Ofício não prova que governo Bolsonaro seguiu rito legal para incorporar joias ao acervo público

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Não é verdade que um ofício enviado pelo Ministério de Minas e Energia à Receita Federal em novembro de 2021 prove que o governo Bolsonaro tentou reaver joias apreendidas com uma comitiva da pasta no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, para incorporá-las ao acervo da Presidência. Além de o documento não ser o procedimento adequado para a liberação dos itens, há provas documentais de que o gabinete presidencial tentou, em ocasiões posteriores, retirar os supostos presentes de maneira ilegal.

Publicações com a alegação enganosa acumulam centenas de compartilhamentos no Facebook e milhares de curtidas no Instagram. A peça de desinformação também circula no WhatsApp, plataforma na qual não é possível estimar o alcance (fale com a Fátima).


Selo falso

Ofício do Ministério de Minas e Energia comprova que governo Bolsonaro solicitou à Receita Federal que os presentes da Arábia Saudita fossem enviados ao acervo da Presidência da República, como previsto em lei.

Post engana ao dizer que ofício prova que Bolsonaro solicitou liberação das joias da Arábia Saudita de forma correta

Publicações nas redes citam um ofício enviado pelo Ministério de Minas e Energia à Receita Federal como se o documento provasse que o governo Bolsonaro teria tentado liberar as joias apreendidas para incorporá-las ao acervo público da Presidência da República. O documento, no entanto, não é o procedimento correto para a retirada de itens e não prova que a gestão anterior tentou fazer com que as joias fossem entregues ao acervo correto.

Além disso, relatos e posicionamentos da própria Receita Federal mostram que o governo Bolsonaro foi informado reiteradas vezes sobre quais os documentos e as ações necessárias para que as joias fossem entregues ao acervo da Presidência da República, sem cobrança de impostos.

A gestão anterior não só deixou de seguir os procedimentos como tentou, em ocasiões posteriores, retirar os supostos presentes de forma ilegal — sem garantir a destinação ao patrimônio público e sem o pagamento de impostos.

Abaixo, uma cronologia do caso:

  • 15 de outubro de 2021: o então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, é afastado do governo para poder participar de uma cerimônia e de reuniões com líderes do setor de energia na Arábia Saudita entre os dias 20 e 26;
  • 26 de outubro de 2021: a comitiva de Albuquerque volta ao Brasil e as joias — um colar de diamantes, um par de brincos e um relógio avaliados em cerca de R$ 16,5 milhões —, que estavam na mochila de um assessor do ministro, e não haviam sido declaradas, são apreendidas pela Receita Federal. Conforme mostra um vídeo do momento, Albuquerque disse aos agentes da Receita que os itens seriam um presente à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro;
  • 28 de outubro de 2021: Bento Albuquerque envia um ofício ao chefe de Documentação Histórica do gabinete do presidente da República para pedir que as joias sejam enviadas ao “destino legal adequado”;
  • 3 de novembro de 2021: o gabinete de Documentação Histórica responde o ministro, explica que os presentes deveriam ser encaminhados ao acervo da Presidência da República e detalha quais procedimentos deveriam ser seguidos. No mesmo dia, o MME envia um ofício à Receita Federal — o mesmo que é mostrado nas peças de desinformação — e diz, mais uma vez, que “faz-se necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado” aos bens;


    Ofício. Documento do MME foi divulgado pelo ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social, Fabio Wajngarten, nas redes sociais (Reprodução/Twitter)
  • 28 de dezembro de 2022: Mauro Cid, assessor do gabinete pessoal de Bolsonaro, envia um novo ofício pedindo a liberação das joias. A alfândega, no entanto, se recusa a entregar os itens porque isso só seria possível por meio de um documento chamado ADM (ato de destinação de mercadoria).
  • 29 de dezembro de 2022: o primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva vai ao aeroporto em um avião da FAB, por ordem do sargento Mauro Cid, a fim de tentar a liberação das joias. Conforme mostra o vídeo do encontro, o militar tentou inúmeras vezes retirar os itens sem recorrer aos procedimentos corretos e chegou a dizer que “não pode ter nada do [presidente] antigo pro próximo, tem que tirar tudo e levar”, o que é mentira.

Conforme a Receita Federal afirmou em nota nesta semana, o governo Bolsonaro não apresentou justificativa adequada para incorporação dos presentes ao patrimônio público e sequer tentou regularizar a situação das joias apreendidas.

Os posts, portanto, usam um ofício sem valor legal enviado pelo governo Bolsonaro à Receita Federal para tentar liberar as joias. Após o envio do documento citado, inclusive, o gabinete presidencial tentou retirar os supostos presentes sem respeitar os procedimentos necessários ao menos mais duas vezes, como pode ser conferido na linha do tempo acima.

Mesmo que sejam de fato presentes à primeira-dama, as joias devem ser incorporadas ao patrimônio público da Presidência da República, e não ao acervo pessoal do presidente.

Em acórdão publicado em 2016, o TCU (Tribunal de Contas da União) determinou que só podem ser classificados como itens privados dos presidentes presentes “de natureza personalíssima”, como medalhas e honrarias, ou produtos de consumo direto, como roupas, alimentos e perfumes.

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