Em virtude da pandemia, as campanhas eleitorais nos Estados Unidos e também no Brasil devem ser travadas sobretudo nas redes sociais. Por contingência, a esfera pública será transferida em quase toda a sua totalidade para as grandes plataformas que, já influentes em 2016 e 2018, ainda encontram dificuldades em se apresentar como fiadoras da democracia.
Essa discussão encontra eco nas várias discussões que o Congresso tem empreendido para formular um projeto de lei que combata uma gama de atividades que parlamentares consideram "fake news". Entre textos anacrônicos, autoritários ou minimalistas, deputados e senadores se veem pressionados a proteger suas reputações individuais a tempo das eleições deste ano. Sem texto consensual até esta sexta-feira (19), fica difícil analisar o que de fato está em jogo na internet brasileira senão a tentativa de legislar em causa própria.
Porém, por mais isolados do restante do mundo neste momento, o descontentamento dos políticos brasileiros é compartilhado em países com democracias digitais igualmente conflagradas. Nesta semana, o pré-candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, lançou como plataforma de sua campanha o manifesto #movefastfixit. Ele propõe ao Facebook "promover notícias reais, e não falsas", "remover rapidamente desinformação viral", "acabar com o período de 'mentiras' eleitorais" e "reforçar medidas contra ações de supressão ao voto".
Esse chamamento democrata é muito parecido com a primeira movimentação nas redes brasileiras, coisa de um mês atrás, em que influenciadores exortavam o público para pressionar políticos a passar, de modo simplista, uma lei contra "fake news". No entanto, a proposta de censurar conteúdo nas redes sociais professada por um candidato a presidente americano é muito mais preocupante do que qualquer voo de galinha autoritário promovido por um conjunto de parlamentares brasileiros. O primeiro e mais óbvio motivo é que Biden transita facilmente entre os executivos que efetivamente criam e aprimoram as políticas das plataformas.
Diferentemente de políticos brasileiros, que acreditam que plataformas globais produzirão uma versão brasileira Herbert Richers do Facebook, do WhatsApp e de que tais, a pressão democrata vai ao encontro do discurso dos yuppies do Vale do Silício, em virtual rebelião contra o chefe Mark Zuckerberg. Ele, por sua vez, não só se nega a deletar esse tipo de conteúdo de suas redes, mas também se recusa a submeter publicações patrocinadas ao escrutínio dos checadores de fatos parceiros do Facebook (Aos Fatos é um deles).
As críticas ao comportamento de Zuckerberg se adensam à medida que o Twitter tem colocado marcações em tweets publicados pelo presidente Donald Trump, que concorre à reeleição e aposta no seu robusto repertório de mentiras como bem sucedida estratégia de campanha. Trump acusa o Twitter de censura, que acusa Trump de promover um rosário de ruídos que vão de incitação à violência até publicação de vídeo adulterado.
O problema é que, sem publicizar uma metodologia clara de verificação de conteúdo, como a qualificação de fontes que norteiam o processo de checagem dos tweets presidenciais, a plataforma entra na guerra política americana como um mediador pouco transparente. Dá munição à toa aos apoiadores de Trump, que, veja bem, demandam práticas honestas do Twitter. Ficamos todos sem parâmetros claros sobre para quem e por que atuam as plataformas.
Os políticos brasileiros com quem conversei nos últimos dias estão atentos à movimentação americana e hesitam patrocinar, ao menos publicamente, qualquer tipo de censura nas redes sociais por meio de projeto de lei. Dizem querer incentivar a checagem de fatos, como se o escrutínio de informações falsas e enganosas fosse panaceia.
A baixa qualidade do debate sobre combate à desinformação nos Estados Unidos dificulta a criação de uma estratégia global, verdadeiramente democrática. O que se tenta fazer aqui e lá, por enquanto, é instrumentalizar a atividade de verificação contra a agenda do momento. Ao patrocinar soluções simples para um problema grave, políticos subsidiam uma espécie de populismo de oposição. É necessário subir o nível dessa discussão.
Esta análise foi originalmente veiculada na newsletter AF+ #35 em 19 de junho de 2020 somente para apoiadores do Aos Fatos Mais. Para juntar-se ao grupo, contribua e garanta benefícios.