Não é verdade que uma imagem da estátua da Justiça manchada com tinta vermelha mostra um protesto promovido por movimentos de esquerda em 2016. A cena que circula nas redes mostra o resultado de uma manifestação promovida por setores conservadores contra uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre aborto.
Publicações nas redes que compartilham a imagem descontextualizada ao lado de uma cena do vandalismo do 8 de Janeiro alcançaram centenas de usuários no TikTok, no Facebook e no Instagram até a tarde desta quinta-feira (27).
Esquerda. Manifestação ou, no máximo, vandalismo. Direita. Atentado contra a democracia e terrorismo.

É enganosa uma comparação que circula nas redes acompanhada da alegação de que o STF não teria punido movimentos de esquerda pelo vandalismo contra a estátua da Justiça durante uma manifestação em 2016. A imagem compartilhada pelas peças de desinformação mostra, na verdade, o resultado de um protesto promovido por um grupo antiaborto, ligado a setores conservadores.
Em novembro daquele ano, o STF decidiu revogar a prisão preventiva de médicos e funcionários presos em flagrante em uma clínica clandestina de aborto em Duque de Caxias (RJ), em 2013. Os envolvidos foram acusados de praticar o crime de aborto, com consentimento da mulher, antes de o feto completar três meses.
A maioria dos ministros considerou na ocasião que a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação não configuraria crime. Os magistrados ainda defenderam que a punição violaria direitos da mulher previstos na Constituição.
Em retaliação à decisão, manifestantes antiaborto penduraram cartazes e faixas nas grades de proteção que cercam o prédio do STF. Na semana seguinte, a escultura feita por Alberto Ceschiatti foi vandalizada com tinta vermelha. Também foi deixada aos pés da estátua uma boneca “ensanguentada”, simulando um abortamento.
A PF (Polícia Federal) abriu investigação na ocasião, mas Aos Fatos não encontrou informações sobre a conclusão dos trabalhos. Questionada, a PF não respondeu ao pedido de informações sobre a investigação sobre o caso.
Débora dos Santos. As peças de desinformação comparam a cena do vandalismo de 2016 ao ataque à estátua da Justiça ocorrido durante os atos golpistas de 8 de Janeiro. O objetivo é distorcer o conteúdo da denúncia contra a cabeleireira Débora dos Santos, responsável por pichar a frase “Perdeu, Mané” no monumento.
Diferentemente do que sugerem os posts enganosos, Santos não está sendo julgada apenas pelo vandalismo à estátua. Presa pela PF em março de 2023 por participar dos atos golpistas, ela foi acusada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) de cometer cinco crimes:
- Abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
- Tentativa de golpe de Estado;
- Dano qualificado com violência;
- Associação criminosa armada;
- Deterioração de patrimônio tombado.
A denúncia contra a cabeleireira foi aceita pela 1ª Turma do STF em agosto de 2024, e o julgamento em plenário virtual começou na última sexta (21). Após os votos do relator, o ministro Alexandre de Moraes, e do ministro Flávio Dino, favoráveis à condenação da acusada a 14 anos de prisão, o ministro Luiz Fux pediu vista do processo, que foi adiado e não tem data para ser retomado.
Esta peça de desinformação também foi desmentida pelo Estadão Verifica.
O caminho da apuração
Aos Fatos fez uma busca reversa de imagem e encontrou uma reportagem do jornal Correio Braziliense que explica que a cena de vandalismo compartilhada pelas peças enganosas é resultado de uma manifestação de grupos antiaborto.
A reportagem contextualizou o acontecimento com notícias da época e concluiu que não há relação entre movimentos de esquerda e o ataque realizado em 2016.