É enganosa a comparação que alega que o governo Lula se negou a trazer o corpo de Juliana Marins, turista morta na Indonésia, mas transportou até o país a ex-primeira-dama do Peru e asilada política Nadine Heredia. As situações são regidas por leis diferentes. A princípio, o governo não pode arcar com o translado de corpos. Já no caso de asilados políticos, ele deve garantir que o indivíduo chegue ao Brasil.
As peças de desinformação somavam 230 mil curtidas no Instagram e 8.100 compartilhamentos no Facebook até a tarde desta quinta-feira (26). As peças enganosas também circulam no WhatsApp, plataforma na qual não é possível estimar o alcance dos conteúdos (fale com a Fátima).
O governo informou que não custeará o translado do corpo de Juliana, deixando a responsabilidade para a família, embora, por ordem de Lula, um avião da FAB já tenha sido usado para o translado de Nadie Heredia condenada por corrupção no Peru.

Posts nas redes enganam ao comparar a posição inicial do governo Lula de não custear o translado do corpo da turista brasileira Juliana Marins com a decisão de enviar um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) para trazer ao Brasil Nadine Heredia, condenada no Peru por lavagem de dinheiro. Os casos são regidos por leis diferentes.
O decreto 9.199, de 2017, afirma que a assistência consular “não compreende o custeio de despesas com sepultamento e translado de corpos de nacionais que tenham falecido no exterior, nem despesas com hospitalização, excetuados os itens médicos e o atendimento emergencial em situações de caráter humanitário”.
“O governo só pode fazer o que a lei manda. Se a lei não obriga o governo a fazer algo, o governo não pode fazê-lo, exceto por força de lei. Tecnicamente, pelos termos do decreto, o governo federal não tem o poder legal de transportar o corpo, exceto em caso de ajuda humanitária”, explica Bruno Teixeira, advogado especialista em direito internacional.
Segundo o especialista, a exceção prevista no decreto ocorre, historicamente, em caso de guerra, acidentes graves em que morrem muitos brasileiros, desastres naturais ou quando os familiares não têm condições de transportar os corpos.
“Se o governo entender que o caso dela é um caso de ‘interesse humanitário’, podem encaixar no decreto. É um juízo de conveniência do governo”, complementa.
O Itamaraty citou o decreto na noite da última quarta (25) ao afirmar ao Estado de S. Paulo que não pagaria o translado de Marins ao Brasil. Na tarde de hoje (26), no entanto, o presidente Lula (PT) afirmou no X que o governo prestará apoio à família da turista, incluindo o transporte do corpo. Em nota ao Aos Fatos, a Secom (Secretaria de Comunicação Social) da Presidência reafirmou a posição de Lula.
Horas antes da declaração do presidente, a Prefeitura de Niterói (RJ), cidade natal de Marins, já havia assumido o compromisso de arcar com a logística e os custos do processo de translado e sepultamento do corpo, que deve ser enterrado na cidade.
Nadine Heredia. Condenada a 15 anos de prisão por lavagem de dinheiro, a ex-primeira-dama peruana obteve asilo diplomático com base na convenção de Caracas, de 1954. A concessão é um ato discricionário — ou seja, uma ação não obrigatória, que é tomada de acordo com os interesses do governo.
O governo também concedeu a Heredia um salvo-conduto, autorização que permitiu que ela saísse do Peru e chegasse ao Brasil. A entrada no país ocorreu por meio de voo em avião da FAB. Teixeira explica que, uma vez concedido o asilo, o país é obrigado a garantir que o asilado chegue ao território nacional.
“Tudo o que toca questões diplomáticas são, via de regra, de natureza discricionária do governo. O governo faz, em essência, o que bem lhe entender. O governo tem imunidade por atos diplomáticos, como em qualquer outro país”, afirma o especialista.
O caminho da apuração
Aos Fatos entrou em contato com o governo federal e com um advogado especializado em direito internacional. A partir das orientações concedidas pelo especialista, consultamos as normas brasileiras que regem o translado de corpos e a concessão de asilo político.




