O aumento do número de casos da popularmente chamada varíola dos macacos, que registrou a primeira morte no Brasil na sexta-feira (29), vem alimentando a estigmatização e o preconceito contra pacientes infectados pela doença. Atores de desinformação têm compartilhado teorias da conspiração para alegar que o atual surto é restrito à população LGBTQIA+ e que os imunizantes contra a Covid-19 seriam os principais responsáveis pela doença.
O Aos Fatos consultou especialistas para esclarecer dúvidas sobre a doença. Confira a seguir:
- O que é a varíola dos macacos?
- Quais são os sintomas da doença?
- Como ocorre a transmissão do vírus?
- A varíola dos macacos afeta somente a população LGBTQIA+?
- As vacinas contra a Covid-19 causaram o atual surto da doença?
- Como tratar e prevenir a doença?
A varíola dos macacos foi recentemente declarada uma emergência de saúde global pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
1. O que é a varíola dos macacos?
A varíola dos macacos é uma nomenclatura popular utilizada para se referir a uma doença infecciosa causada pelo vírus MPV (monkeypox virus), do gênero orthopoxvirus. No entanto, a doença não tem origem em macacos, como explicado pelo virologista Flávio Guimarães, presidente da SBV (Sociedade Brasileira de Virologia), ao Aos Fatos.
A doença é chamada assim, porque foi descrita originalmente na década de 1950 por afetar macacos, que são hospedeiros acidentais, como o ser humano. “É um vírus transmitido por roedor, que pode infectar macacos e seres humanos. Ele não é um vírus de macaco”, afirma Guimarães. Em julho, o Ministério da Saúde orientou o uso do nome em inglês da doença (Monkeypox), para evitar a estigmatização e possível discriminação contra macacos.
2. Quais são os sintomas da doença?
A varíola dos macacos tem um período determinado de infecção com sintomas que duram de duas a quatro semanas. Casos mais graves ocorrem predominantemente entre crianças e também estão relacionados ao tempo de exposição ao vírus, estado de saúde do paciente e problemas imunológicos, segundo a OMS.
Há um período de incubação (intervalo entre o contato com o vírus até o início dos sintomas) que pode variar de 5 a 21 dias. Então, o paciente começa a sentir febre, dor de cabeça intensa, dor nas costas, dores musculares, inchaço dos gânglios linfáticos, além de fraqueza.
Manchas vermelhas lisas, que evoluem para feridas com bolhas repletas de líquidos e crostas, costumam aparecer entre um e três dias após o paciente apresentar febre, e se concentram na face e nas extremidades do corpo (palmas das mãos e plantas dos pés). Mucosas (oral, genital ou anal) e a região dos olhos também podem ser afetadas.
No surto atual, as feridas, estão mais restritas na região genital e perianal dos infectados. Além disso, as lesões podem doer, arder, coçar, e as regiões afetadas podem apresentar inchaço.
Ajuda médica. Em caso de suspeita, a infectologista e professora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Raquel Stucchi orienta que a pessoa procure ajuda médica. A especialista alerta que a varíola dos macacos pode ser concomitante, ou seja, infectar o corpo humano ao mesmo tempo que outras doenças com sintomas semelhantes. Portanto, ter um diagnóstico correto é fundamental.
3. Como ocorre a transmissão do vírus?
A varíola dos macacos é transmitida aos seres humanos por meio do contato próximo e prolongado com uma pessoa ou um animal infectado, ou por material contaminado com o vírus. A transmissão entre seres humanos ocorre por meio de secreções respiratórias, feridas na pele de uma pessoa infectada e objetos contaminados, como lençóis, roupas e toalhas utilizadas pelos infectados.
Distanciamento. A Covid-19 é transmitida por meio de aerossóis que podem viajar até 70 metros de distância. Já a varíola dos macacos é transmitida por partículas maiores (perdigotos), caso as lesões estejam na boca. “A distância é de 2 ou 3 metros, ou seja, é preciso um contato mais próximo com o infectado”, explica Guimarães.
Contato com feridas. A doença é transmitida até que a pele do paciente esteja completamente cicatrizada. Isso porque as crostas contêm material viral infeccioso, e contato com elas, ainda que estejam secas, transmite a doença.
4. A varíola dos macacos afeta somente a população LGBTQIA+?
Não. Especialistas consultados pelo Aos Fatos enfatizaram que o vírus pode infectar qualquer pessoa, e que não se trata de uma doença exclusiva de uma determinada parcela da população.
Um estudo publicado em julho no NEJM (New England Journal of Medicine) e relatórios sanitários de alguns países, a exemplo da Inglaterra, apontam que o risco maior de transmissão estaria entre a população HSH (homens que fazem sexo com outros homens) — que representa 98% dos casos ao redor do mundo, segundo a OMS.
Mel Markoski, professora de Biossegurança da UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre), afirma que o principal apontamento é de que, na relação íntima, as bolhas que contêm as partículas do vírus seriam rompidas e contaminariam o parceiro.
IST. Até o momento,a doença não é classificada como IST (Infecção Sexualmente Transmissível). “Caracteriza-se como IST quando um microrganismo é encontrado em secreções sexuais [esperma ou secreção vaginal] e tem a capacidade de transmitir a doença”, afirmou Stucchi.
O estudo publicado no NEJM encontrou DNA viral do MPV em 29 das 32 amostras de sêmen de pacientes infectados. Não foi avaliado, no entanto, se o material genético encontrado tinha capacidade de se replicar de modo a causar a doença, segundo a especialista.
Assim como Stucchi, o infectologista José Davi Urbaez ressaltou que comportamentos da população HSH aumentam o risco da doença ser transmitida nesse grupo. Muitos fazem a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) de risco à infecção pelo HIV, vírus causador da Aids, e relaxam em medidas preventivas, por exemplo.
5. As vacinas contra a Covid-19 causaram o atual surto da doença?
Não. Todos os especialistas consultados pelo Aos Fatos descartaram qualquer relação entre as vacinas contra a Covid-19 e o surto da varíola dos macacos. O infectologista José Davi Urbaez, por exemplo, afirmou que não há qualquer embasamento teórico ou observacional para estabelecer essa correlação.
Em maio, o Aos Fatos verificou ser falsa a alegação de que o adenovírus de chimpanzé usado na vacina contra a Covid-19 da AstraZeneca seja o mesmo que transmite a varíola dos macacos. A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que produz a vacina no Brasil, informou que o adenovírus é de uma família diferente do causador da doença, e inócuo ao ser humano, como explicou Mellanie Fontes-Dutra, biomédica e pesquisadora da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
“Há indicativos de que esse vírus [da varíola dos macacos] poderia estar circulando há algum tempo, de forma “silenciosa” na população (além de que sabemos que ele circula de forma endêmica em alguns países da África)”, concluiu Fontes-Dutra.
Também em checagem anterior, o Aos Fatos mostrou que as vacinas de vetor viral usam uma versão modificada de um vírus diferente (o vetor) para fornecer instruções importantes às células humanas, e produzir resposta imune. As vacinas com essa tecnologia não são capazes de nos infectar com o vírus da Covid-19, tampouco com aquele usado como vetor.
6. Como tratar e prevenir a doença?
A varíola dos macacos tem um período limitado de infecção com sintomas que duram de duas a quatro semanas, e costumam desaparecer espontaneamente, sem necessidade de tratamento específico.
O tratamento costuma ser paliativo, ou seja, são remédios para tratar as dores e a febre. É preciso também manter as feridas limpas e cobertas para diminuir o risco de transmissão, além de garantir que o pacienten seja bem alimentado e se mantenha hidratado.
Casos mais graves e que necessitam de internação ocorrem com mais frequência entre crianças ou pessoas imunodeprimidas, segundo a OMS.
Prevenção. Deve-se evitar compartilhar objetos usados pela pessoa infectada, como lençol, toalha, roupa de uso pessoal, talheres e copos, antes que sejam lavados de maneira adequada.
“Os mesmos hábitos adotados contra a Covid-19, como a higienização das mãos e uso de máscaras faciais, são pertinentes contra a varíola dos macacos, assim como evitar relações sexuais com múltiplos parceiros”, explica Urbaez.
Medicamentos. A EMA (Agência Europeia de Medicamentos) aprovou em janeiro de 2022 o uso do tecovirimat — medicamento antiviral utilizado contra a varíola humana (smallpox) para combater o atual surto. O uso da droga ainda não conta com a aprovação do FDA (Food and Drug Administration, agência reguladora americana) contra a doença. Já no caso da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o medicamento sequer tem aprovação contra a varíola humana.
Vacinas. Os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Europeia passaram a imunizar grupos da população com vacinas que foram inicialmente desenvolvidas contra a varíola humana. Entre eles estão o imunizante MVA-BN (comercializado também com os nomes de Imvanex, Imvamune e Jynneos) e o ACAM2000. Ambos não contém o vírus da varíola e não causam a doença. Eles são fabricados a partir do vírus vaccinia (VACV), da mesma família da varíola. A diferença é que a MVA-BN usa uma versão atenuada e outra usa o vírus “vivo”, que é contraindicada, por exemplo, a pacientes imunossuprimidos.
O uso de imunizantes contra varíola humana teria uma taxa de eficácia de aproximadamente 85% para a doença causada pelo vírus MPV, segundo a OMS. O percentual, no entanto, foi extraído a partir de estudos observacionais. A organização até o momento não recomenda a vacinação em massa contra a doença.
Ainda não há disponibilidade de vacina contra a varíola dos macacos no Brasil. O Ministério da Saúde informou que tem “articulado com a OPAS/OMS as tratativas para aquisição da vacina varíola dos macacos, de forma que o Programa Nacional de Imunizações (PNI) possa definir a estratégia de imunização para o Brasil”.