Após decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, a PF (Polícia Federal) deflagrou na manhã desta sexta-feira (18) uma operação de busca e apreensão na residência do ex-presidente Jair Bolsonaro em Brasília e também na sede do PL, seu partido. A decisão atendeu a um pedido feito pela PGR (Procuradoria-Geral da República).
O magistrado também impôs uma série de restrições contra o ex-presidente, referendadas nesta tarde pela Primeira Turma do STF, como o uso de tornozeleira eletrônica e recolhimento domiciliar noturno. As medidas têm sido comparadas de maneira enganosa nas redes a uma prisão domiciliar.
Segundo a PGR, a "concreta possibilidade de fuga" do ex-presidente foi um fator determinante para que fossem impostas medidas cautelares, tornando-as uma "necessidade urgente e indeclinável".
Na decisão, Moraes também classificou como um atentado à soberania nacional as ações de Bolsonaro e de seu filho, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), em prol do tarifaço de 50% sobre exportações brasileiras anunciado pelos EUA. Um dia antes da operação da PF, Bolsonaro se eximiu de qualquer responsabilidade pela medida, mas Moraes salientou que há elementos que indicam o oposto.
Em reportagem anterior, Aos Fatos já tinha mostrado que o ex-presidente contradisse o próprio filho ao negar a atuação de Eduardo a favor da sobretaxa americana.
Confira abaixo as motivações da operação, os indícios que sustentam a decisão e as consequências para Jair Bolsonaro:
- Qual foi o motivo da operação?
- Quais os indícios que justificam a decisão?
- O que a Justiça ordenou?
- O que a polícia encontrou na casa de Bolsonaro?
- Qual foi a reação do ex-presidente?
- Qual foi a reação dos filhos e aliados do ex-presidente?
1. Qual foi o motivo da operação?
A PF pediu ao STF autorização para deflagrar a operação por ver indícios de envolvimento do ex-presidente nas ações de seu filho Eduardo, que teria incentivado o governo dos Estados Unidos a anunciar a imposição de tarifas sobre as importações brasileiras para impedir a punição aos acusados de tentativa de golpe após as eleições de 2022.
“A investigação comprovou a participação de Jair Messias Bolsonaro nas condutas criminosas, não só incitando a ‘tentativa de submeter o funcionamento do Supremo Tribunal Federal ao crivo de outro Estado, com clara fronta [sic] à soberania nacional’, mas também auxiliando, inclusive com aportes financeiros à Eduardo Nantes Bolsonaro, a negociação com governo estrangeiro para que este pratique atos hostis contra o Brasil”, diz a decisão, tornada pública por Alexandre de Moraes nesta sexta-feira.
Segundo a decisão, essas condutas levantam suspeitas da prática dos crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa e atentado à soberania, o que justificaria a adoção de medidas para impedir a possibilidade de fuga de Bolsonaro e “a manutenção de ações para obstruir o curso da ação penal”.
Eduardo Bolsonaro já era investigado desde maio por seu lobby junto às autoridades americanas para a imposição de sanções contra autoridades brasileiras. Ele se licenciou do cargo de deputado federal em fevereiro para viver nos Estados Unidos, onde cumpre uma agenda de entrevistas a canais de direita e reuniões com políticos e ativistas locais.
Diante dos indícios de envolvimento de Bolsonaro com a atuação de seu filho no exterior, a PF pediu autorização para fazer a busca e apreensão na casa do ex-presidente com o intuito de aprofundar a investigação, impedindo que eventuais provas da ligação dele com o filho sumissem — como equipamentos eletrônicos ou trocas de mensagens.
2. Quais os indícios que justificam a decisão?
O documento lista uma série de declarações de Eduardo Bolsonaro que indicariam seu envolvimento no recente anúncio feito por Donald Trump de taxação em 50% dos produtos brasileiros a partir de 1º de agosto.
Entre elas está a nota conjunta divulgada pelo deputado licenciado e o ex-comentarista da Jovem Pan Paulo Figueiredo Filho em 9 de julho, data do anúncio de Trump.
“Nos últimos meses, temos mantido intenso diálogo com autoridades do governo do presidente Trump — sempre com o objetivo de apresentar, com precisão e documentos, a realidade que o Brasil vive hoje. A carta do presidente dos Estados Unidos apenas confirma o sucesso na transmissão daquilo que viemos apresentando com seriedade e responsabilidade”, diz o comunicado.

A decisão também citou publicações nas redes e declarações recentes de Bolsonaro e de seu filho vinculando a derrubada das tarifas à concessão de anistia ao ex-presidente, que é réu em ação penal sob a acusação de ter liderado uma tentativa de golpe de Estado após sua derrota nas últimas eleições presidenciais.
Entre os exemplos apresentados pela PGR e citados na decisão está um post publicado por Bolsonaro no Instagram em 10 de julho em que o ex-presidente teria ameaçado os poderes constituídos dizendo que “a escalada de abusos, censura e perseguição política precisam parar. O alerta foi dado, e não há mais espaço para omissões.”

As ameaças, na avaliação da investigação, teriam aumentado após a PGR apresentar suas alegações finais no processo da trama golpista. A decisão cita, então, uma reportagem que afirmava que Eduardo Bolsonaro teria se encontrado com autoridades americanas para discutir possíveis sanções a Moraes e ao procurador-geral da República, Paulo Gonet.
“Em tudo também se nota a motivação retaliatória, que se acena como advertência para autoridades da Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República e do Supremo Tribunal Federal, de que não apenas elas próprias, mas também os seus familiares, estão sob ameaça”, afirma o texto, em referência à campanha de aliados de Bolsonaro para a adoção da Lei Magnitsky contra autoridades brasileiras.
Ao autorizar a operação, Moraes também considerou que Bolsonaro disse em depoimento à PF em junho que enviou R$ 2 milhões a seu filho por Pix para ajudar a custear as despesas de sua estadia nos Estados Unidos.
“As postagens realizadas e a vultosa contribuição financeira encaminhada a Eduardo Nantes Bolsonaro são fortes indícios do alinhamento do réu Jair Messias Bolsonaro com o seu filho, com o claro objetivo de interferir na atividade judiciária e na função jurisdicional desta Suprema Corte e abalar a economia do país, com a imposição de sanções econômicas estrangeiras à população brasileira com a finalidade de obtenção de impunidade penal”, diz o texto.
Na decisão, Moraes cita parte do pedido da PGR, que aponta que há “indicativos da concreta possibilidade de fuga do réu". Ao longo do documento, no entanto, não são apresentados os indícios que corroboram com a afirmação.
3. O que a Justiça ordenou?
Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes impôs uma série de restrições contra Jair Bolsonaro, como:
- Uso obrigatório de tornozeleira eletrônica;
- Proibição de se ausentar da comarca de Brasília;
- Recolhimento domiciliar noturno, entre às 19h e às 7h de segunda a sexta-feira, e integral nos fins de semana, feriados e dias de folga;
- Proibição de uso das redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros;
- Proibição de aproximação e acesso a sedes de embaixadas e consulados de países estrangeiros;
- Proibição de manter contato com embaixadores ou quaisquer autoridades estrangeiras;
- Proibição de manter contato com os demais réus e investigados nas quatro ações penais por tentativa de golpe de Estado e seu filho Eduardo Bolsonaro — alvo de inquérito em andamento — inclusive por intermédio de terceiros.
Moraes ainda solicitou ao ministro do STF Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do tribunal, que fosse convocada uma sessão extraordinária virtual para que a sua decisão seja submetida aos colegas. O pedido foi atendido e as medidas foram referendadas pela corte.
Prisão domiciliar? Nas redes, usuários têm questionado se as restrições adotadas por Moraes contra Bolsonaro se enquadrariam em prisão domiciliar. Especialistas consultados pelo Aos Fatos explicam que não.
De acordo com o advogado criminalista Bruno Salles, sócio do escritório Salles Ribeiro Advogados, a decisão do ministro oferece, na verdade, medidas cautelares que são uma alternativa à ordem de prisão, conforme o próprio Moraes afirma na decisão.
4. O que a polícia encontrou na casa de Bolsonaro?
Moraes determinou ainda uma operação de busca e apreensão nos endereços residenciais e profissionais de Bolsonaro, que incluíram sua casa em Brasília e a sede do PL, seu partido, também na capital federal.
Na residência do ex-presidente, os policiais encontraram aproximadamente US$ 14 mil (cerca de R$ 77 mil, pela cotação atual) e R$ 8 mil em espécie, além de um pendrive, que estaria escondido em um dos banheiros da casa e cujo conteúdo ainda será analisado. O celular de Bolsonaro também foi apreendido.
Além disso, os agentes localizaram uma cópia da petição inicial ajuizada pela plataforma de vídeos Rumble contra o ministro Alexandre de Moraes na Justiça dos Estados Unidos.
Até o momento, não há informações sobre possíveis apreensões realizadas na sede do PL.
Em entrevista a jornalistas na manhã desta sexta (18), Bolsonaro disse desconhecer o pendrive encontrado em sua casa e afirmou que “sempre tem dólar em casa”. “Todo dólar pego lá tem o recibo do Banco do Brasil. Isso entra na declaração de imposto de renda no ano que vem”, afirmou.
5. Qual foi a reação do ex-presidente?
Assim que deixou a sede da Polícia Penal, em Brasília, Bolsonaro classificou as medidas restritivas como uma “suprema humilhação” e retomou alegações já desmentidas sobre o inquérito da trama golpista.
O ex-presidente também contradisse mais uma vez Eduardo Bolsonaro ao negar a atuação do filho junto ao governo americano para a aplicação de sanções contra o Brasil.
Sem provas. Bolsonaro voltou a mentir ao afirmar que não há provas sobre seu envolvimento em um possível golpe de Estado em 2022.
Aos Fatos já mostrou que a denúncia apresentada pela PGR apontou uma série de indícios que colocam o ex-presidente no centro de uma organização criminosa.
A delação do ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, por exemplo, confirma que Bolsonaro teria editado a chamada minuta do golpe e a apresentado em reunião aos chefes das Forças Armadas.
Minuta do golpe. Contradizendo entrevista concedida em março deste ano, logo após a decisão do STF que o tornou réu, Bolsonaro afirmou que a minuta do golpe “não existia”. Na conversa anterior com jornalistas, no entanto, o ex-presidente confirmou ter recebido o arquivo de seu advogado e disse que, inclusive, o imprimiu.
Fuga. Bolsonaro também mentiu ao afirmar que nunca pensou em sair do Brasil ou ir até uma embaixada de um país aliado para pedir asilo.
Em entrevista ao UOL em 28 de novembro do ano passado, o político não descartou procurar uma embaixada caso tivesse a prisão decretada. Em março do mesmo ano, o New York Times revelou que o ex-presidente passou ao menos um dia na Embaixada da Hungria em Brasília com o objetivo de buscar asilo.
Outras mentiras. Assim que chegou à sede do PL, Bolsonaro repetiu outras desinformações já verificadas pelo Aos Fatos:
- Ele alegou que o PL teria sido multado injustamente por acionar a Justiça Eleitoral sobre as urnas eletrônicas em 2022;
- Que o TSE teria autorizado Lula a usar o termo “genocida” durante a campanha presidencial;
- E que sua chapa “perdeu 1,5 milhão de inserções de rádio no Nordeste”.
Bolsonaro também replicou a teoria enganosa de que houve infiltrados no 8 de Janeiro, alegando que Flávio Dino, então ministro da Justiça e Segurança Pública, teria sumido propositalmente com 190 câmeras de videomonitoramento que supostamente provariam que a invasão não teria relação com os acampamentos golpistas.
6. Qual foi a reação dos filhos e aliados de Bolsonaro?
Os filhos do ex-presidente, Eduardo, Flávio e Carlos, aliados como o consultor político e estrategista de comunicação de Trump, Jason Miller, e os deputados federais Nikolas Ferreira (PL-MG) e Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), criticaram a operação da PF que impôs restrições ao ex-presidente.
Além de publicar uma série de posts em seu perfil no X, Eduardo divulgou uma nota pública criticando Moraes — a quem chamou de “gangster de toga” — e afirmando que a medida é uma tentativa de criminalizar Trump e o governo americano. “Alexandre precisa entender que suas ações intimidatórias não têm mais efeito. Não vamos parar”, afirmou.

Flávio (PL-RJ) e Carlos Bolsonaro (PL-RJ) também lamentaram a operação. “Típico de uma inquisição, que já tem a sentença final pronta antes mesmo de começar”, disse o primeiro. De maneira similar, o segundo afirmou que “o autoritarismo não irá prosperar” e que a liberdade triunfará.
Jason Miller, consultor de Trump ouvido pela Polícia Federal no inquérito dos atos antidemocráticos, prestou solidariedade ao ex-presidente e afirmou que “não descansaremos até a perseguição política parar”.
O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) também lamentou a ação e a comparou à prisão de Lula, afirmando que o petista não foi impedido de se comunicar e chegou a conceder entrevistas enquanto esteve preso. A comparação omite que o presidente enfrentou diversas restrições durante o período em que esteve detido.
Líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) também se pronunciou afirmando que Bolsonaro está vivendo uma “perseguição disfarçada de toga”. O deputado federal também chamou apoiadores para irem às ruas em apoio ao ex-presidente, mas não indicou uma data.
O caminho da apuração
A reportagem analisou a decisão do ministro Alexandre de Moraes, disponibilizada no site do STF, para identificar as razões legais que motivaram a operação da PF contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Também foram consultados documentos da PGR, além de manifestações públicas de autoridades envolvidas no caso. As medidas cautelares impostas foram checadas com base na legislação e com apoio de especialistas.
A fim de contextualizar os indícios citados na decisão, a equipe realizou o cruzamento de posts publicados em redes sociais de Jair e Eduardo Bolsonaro com os trechos mencionados pelo STF. Também foram analisadas matérias de veículos nacionais e internacionais sobre as articulações do ex-presidente nos EUA, além de checagens anteriores do Aos Fatos sobre as alegações feitas após a operação.




