Após entrar para apreciação em regime de urgência, o PL 2.630/2020 foi retirado da pauta de votação pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), atendendo a pedido do relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). No início da tarde, a reunião de líderes havia decidido seguir adiante com a votação do “PL das Fake News”, como a proposta ficou conhecida, ainda nesta terça-feira (2).
O relator disse que o pedido de retirada teria como objetivo dar mais tempo para a análise das sugestões das bancadas com quem se reuniu nos últimos dias. Segundo Silva, o principal impasse em relação ao texto ainda gira em torno do órgão que fiscalizará a aplicação da lei. O deputado também afirmou que a proposta de colocar essa responsabilidade nas mãos da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) ganhou força nesta semana, mas ainda enfrenta resistências, inclusive no governo.
Nos corredores da Câmara, porém, a percepção era que o projeto corria o risco de ser rejeitado durante a votação.
A aprovação apertada do regime de urgência no último dia 25 havia sido garantida graças aos votos do Republicanos. Ao longo da última semana, pressionado pelo eleitorado conservador — sobretudo o evangélico —, o partido deu sinais de que o apoio não estaria garantido no mérito do projeto.
Durante o dia, aliados do governo correram para tentar virar outros votos a favor da proposta. Entre as bancadas que foram alvo da investida estiveram Podemos, União Brasil e PP — sendo que esta última havia votado majoritariamente contra o regime de urgência na semana passada, apesar de ser a sigla de Lira.
Na articulação pela aprovação, o presidente da Câmara se reuniu com Lula, que prometeu a liberação de R$ 6,5 bilhões em emendas parlamentares para deputados e outros R$ 3,5 bilhões para senadores, segundo noticiou o G1. O prazo maior para a votação também permite que o governo encontre meios de cumprir sua promessa.
A decisão de pedir o adiamento, a fim de garantir mais tempo de negociação, precisou ser ponderada com o entendimento de que os dias adicionais também servirão para que as plataformas continuem pressionando deputados.
Durante o feriado, o Google chegou a colocar o link para um artigo com críticas ao projeto em sua página principal.
A ação das plataformas provocou reações. O Ministério Público Federal de São Paulo pediu explicações ao Google e à Meta, dona de Facebook, Instagram e WhatsApp. Tanto o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) como a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), ambos ligados ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, anunciaram medidas contra o que consideraram um abuso das big techs na discussão sobre o "PL das Fake News".
Mas a reação mais forte veio do STF (Supremo Tribunal Federal). No meio da tarde, o ministro Alexandre de Moraes determinou que a PF (Polícia Federal) ouça os presidentes de Google, Meta, Spotify e Brasil Paralelo devido às campanhas contra o projeto. Moraes também exigiu a remoção dos anúncios.
A atuação enérgica tanto do Executivo como do Judiciário foi interpretada como um recado pelos parlamentares, que temem que a falta de acordo para aprovar uma regulação no Legislativo possa deixar para os demais poderes a iniciativa de atuar em relação às plataformas, de acordo com fontes ouvidas pelo Aos Fatos na Câmara.
Mesmo deputados da oposição declaram ser a favor de alguma regulamentação, embora critiquem a proposta do governo, a quem acusam de tentar censurar as redes sociais.
O que está em discussão
O PL 2630/2020 regula a atuação das plataformas digitais no Brasil. As medidas se aplicam a redes sociais, buscadores e serviços de mensagens instantâneas que tenham mais de 10 milhões de usuários no país. O texto determina que essas plataformas devem instituir mecanismos de transparência e combate à disseminação de conteúdos desinformativos ou ilegais, como os que promovem crimes contra o Estado Democrático de Direito, a discriminação e a violência.
O projeto afirma que esse “dever de cuidado” das plataformas será fiscalizado, ainda que não estipule exatamente quem deve ficar responsável pela função. A criação de um órgão autônomo de supervisão, prevista em versões anteriores do projeto, foi retirada do parecer final após pressão de setores políticos.
Caso se provem negligentes no trabalho de conter a disseminação de conteúdos ilegais, as plataformas ficam sujeitas a ações administrativas como advertência, multa e até suspensão das atividades. Também pode ser instaurado um protocolo de segurança, com duração inicial de 30 dias, que permite que os provedores sejam responsabilizados pelos danos causados por conteúdos de terceiros, desde que fique demonstrado que tinham conhecimento prévio e não agiram. Essa possibilidade fica restrita aos casos abrangidos pelo protocolo e a conteúdos publicados individualmente durante sua vigência.
O texto também cria uma espécie de imunidade ao discurso de políticos nas redes sociais. Essas “contas de interesse público”, que englobam políticos eleitos, ministros, secretários e equivalentes e altos dirigentes de entidades da administração pública, por outro lado, ficariam proibidas de bloquear usuários.
Por fim, o projeto prevê que as plataformas remunerem empresas de mídia pelos conteúdos jornalísticos que utilizam. O valor da remuneração deverá ser negociado diretamente entre as empresas, embora as regras para os acordos ainda precisem ser instituídas. As big techs ficariam proibidas de remover posts jornalísticos para evitar o pagamento e não poderiam repassar o custo aos usuários das redes.
A tramitação no Congresso
O PL 2.630 foi apresentado em maio de 2020 pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) com o objetivo principal de reduzir a disseminação de conteúdos enganosos e a proliferação de páginas e perfis falsos. Votada dois meses depois no Senado em meio a um contexto de disseminação massiva de desinformação sobre a pandemia de Covid-19, a norma foi aprovada por 44 votos contra 32 e seguiu para a Câmara, onde está há três anos em discussão.
Como forma de acelerar a tramitação do texto, que normalmente passa por comissões especiais antes de seguir para o plenário, a Câmara votou no ano passado a tramitação de urgência. Uma articulação promovida pelo governo Bolsonaro (PL), no entanto, fez com que o requerimento não alcançasse os 257 votos necessários para aprovação.
Com a discussão atravancada desde então, o projeto voltou aos holofotes após os atos golpistas de 8 de janeiro e, mais recentemente, com a série de ameaças contra as escolas. O Planalto chegou a apresentar sugestões de modificação ao projeto, acatadas em parte por Orlando Silva no parecer apresentado na semana passada. A versão final também englobou demandas de diversos partidos políticos.
Entre as concessões do relator, além da retirada do texto da criação de uma entidade autônoma de supervisão, está a inclusão de ressalvas mais explícitas indicando que as medidas não afetam a expressão religiosa — uma demanda da bancada evangélica. Dois dias antes da apresentação do substitutivo, foi aprovada na Câmara a tramitação de urgência do projeto, que seguiu direto para o plenário.
As diversas modificações feitas pelo texto na Câmara obrigam que, caso seja aprovado, o projeto seja enviado novamente para análise do Senado. Vencida esta etapa, segue então para sanção presidencial.