraudes nas urnas

Outra estratégia usada para deslegitimar o sistema eleitoral é tirar de contexto ou alterar alegações de autoridades públicas para dizer que elas atestaram artifícios para alterar resultados eleitorais. Em junho, um vídeo que teve mais de 15 mil compartilhamentos na época alegava que peritos da PF haviam provado no STF que as urnas podem ser alteradas, o que foi desmentido pelo Aos Fatos. O representante da APCF (Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais) que fala no vídeo listou falhas já sanadas e encontradas em testes públicos de segurança do TSE.

Conhecido como TPS (Teste Público de Segurança), o evento permite que investigadores façam ataques variados às urnas eletrônicas. Cinco pontos de fragilidade foram encontrados no ano passado e corrigidos pelo TSE. Em nenhum dos casos, as falhas tinham capacidade de afetar o resultado das eleições. O presidente da APCF, Marcos Camargo, afirmou ao Aos Fatos que as falhas encontradas não provam que o sistema é passível de fraude, pois os testes públicos são pontuais, e, nas eleições, existem diversas camadas extras de proteção para identificar e barrar eventuais fraudes.

Postagem desacredita urnas ao citar ausência de selo do Inmetro
Certificação. Posts desacreditam urnas ao citar ausência de selo do Inmetro

Também circula a alegação de que os equipamentos não possuem selo do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), mas não é atribuição do órgão certificar as urnas, como disse o seu próprio presidente, Marcos Guerson em fevereiro. Ainda assim, o Inmetro participa indiretamente de certificações das urnas, já que é o órgão acreditador de laboratórios envolvidos na análise dos equipamentos de votação e produz regulamentos técnicos.

Todas as portas de acesso físico da urna eletrônica são vedadas por lacres especiais desenvolvidos pela CMB (Casa da Moeda do Brasil), empresa pública vinculada ao Ministério da Fazenda, que também imprime os envelopes de segurança utilizados no processo eleitoral.

6) Políticos e empresas que estariam envolvidos em alterações de resultados

Da Venezuela à China, passando por empresas brasileiras e ex-ministros, alegações jamais comprovadas de uma extensa conspiração de políticos e multinacionais para alterar resultados eleitorais também impulsionam a desinformação nas redes. Dois ex-ministros petistas, Antônio Palocci e José Dirceu, estão entre os principais alvos.

Dirceu foi acusado de ser proprietário da Probank, empresa que prestou suporte técnico para o TSE na operação de urnas eletrônicas entre 2004 e 2010, embora não haja registros públicos de que ele tenha sido proprietário, sócio ou acionista desta companhia, que tampouco é investigada por fraude eleitoral. Já Palocci teria afirmado em delação premiada que urnas foram encomendadas para alterar os resultados das eleições, mas o Aos Fatos não localizou qualquer declaração semelhante do ex-ministro.

O TSE já foi acusado de entregar o código-fonte das urnas eletrônicas a uma empresa chamada Smartmatic, o que foi negado por ambas as partes. Embora tenha sido fundada por venezuelanos, a empresa afirma ser britânica e não ter participação de nenhum governo. A companhia já forneceu urnas para a Venezuela, mas não para o Brasil. Em 2018, a Smartmatic venceu um pregão para entregar impressoras para as urnas eletrônicas brasileiras, mas foi desclassificada por não atender às especificações previstas no edital.

A empresa Positivo é a atual responsável pela fabricação das urnas eletrônicas brasileiras, cujo projeto pertence ao TSE. Ela não foi comprada pela chinesa Lenovo, como alegam publicações que somam mais de 10 mil compartilhamentos nas redes sociais. A versão mais recente da urna eletrônica é produzida na fábrica da Positivo em Itabuna (BA).

Por fim, ao contrário do que já foi afirmado três vezes neste ano pelo presidente Jair Bolsonaro, a totalização de votos não é feita por uma empresa terceirizada. A Oracle, uma das maiores empresas de tecnologia da informação do mundo, faz a manutenção de um supercomputador, equipamento que fica em uma sala-cofre do TSE, mas os dados das eleições são processados por um sistema interno do tribunal.

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