Por que o preço dos alimentos está subindo no Brasil?

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O IBGE divulgou no início do ano que a inflação de 2024 ficou em 4,83%. O grupo de alimentos e bebidas — um dos nove monitorados pelo instituto — fechou o ano passado com aumento de 7,69%. Em 2023, o grupo havia subido 1,03%.

Os números reforçam algo notável em mercados e feiras: o preço dos alimentos tem subido e pesado no bolso dos brasileiros.

Entre os itens que mais subiram de preço estão o abacate, a laranja, o café, o óleo de soja, diversos cortes de carne bovina e o azeite.

O governo Lula demonstra preocupação com o preço dos alimentos e diz que está adotando medidas para mitigar o problema, como a redução de juros para produtores e o controle de tarifas de importação. No fim de janeiro, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, mencionou uma possível “intervenção” federal nos preços, mas logo em seguida negou a possibilidade ao alegar que teria havido um “equívoco de comunicação”.

Aos Fatos explica a seguir os principais fatores que influenciam o aumento dos preços dos alimentos no Brasil.

1. Quais fatores têm influenciado o aumento do preço dos alimentos?

O aumento dos preços dos alimentos no Brasil envolve múltiplos fatores. Economistas ouvidos pelo Aos Fatos apontam que inflação, eventos climáticos extremos, aumento da demanda e desvalorização cambial ajudam a explicar a alta no último ano.

Inflação. O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial de inflação do país, encerrou 2024 em 4,83%, acima do teto da meta estipulada pelo governo, de 3%, com tolerância de até 4,5%.

Com a inflação em alta, os custos dos produtores com energia, combustível e logística tendem a subir, o que reflete no preço final dos alimentos. Em setembro e outubro passados, por exemplo, a alta do preço da energia elétrica foi uma das principais responsáveis pelo aumento da inflação no período.

Extremos climáticos. O fenômeno El Niño impulsionou o aumento das temperaturas globais e as condições meteorológicas adversas no mundo. No Brasil, eventos climáticos extremos — como as enchentes no Rio Grande do Sul, secas severas e incêndios florestais — prejudicaram lavouras, reduziram safras e, com isso, encareceram os alimentos.

Foto mostra alagamento em Eldorado do Sul (RS) em maio de 2024 (Gustavo Mansur/Palácio Piratini)
Foto mostra alagamento em Eldorado do Sul (RS) em maio de 2024 (Gustavo Mansur/Palácio Piratini)

Os fatores também estão interligados. A estiagem histórica levou à queda do nível dos reservatórios e, por consequência, à mudança para uma bandeira tarifária mais cara, contribuindo para a alta do preço da energia elétrica.

Aumento da demanda. “O desemprego caiu muito. Está em 6%. O desemprego em baixa também contribui para o aumento dos alimentos”, afirmou André Braz, coordenador de Índices de Preços do FGV IBRE (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas). A maior busca por alimentos associada a uma oferta menor eleva os preços.

Desvalorização cambial. Em paralelo, a cotação do dólar, que se valorizou 27,34% frente ao real em 2024, impacta o fluxo das exportações. É mais vantajoso para o produtor vender ao mercado externo, que paga em dólar, do que ao mercado interno.

“Tudo o que a gente importa fica mais caro — como o trigo, por exemplo, vem mais caro”, diz Braz.

“E o trigo tem uma família de derivados como pães, massas, biscoitos que tendem a subir de preço. Quando a gente exporta, a gente exporta demais. Embora isso seja bom para a balança comercial, é um desafio extra para a inflação, porque, ao desabastecer o mercado brasileiro, o preço sobe.”

Além disso, insumos cotados em moeda estrangeira pressionam os custos dos produtores, explica Aniela Carrara, pesquisadora do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) da Esalq/USP. É o caso dos fertilizantes, usados na produção de alimentos, o que impacta o preço do produto final.

2. Quais são as situações atípicas?

Alguns alimentos que encabeçam o ranking das maiores altas no ano passado sofreram com situações atípicas.

Imagem mostra a ilustração de um abacate

Abacate. No caso da fruta, que acumulou alta de 174,67% em 2024, um dos principais fatores foi a entressafra — pausa na produção agrícola que ocorre entre as colheitas — nos meses de outono e inverno.

Períodos de seca e chuva também anteciparam a safra de abacate no Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo, o que gerou escassez a longo prazo.

A safra do abacate no Brasil acontece entre janeiro e agosto, sendo esperada uma redução do preço no início deste ano. Na prévia da inflação, medida pelo IPCA-15, a queda foi de 15,09%.

Imagem mostra a ilustração de uma laranja

Laranja e tangerina. Depois do abacate, a laranja-lima (+91,03%) e a tangerina (+74,24%) — também conhecida como bergamota e mexerica — e a laranja-pera (+48,33%) foram os alimentos que mais subiram de preços em 2024.

O calor e a seca prejudicaram a oferta dessas frutas, além do greening, doença que afetou a produção de diversos estados brasileiros. Houve a remoção de pomares em regiões produtoras importantes de São Paulo para tentar conter a doença, que ainda não tem cura.

O greening é uma ameaça global que provoca a queda prematura dos frutos das laranjeiras, o que reduz a qualidade e a produção.

Imagem mostra a ilustração de um pacote de café moído

Café moído. A alta acumulada de 39,6% do café moído no ano passado, a sexta maior, tem como principal razão a diminuição da oferta global. “No Brasil, tal redução foi impulsionada por queimadas, o que levou a uma menor oferta do produto”, afirmou Fernando Gonçalves, gerente da Coordenação de Índices de Preços do IBGE, ao Aos Fatos.

“Além da oferta interna menor, o café também enfrentou a demanda internacional elevada, por conta da crise na produção do Vietnã”, acrescentou a economista Aniela Carrara.

O Vietnã é o maior produtor mundial de robusta — variedade utilizada em misturas para espressos e em cafés solúveis. O país asiático atravessou a pior seca em uma década.

Neste cenário, a desvalorização do real frente ao dólar tornou o café brasileiro mais atrativo para compradores estrangeiros, assim como foi mais vantajoso para os produtores daqui direcionarem a produção para atender a demanda externa.

O consumo na China, por exemplo, mais que dobrou na última década. O país asiático virou líder mundial em número de cafeterias de marca em 2024, o que impulsionou ainda mais a exportação do produto.

O governo federal anunciou no ano passado um acordo com a rede de cafeterias chinesa Luckin Coffee — a maior rede de cafeterias da China. Foi articulada a compra de 240 mil toneladas do grão de café brasileiro entre 2025 e 2029 a um valor estimado de US$ 2,5 bilhões. A China atualmente é a sexta maior compradora de café brasileiro.

Segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), as projeções para a safra do café em 2025 apontam um cenário de maior restrição na oferta global de café, com estoques em patamares historicamente baixos e uma demanda crescente no mercado internacional. Isso significa que os preços devem continuar elevados.

Imagem mostra a ilustração de uma garrafa de óleo de soja

Óleo de soja. O aumento da demanda, em especial na indústria de biodiesel, e a queda na produção do óleo de palma, no sudeste asiático, fizeram com que o óleo de soja ficasse mais caro no Brasil. Na sétima posição, o alimento acumulou alta de 29,21% no último ano.

A economista Patrícia Costa, supervisora de pesquisa de preços do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), explicou ao Aos Fatos que há uma forte demanda interna e externa pelo óleo de soja bruto, utilizado na produção de biocombustíveis.

“O Brasil exportou muito óleo de soja”, disse. “Foi também usado muito óleo de soja para a produção de biocombustível dentro do país, e com isso o preço no varejo aumentou.”

Imagem mostra a ilustração de um corte bovino

Carne bovina. As carnes também ficaram mais caras e acumularam, na média, alta de 20,84%. Os cortes mais populares, como o acém (25,24%) e o patinho (24,13%), tiveram as maiores altas.

A elevação do preço ocorreu em razão da redução da sua oferta no mercado interno por alguns fatores:

  • O ciclo pecuário, que é quando a oferta de gado começa a se reduzir após dois anos de abate;
  • Estiagens e queimadas que afetaram os pastos que servem de alimentação para o gado, o que também impactou no preço do leite e derivados. O leite longa vida, por exemplo, acumulou alta de 18,83% em 2024. Com o capim seco e pouca água, os animais perdem peso e produzem menos;
  • O volume maior de carne que é direcionado ao mercado externo em razão da desvalorização cambial;
  • O aumenta a demanda interna em razão da queda no desemprego.

“A forte estiagem que ocorreu, especialmente no segundo semestre de 2024, elevou também os custos dos produtores”, disse Fernando Gonçalves, gerente da Coordenação de Índices de Preços do IBGE. Houve um gasto maior, por exemplo, com ração, irrigação, e equipamentos.

O preço da carne, como o café, deve continuar elevado neste ano por fatores climáticos e o dólar alto. Não há perspectiva de redução de preços a curto prazo, embora o governo esteja estudando medidas para conter a alta dos alimentos.

Imagem mostra a ilustração de uma garrafa de azeite

Azeite. Uma combinação de colheitas fracas de azeitonas na Europa nas duas últimas safras (2022/23 e 2023/24) e o aumento do dólar explicam por que o azeite de oliva acumulou alta de 21,53% em 2024.

O Brasil depende de importação para atender a demanda interna. Com o dólar alto, o custo de importação aumenta, e o preço final ao consumidor também.

Portugal e Espanha respondem, respectivamente, por 44% e 14% de toda a importação nacional do produto e tiveram seus olivais atingidos por longos períodos de seca intensa entre 2022 e 2023.

A produção mostrou sinais de recuperação em 2024 e há previsão de uma oferta maior de azeite no mercado internacional em 2025, o que deve fazer com que os preços caiam até meados deste ano.

O caminho da apuração

Aos Fatos entrevistou economistas da FGV, do Cepea, do Dieese e do IBGE, que explicaram as razões pelas quais os alimentos subiram de preço no ano passado e continuam impactando o bolso dos consumidores, além de consultar os dados sobre a inflação disponibilizados pelo IBGE.

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