Na ONU, Lula clama por reforços após série de derrotas do Brasil para as ‘big techs’

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Há exatos um ano e cinco meses, a Câmara aprovou o regime de urgência para a tramitação do chamado “PL das Fake News” (PL 2.630/2020), proposta de regulação das plataformas digitais que, se aprovada, obrigaria as empresas do setor a serem mais transparentes e responsáveis com os conteúdos que disseminam. A resposta foi uma declaração de guerra.

A batalha da regulação mobiliza, de um lado, empresas de tecnologia, que, em nome do lucro, tentam evitar leis que tornem o ambiente digital minimamente civilizado. Do outro estão os países, que veem a desinformação e o discurso de ódio nas redes corroerem suas democracias.

Em um mundo em que o número de conflitos armados em curso bate recorde, é sintomático o espaço que o tema da regulação das redes ganhou na 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas, iniciada na última terça-feira (24).

No Brasil, a campanha promovida pelas plataformas contra a regulação travou a tramitação não apenas do “PL das Fake News”, mas também do marco regulatório da inteligência artificial e do debate sobre a remuneração dos direitos autorais.

Todas essas discussões foram contaminadas por uma guerra de propaganda, que alternou chavões como “PL da Censura” e “PL da Globo” para deturpar as propostas, colocar os parlamentares sob pressão e barrar a tramitação.

Sem a regulação, a responsabilidade das plataformas hoje se limita a pouco mais do que o dever de excluir conteúdos quando houver determinação judicial. Mas nem isso é garantido, como prova a recente investida de Elon Musk às determinações do Judiciário brasileiro.

O magnata apelou a uma seletiva noção de “liberdade de expressão” para fazer do X um santuário extremista. Nesta terça (24), em seu discurso na ONU, Lula rebateu as acusações de Musk contra o Brasil, defendendo que “a liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras”.

O presidente brasileiro endossou, assim, a decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes, que determinou a suspensão da plataforma no país. Nenhum Estado, argumentou Lula, deve se intimidar “ante indivíduos, corporações ou plataformas digitais que se julgam acima da lei”.

O presidente também defendeu a necessidade de os países assumirem as rédeas da inteligência artificial, criando um sistema de governança para garantir que a tecnologia respeite os direitos humanos, proteja os dados pessoais, promova a integridade da informação e não amplifique desigualdades.

No último dia 13, em reunião em Maceió, o Grupo de Trabalho de Economia Digital do G20 aprovou uma inédita declaração de princípios para o combate à desinformação. Também a inteligência artificial ganhou espaço nas discussões do fórum.

Os dois temas entraram na mira do G20 por iniciativa do Brasil, que atualmente ocupa a presidência da entidade. Ao buscar reforços na arena internacional, apostando no multilateralismo, Lula busca fortalecer a posição do país na queda de braço com as big techs.

Nesse contexto, a posição que Lula assumiu na ONU não causa espanto. O mesmo não se pode dizer, porém, do discurso de Joe Biden, porta-voz do bastião do laissez-faire e reduto das maiores empresas de tecnologia do mundo.

O presidente dos Estados Unidos declarou que, nos próximos anos, a forma como lidamos com a IA será o “maior teste para a nossa liderança”. Para Biden, a tecnologia pode “trazer progresso científico em um ritmo nunca antes visto”, mas também “riscos profundos, como deepfakes, desinformação, novos vírus e armas biológicas”.

De saída do cargo, ele chamou de “ponta do iceberg” o que foi feito até agora em termos de regulação, defendendo a necessidade de governança, já que “não há certezas sobre como a IA vai evoluir ou como será utilizada”.

Biden não teve um lampejo autocrítico. Ao defender “esforço urgente para garantir a segurança, a proteção e a confiabilidade da IA”, o presidente dos Estados Unidos tinha na mira a migração do desenvolvimento da tecnologia para “fronteiras incertas”.

“Devemos garantir que as incríveis capacidades da inteligência artificial sejam usadas para elevar e empoderar as pessoas comuns, e não para dar aos ditadores algemas mais poderosas sobre o espírito humano”, advertiu.

As declarações do presidente americano colocam a IA como nova fronteira neocolonial, como se apenas os “povos de cor” — para resgatar a expressão que marca o espírito de Bandung — pudessem fazer mau uso da tecnologia. Sobre o Vale do Silício, o silêncio.

É como o malabarismo da Economist — que num único texto achou razões para considerar a ofensiva francesa contra o Telegram “justificável”, o banimento do TikTok nos Estados Unidos “defensável”, e o bloqueio do X no Brasil “uma ameaça à liberdade de expressão”.

Como alento, fica a constatação de que o Brasil não é o único país do Sul Global preocupado com a questão. Em Nova York, outro líder que articulou preocupações sobre o tema foi o presidente da Colômbia, Gustavo Petro.

Na Cúpula do Futuro, evento paralelo à Assembleia Geral, o líder colombiano lembrou da íntima relação entre a inteligência artificial e outro tema urgente da agenda global: a crise climática.

A IA pode apagar a linha que separa fantasia e realidade, já borrada pela indústria da desinformação. Também terá impacto sobre o mercado de trabalho, o que deve agravar ainda mais as desigualdades. A essa equação, Petros acrescentou o lembrete de que a tecnologia consome muita energia.

“Stephen Hawking parece ter razão”, disse o presidente colombiano, se referindo à avaliação do físico britânico sobre as duas possíveis causas de uma eventual extinção da humanidade: a inteligência artificial e as mudanças climáticas.

O presidente colombiano ainda tentou dar um tom otimista à conclusão de seu discurso. Ponderou que o investimento em energias limpas e o desenvolvimento de uma inteligência artificial que elevasse a produtividade “não em função de lucros privados”, mas “do tempo livre criativo”, tornariam a humanidade mais feliz. Resta saber se nós, como humanidade, conseguimos lutar por isso

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