O que é a PEC da Segurança, defendida por Lula após operação no Rio

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Após a megaoperação das polícias do Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho nos complexos da Penha e do Alemão, que deixou ao menos 121 mortos na última terça-feira (28), o governo Lula tem pressionado a Câmara a aprovar a PEC da Segurança Pública. Enviada ao Congresso em abril, a proposta de emenda à Constituição é a principal aposta do governo federal na segurança pública.

Após as críticas do governador do Rio, Cláudio Castro (PL), à falta de apoio da União na operação, a Secom (Secretaria de Comunicação) da Presidência da República lançou uma campanha na internet na noite de quarta-feira (29) com referências à operação para defender que a PEC é o melhor caminho para enfrentar o crime organizado.

Para o governo Lula, o que aconteceu na capital carioca evidencia a necessidade de uma coordenação entre as forças policiais federais e dos estados no combate às facções. O maior protagonismo da União na área é uma das bandeiras do projeto, e também é o principal alvo de críticas dos governadores do sul e do sudeste à PEC.

O relator da proposta na comissão especial da Câmara que discute o tema, deputado Mendonça Filho (União-PE), disse que o projeto não teria mudado os resultados da operação no Rio, mas confirmou que pretende acelerar a sua tramitação e planeja apresentar seu parecer em menos de um mês.

A seguir, Aos Fatos explica os principais pontos sobre a proposta:

  1. O que é a PEC da Segurança Pública?
  2. Como está a tramitação da proposta?
  3. Por que o texto voltou à discussão com o conflito no Rio?
  4. Quais as críticas ao projeto?
  5. Quais outros projetos estão ganhando fôlego por causa da operação?

1. O que é a PEC da Segurança Pública?

É o nome dado à PEC 18/2025, apresentada pelo governo Lula e que está sendo discutida na Câmara dos Deputados. A proposta visa reformular a estrutura de segurança pública no país para garantir uma maior integração e coordenação entre os diferentes níveis federativos e órgãos de segurança.

Os principais pontos da proposta são:

  • A inclusão do SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) na Constituição, garantindo integração entre os entes federativos;
  • A ampliação da competência da União para definir diretrizes nacionais, mantendo a autonomia de estados e municípios;
  • A PF (Polícia Federal) ganha poder para investigar crimes ambientais e delitos interestaduais ou internacionais cometidos por organizações criminosas, enquanto a PRF (Polícia Rodoviária Federal) passa a atuar também em ferrovias e hidrovias;
  • O reconhecimento das guardas municipais como parte do sistema de segurança, com atuação ostensiva e controle do Ministério Público;
  • A constitucionalização dos fundos de segurança e penitenciário, impedindo o contingenciamento dos recursos;
  • A unificação de dados e procedimentos, como boletins de ocorrência e mandados, para melhorar a cooperação entre entes federativos;
  • Criação do Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, com representação de todos os níveis da federação;
  • O reforço do federalismo cooperativo, assegurando que estados e municípios mantenham suas atribuições na área de segurança.

2. Como está a tramitação da proposta?

O texto da proposta foi discutido pelo governo federal com os estados e municípios durante o ano passado. A versão final da PEC foi entregue pelo presidente Lula (PT) ao Congresso em abril e foi aprovada em julho pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) da Câmara.

Desde então, a proposta, que deve passar por comissão especial antes de ser encaminhada ao plenário, está com a tramitação parada. A recente operação no Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho, porém, reacendeu o debate sobre o texto.

Em entrevista ao jornal O Globo, o deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE), relator da PEC, disse que deve apresentar seu parecer no final de novembro. De acordo com o parlamentar, a previsão é que o texto seja votado pela comissão especial no início de dezembro e logo em seguida seja analisado pelo plenário.

O parlamentar defende mudanças significativas na proposta para endurecer o combate ao crime organizado e tem afirmado à imprensa que o texto atual não resolve o problema da segurança pública no país.

Lula e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PE), também devem se reunir para discutir o avanço da proposta. Motta tem afirmado que a Câmara vai votar “imediatamente” a PEC assim que ela tiver o aval da comissão especial.

Uma vez aprovada na Câmara, a PEC segue para o Senado. Caso seja aprovada sem alterações, a proposta será promulgada em sessão do Congresso Nacional. Caso contrário, o texto volta para a Câmara, onde deve ser discutido novamente.

3. Por que o texto voltou à discussão após o conflito no Rio?

Após a megaoperação policial da última terça (28), membros do governo passaram a cobrar a aprovação da PEC.

A ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffman (PT), por exemplo, publicou nas redes que ficou “evidente a necessidade de articulação entre forças de segurança no combate ao crime organizado”.

Defesa semelhante foi feita pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, em entrevista após a operação.

“A responsabilidade é, sim, exclusivamente dos governadores no que diz respeito à segurança pública, à segurança dos respectivos Estados. Nós propusemos ao Congresso Nacional uma PEC da Segurança Pública que visa exatamente a coordenação das forças federais com as forças estaduais e também com as forças municipais".

A imagem mostra o deputado federal Mendonça Filho, homem de pele clara e cabelo curto castanho-escuro, falando ao microfone. Ele veste terno azul-marinho, camisa branca e gravata azul com pequenos padrões. Ao fundo, há um busto metálico e parte de uma tela exibindo uma imagem desfocada.
O deputado federal Mendonça Filho (União Brasil-PE) é relator da PEC da Segurança (Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)

O relator da PEC na comissão especial da Câmara, deputado Mendonça Filho, também fez menção à operação no Rio ao defender a aceleração na tramitação do texto. Segundo ele, é necessário dar uma “resposta consistente às facções”.

“A situação no Rio reforça a necessidade de votar a PEC. Ainda tem muito debate pela frente, até porque o que governo mandou não resolve nada, é apenas carta de intenções” — Mendonça Filho, 28.out.2025.

O deputado, no entanto, disse não acreditar que, caso já tivesse sido aprovado, o texto teria a capacidade de mudar a situação do Rio de Janeiro: “O que teria sido diferente na operação? A PEC não tem capacidade de mudar o status quo do Rio de Janeiro. É simples transferir a responsabilidade para o Congresso, mas não venham cobrar do Parlamento o que foi entregue este ano”, disse, em entrevista ao Globo.

Contatado pelo Aos Fatos, André Santos Pereira, presidente da ADPESP (Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo), acredita que a PEC não traria impactos imediatos para o Rio de Janeiro e poderia conturbar ainda mais o cenário de conflito de competências entre as unidades federativas:

“Tanto na versão original quanto na atual, a proposta apresenta medidas de reestruturação do sistema federativo e das atribuições na área da segurança, de médio e longo prazo, que demandariam uma regulamentação detalhada — ou seja, mais discussões e a busca por consensos que ainda não estão sendo firmados com base no sistema de persecução penal e policial já consolidado”, explicou.

4. Quais as críticas ao projeto?

Quando o texto foi apresentado pelo Executivo federal, governadores do Sul e do Sudeste, incluindo o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), assinaram um documento intitulado “Carta de Florianópolis”, no qual se posicionavam contra o texto. O argumento é que ele centralizaria as forças de segurança sob o guarda-chuva da União:

“As regiões Sul e Sudeste têm hoje, de forma geral, sistemas de segurança eficientes já estabelecidos (...) Somos contra qualquer proposta que enfraqueça os Estados e reduza sua capacidade de agir de forma rápida e adequada às necessidades locais. A segurança pública deve ser construída com base na colaboração, no respeito às diferenças regionais e no fortalecimento das capacidades locais, e não por meio de uma estrutura centralizada que limita a eficiência e amplifica a burocracia” — Carta de Florianópolis, publicada em 23.nov.2024.

O projeto continuou sendo alvo de críticas de governadores nos meses seguintes:

  • Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), uma das principais vozes discordantes, classificou a PEC como “armadilha” do governo federal e alegou que o projeto daria o controle da segurança pública ao Ministério da Justiça;
  • Eduardo Leite (PSD-RS), que participou de uma audiência pública sobre o tema na Câmara dos Deputados, disse ser contra interferências na gestão regional da segurança pública porque, segundo ele, as forças estaduais possuem expertise no combate ao crime em suas localidades;
  • Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) disse em outubro do ano passado que a proposta é bem-vinda, mas que ainda não está pronta e carece de mudanças que levem em conta as sugestões dos governadores.

O governo nega que o projeto prevê que a União invada o espaço das gestões estaduais: “A norma proposta, com a padronização de protocolos, informações e dados estatísticos, não implica que a União centralizará os sistemas de tecnologia da informação. A autonomia dos estados será preservada. Não haverá ingerência nos comandos das polícias estaduais e nem modificação da atual competência dos estados e municípios na gestão da segurança”.

O projeto também foi criticado por especialistas em segurança pública convidados para as audiências públicas da Comissão Especial da Câmara.

Lincoln Gakiya, promotor do MPSP (Ministério Público de São Paulo) e um dos principais especialistas em crime organizado do país, acredita que o texto, da forma como está, pode dar margem à interpretação de que o combate às organizações criminosas seria uma atribuição exclusiva da PF.

Já Pedro Luís de Sousa Lopes, chefe do centro de inteligência da PM-SP (Polícia Militar do Estado de São Paulo) também alertou que a redação pode induzir a sobreposições perigosas entre as forças policiais.

5. Quais outros projetos estão ganhando fôlego por causa da operação?

Projeto Antifacção

Além da PEC, o governo federal também tem ventilado o chamado Projeto Antifacção. A proposta ainda não está em tramitação, mas já foi apresentada pelo Executivo na semana passada.

Entre as medidas propostas está a criação de um novo crime, chamado “organização criminosa qualificada”, cuja pena pode variar de 8 a 15 anos de prisão. Também está previsto o agravamento de punições para lideranças de grupos criminosos.

PL Antiterrorismo (PL 1283/2025)

A oposição também tem defendido a aprovação de outros projetos ligados ao tema. Um deles é a proposta apelidada de PL Antiterrorismo, do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), que enquadra como terroristas facções como o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho), além de milícias.

Apresentada em março, a proposta teve o regime de urgência aprovado em maio e passou pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado em agosto.

O projeto é apoiado por governadores, que decidiram pressionar o presidente Lula pela aprovação em reunião na última quarta (29).

PL 2428/2025

Semelhante ao PL 1283/2025, o projeto do deputado Capitão Alden (PL-BA) categoriza como atos de terrorismo as ações de organizações criminosas armadas que usam violência ou ameaça para dominar territórios, intimidar a população ou desestabilizar a ordem pública. A proposta ainda aguarda parecer do relator na CCJ da Câmara.

PL 2646/2025

Bolsonaristas também pressionam pelo avanço da discussão do substitutivo ao projeto que endurece medidas de combate a organizações criminosas em setores da economia. O texto é relatado pelo deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), que apresentou sua nova versão da proposta no início desta semana.

O caminho da apuração

Aos Fatos consultou documentos oficiais e registros da Câmara dos Deputados para confirmar o andamento da PEC 18/2025. Foram analisadas notas técnicas, versões do texto apresentadas ao Congresso e declarações de parlamentares, incluindo o relator da proposta.

Em seguida, a reportagem cruzou declarações recentes de autoridades com registros de votações e pautas legislativas para checar o estágio atual da tramitação. Também foram consultadas manifestações de governadores e especialistas publicadas em audiências públicas e documentos oficiais.

Referências

  1. g1
  2. CNN Brasil (1, 2, 3, 4 e 5)
  3. O Globo (1, 2, 3, 4 e 5)
  4. Aos Fatos (1, 2 e 3)
  5. Câmara dos Deputados (1, 2, 3, 4, 5 e 6)
  6. Secom (1 e 2)
  7. Ministério da Justiça e Segurança Pública (1, 2 e 3)
  8. UOL
  9. EBC (1 e 2)
  10. Veja
  11. Governo do Estado de Santa Catarina
  12. InfoMoney
  13. Estadão

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