🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Dezembro de 2019. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

O que é fato no pronunciamento de Natal de Bolsonaro

Por Ana Rita Cunha, Luiza Bodenmüller e Ana Freitas

26 de dezembro de 2019, 17h59

Em pronunciamento de Natal transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão na última terça-feira (24), o presidente Jair Bolsonaro repetiu pela 11ª vez em 2019 a informação falsa de que o seu quadro de ministros foi escolhido apenas de acordo com critério técnico. Desde a posse do presidente, essa é a declaração mais recorrente entre todas falas analisadas e compiladas por Aos Fatos em contador de informações falsas ou distorcidas proferidas por Bolsonaro.

Além dela, o presidente também errou ao afirmar que terminou o ano sem denúncias de corrupção e cometeu outras imprecisões em sua mensagem de Natal.

Veja abaixo o que checamos.

1. Não é verdade que os 22 ministros do governo Bolsonaro foram escolhidos apenas segundo critério técnico. Apesar de não ter recorrido a alianças com partidos no Congresso, a montagem do ministério seguiu, sim, critérios políticos na escolha de nomes, como dos ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Tereza Cristina (Agricultura), ligados à bancada ruralista no Congresso Nacional.

2. Também é falso que terminamos 2019 sem denúncias de corrupção, porque dois ministros e um dos filhos do presidente estão sendo investigados por irregularidades. Além deles, é apurada suposta fraude no Dnit-MG (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte de Minas Gerais).

3. É insustentável a afirmação do presidente de que houve um aumento significativo no número de turistas no Brasil, porque ainda não há dados públicos consolidados sobre a movimentação de turistas no país em 2019.

4. É impreciso ao falar em sucesso do agronegócio, porque apesar da produção do setor se recorde, o PIB agropecuário tem crescido em ritmo mais lento em 2019, e há registro de queda no valor exportado.

5. É impreciso dizer que o viés ideológico deixou de existir em nossas relações comerciais. Apesar de ter mantido a aproximação com a China e ampliado acordos com o país comunista, o governo Bolsonaro rompeu uma tradição de 27 anos ao deixar de condenar o embargo econômico dos EUA a Cuba.

6. O presidente também é impreciso ao falar que a economia tem números positivos. O PIB teve crescimento menor do que o registrado em 2018, houve queda nas exportações e estabilidade na taxa de desemprego. Por outro lado, a inflação caiu, a Selic atingiu o menor patamar da série histórica, e o déficit das contas públicas recuou.

7. É verdade que houve queda nos índices de criminalidade. Entre outros dados, os números de mortes violentas caíram 22% nos nove primeiros meses de 2019 em comparação com 2018 e houve queda nos casos de estupro (6,4%) e de tentativa de homicídio (6,6%), de janeiro a agosto de 2019 em comparação com o mesmo período de 2018.


FALSO

Tive a possibilidade ímpar de escolher 22 ministros pelo critério técnico.

A declaração de Bolsonaro é FALSA, porque a montagem da equipe ministerial seguiu critérios políticos. Ainda que o governo não tenha recorrido a alianças com partidos no Congresso, algumas bancadas temáticas influenciaram a escolha dos ministros.

Um exemplo é a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM), que se aliou ao presidente ainda durante a campanha eleitoral, quando a Frente Parlamentar para a Agricultura, da qual era líder, manifestou apoio a Bolsonaro. A escolha do nome da ministra foi anunciada em novembro de 2018, logo após reunião do gabinete de transição de Bolsonaro com parlamentares da bancada ruralista.

Foi também a afinidade com a bancada ruralista que levou à nomeação de Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente. Ainda em campanha, Bolsonaro defendeu a fusão da pasta com o Ministério da Agricultura. Após a eleição, voltou atrás, mas nomeou Ricardo Salles para o comando do Meio Ambiente com o aval dos representantes do agronegócio no Congresso.

A Frente Parlamentar Evangélica também declarou apoio a Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018 e garantiu influência na escolha de ministros. Uma das indicações foi Damares Alves para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Pastora, ela é ex-assessora parlamentar de Magno Malta, que, quando senador, foi integrante da bancada evangélica.

A pressão da bancada também interferiu na escolha do ministro da Educação. Inicialmente Bolsonaro cogitou o educador Mozart Neves Ramos, mas o nome foi criticado publicamente pelos evangélicos: "pelo que é sabido, ele tem um posicionamento ideológico totalmente diferente dos conceitos e princípios da bancada evangélica”, comentou à época, o deputado Ronaldo Nogueira (PTB-RS), ligado à Assembleia de Deus. Com as críticas, Ricardo Vélez, mais simpático às bandeiras evangélicas, foi nomeado.

Já o poder de barganha das Forças Armadas no atual governo fica evidente ao observarmos que militares ocupam hoje 7 dos 22 ministérios, além de cargos-chave no segundo escalão.


FALSO

Estamos terminando 2019 sem qualquer denúncia de corrupção.

A declaração é FALSA, porque ao menos dois ministros e um dos filhos do presidente tiveram seus nomes envolvidos em denúncias de corrupção em 2019.

Em outubro, o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), foi denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais por envolvimento em um suposto esquema de candidaturas laranjas do PSL em 2018. Segundo a denúncia, Álvaro Antônio teria criado candidaturas para enviar verbas públicas de campanhas a empresas ligadas ao seu gabinete. De acordo com o Ministério Público, pelo menos R$ 279 mil foram repassados a quatro candidatas que, juntas, tiveram menos de 2.000 votos. Além de presidir o diretório estadual do PSL no estado à época das eleições de 2018, o atual ministro foi o deputado federal mais votado de Minas Gerais.

Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, é investigado pelo Ministério Público de São Paulo por enriquecimento ilícito: entre 2012 e 2018, o seu patrimônio saltou de R$ 1,4 milhão para R$ 8,8 milhões. Durante esse período o ministro ocupou cargos no governo de Geraldo Alckmin (PSDB), primeiro como secretário particular, depois como secretário de Meio Ambiente. Em novembro, a Justiça determinou a quebra dos sigilos fiscal e bancário de Salles.

Já o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho do presidente, é alvo de três investigações paralelas. A última delas, instaurada em novembro pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, apura um possível caso de improbidade administrativa na contratação de assessores fantasmas em seu gabinete quando era deputado estadual.

Em outra frente, os procuradores investigam um suposto esquema de rachadinha no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Segundo o Ministério Público, parte dos salários de 13 funcionários era devolvida ao então deputado. O órgão identificou pelo menos 383 depósitos suspeitos que somam mais de R$ 2 milhões. A suspeita é que o dinheiro era lavado na compra de imóveis e também em uma loja de chocolates da qual Flávio Bolsonaro é sócio em um shopping do Rio de Janeiro.

Tanto os ministros como Flávio Bolsonaro, negam as acusações. Além deles, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte também tem sido alvo de investigação. Em agosto, uma operação conjunta entre a CGU (Controladoria-Geral da União) e a Polícia Federal debelou um esquema de fraude em licitações e contratos do órgão em Minas Gerais. O caso envolve suspeitas de superfaturamento, propinas, serviços de baixa qualidade e obras que não foram concluídas. As empresas investigadas firmaram contratos entre 2014 e 2019 com o Dnit-MG num montante de R$ 457 milhões.


INSUSTENTÁVEL

O aumento significativo no número de turistas (...) bem demonstram os novos rumos do Brasil.

A declaração de Bolsonaro é INSUSTENTÁVEL, porque ainda não existem dados públicos consolidados sobre movimentação de turistas no Brasil em 2019. Na página do ministério, é possível encontrar informações detalhadas do setor no anuário estatístico que tem dados de 2004 a 2018. A pasta também reúne registros sobre entrada de turistas no país desde 1989, mas a atualização é anual e ainda não constam dados sobre este ano.

O presidente já mencionou anteriormente o aumento significativo do número de turistas, referindo-se a dados preliminares divulgados pelo Ministério do Turismo sobre o impacto da medida de isenção de visto a cidadãos de Estados Unidos, Austrália, Canadá e Japão. Segundo a pasta, nos meses de julho e agosto, houve alta de 25% na vinda de turistas dos EUA, do Canadá e da Austrália, na comparação com os mesmos dois meses de 2018. Por outro lado, houve uma queda de 16% no número de visitantes do Japão.

Na página do Ministério do Turismo, os únicos dados de 2019 disponíveis são os de desembarques nacional e internacional, calculados pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). De janeiro a outubro, houve alta de 0,6% nos desembarques internacionais e de 1,1% nos nacionais, na comparação com mesmo período de 2018. Esse número inclui tanto residentes quanto não residentes no Brasil.


IMPRECISO

O sucesso (...) do nosso agronegócio (...) bem demonstram os novos rumos do Brasil.

Aos Fatos classificou esta declaração como IMPRECISA porque há conclusões díspares a depender do parâmetro usado para medir o desempenho do setor. Por um lado, houve recorde de produção do agronegócio, porém, se levarmos em consideração o PIB do setor agropecuário e o valor das exportações, a afirmação está equivocada.

A redução significativa do preço de produtos como soja e milho e o aumento dos custos de produção na safra de 2019 impactaram a receita do setor agrícola, segundo a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil). O resultado negativo da agricultura foi compensado em parte pelo aumento da exportação e dos preços de carnes bovina, suína e de aves, com maior demanda da China.

O PIB do setor agropecuário, calculado pelo IBGE, teve alta de 1,4% de janeiro a setembro de 2019, na comparação com o mesmo período de 2018. A alta, no entanto, está abaixo da taxa média de crescimento dos últimos 20 anos (3,6%) para o acumulado dos três primeiros trimestres. Em 2017, o agronegócio foi o principal motor da recuperação econômica, com um PIB do setor 12,5% maior do que o do ano anterior.

Com relação à exportação, de janeiro a novembro (último dado disponível), o setor agropecuário exportou US$ 40,4 bilhões, uma queda de 6,5% com relação ao mesmo período de 2018, segundo dados do Ministério da Economia. De 2000 a 2013, o agronegócio teve alta constante no valor exportador, passando por um período de queda entre 2014 e 2016. A partir de 2017, o setor agropecuário teve uma forte recuperação, com aumento de 18,4% e 14,4% nos valores exportados em 2017 e 2018, na comparação com os anos anteriores

Já a safra de 2018/2019 terminou com uma produção recorde de 240,9 milhões de toneladas de grãos, um aumento de 6,4% na comparação com a safra anterior, de acordo com levantamento de Produção Agrícola do IBGE. Ainda de acordo com os dados do IBGE, a produção de ovos até o terceiro trimestre também foi recorde, representando uma alta de 6,9% na comparação com o mesmo período de 2018. Já o abate de rebanhos bovino, suíno e de frangos registrou alta de 1,2% nos nove primeiros meses de 2019, ante mesmo período de 2018, segundo as estatísticas de produção pecuária do IBGE.


IMPRECISO

O viés ideológico deixou de existir em nossas relações comerciais (...) bem demonstram os novos rumos do Brasil.

A declaração é IMPRECISA, porque, apesar de ter mantido a aproximação do Brasil com a China e ampliado acordos com o país comunista, o governo Bolsonaro rompeu uma tradição de 27 anos ao deixar de condenar o embargo econômico dos EUA a Cuba.

Na Assembleia Geral da ONU realizada em novembro, o Brasil votou contra a resolução anual que condena o embargo pela primeira vez. Em uma série de tweets à época, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, defendeu o voto. "Chega de bajular Cuba. A influência que Cuba possui entre os países em desenvolvimento no sistema ONU é uma vergonha e precisa ser rompida", disse em um deles.

O alinhamento do governo Bolsonaro com o governo Trump também rendeu promessas de acordos comerciais em diversas áreas. Os benefícios concedidos pelo governo brasileiro incluem a ampliação da redução tarifária para o etanol e a isenção para importação de trigo norte-americano. Já os embates com a União Europeia, na esteira da crise das queimadas da Amazônia, e com a Argentina, devido à eleição de Alberto Fernández, ameaçaram o comércio com os países do bloco europeu e do Mercosul, mas nenhuma sanção ou rearranjo foi concretizado

Com relação à China, o presidente superou as críticas ao país, principal parceiro comercial do Brasil. e firmou uma série de acordos nas áreas de inovação, agricultura e transporte. Em outubro, Bolsonaro esteve com ministros em Pequim, onde se encontrou com empresários e com o presidente Xi Jinping, que retribuiu a visita vindo ao Planalto em novembro.

Durante a campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro fez diversas críticas à China. Em mais de uma ocasião o presidente disse que o país não estava comprando no Brasil, mas sim comprando o Brasil.


IMPRECISO

Os números positivos da economia (...) bem demonstram os novos rumos do Brasil.

Bolsonaro não especificou a quais indicadores se referia no pronunciamento de Natal. Ainda não existem dados fechados do ano de 2019, e a declaração foi classificada por Aos Fatos como IMPRECISA porque dados econômicos do Brasil até o terceiro trimestre mostram resultados tanto negativos quanto positivos. Por um lado, O PIB teve crescimento menor do que o registrado em 2018, houve queda nas exportações e estabilidade na taxa de desemprego. Por outro, a inflação caiu, a Selic, taxa de referência de juros, atingiu o menor patamar da série histórica, e o déficit das contas públicas recuou.

O PIB, calculado pelo IBGE, teve alta de 1% no acumulado dos três primeiros trimestres do ano, na comparação com mesmo período do ano passado. O resultado indica um crescimento mais lento do que o registrado em 2018 (alta de 1,3%). A crise da Argentina e a queda no preço da soja e do minério de ferro seguraram o crescimento do país, segundo a IFI (Instituição Fiscal Independente).

A menor demanda de produtos brasileiros na Argentina e os preços baixos das commodities impactam nas exportações. Até novembro de 2019, o Brasil exportou US$ 205,9 bilhões, 6% a menos que no mesmo período do ano passado.

A taxa de desemprego não teve melhora até o momento e ficou em 11,8% no penúltimo trimestre do ano, com 12,5 milhões de pessoas desocupadas, segundo dados do IBGE. Apesar disso, houve melhora da geração de empregos com carteira assinada. Segundo dados do Ministério da Economia, até novembro foram criadas 948,3 mil novas vagas, o melhor número desde 2013.

Em dezembro, o Banco Central reduziu a taxa Selic pela quarta vez consecutiva, atingindo 4,5%, o menor patamar desde 1999, início do uso da Selic.

Outro dado positivo da economia é a melhora das contas públicas. O déficit primário acumulado em 2019 atingiu de R$ 63,8 bilhões, menor do que os R$ 84,8 bilhões registrados no mesmo período de 2018.


VERDADEIRO

A queda dos índices de criminalidade, (...) bem demonstram os novos rumos do Brasil.

A declaração de Bolsonaro é VERDADEIRA. Tanto as estatísticas de homicídios quanto a de outros tipos de crimes apresentaram redução em 2019. Os dados mostram continuidade de uma tendência de queda iniciada em 2018.

De acordo com dados do Monitor da Violência do G1, as mortes violentas apresentaram uma redução de 22% nos nove primeiros meses de 2019 em comparação com o mesmo período de 2018.

O Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública), que apresenta os dados até agosto, mostra uma queda de 21,6% em homicídios, latrocínios e lesão seguida de morte nesse período, também em comparação com os oito primeiros meses de 2018. Já o número de roubos e furtos caiu 19% na mesma comparação, segundo os dados do órgão.

Ainda de acordo com o sistema do Ministério da Justiça, houve queda nos casos de estupro (6,4%) e de tentativa de homicídio (6,6%), de janeiro a agosto de 2019, comparados com mesmo período de 2018.

A tendência de queda nos índices de criminalidades existe desde 2018. No ano passado, por exemplo, houve uma queda de 13,7% nos números de homicídios, latrocínios e casos de lesão corporal seguidas de morte em comparação com 2017, de acordo com os dados do Sinesp.

Especialistas da área de segurança pública avaliam que não há uma única razão para a redução no número de homicídios. Recuperação econômica, ações de governos estaduais, mais efetivo policial nas ruas e menor conflito entre facções estão entre os fatores que podem explicar a queda nos últimos dois ano.


Referências:

1. Planalto
2. Aos Fatos
3. Frente Parlamentar da Agropecuária
4. G1 (Fontes 1, 2, 3, 4, 5, 6)
5. Band
6. O Antagonista
7. Estadão (Fontes 1, 2, 3, 4, 5)
8. Folha de S.Paulo (Fontes 1, 2, 3, 4)
9. CGU
10. Ministério do Turismo (Fontes 1, 2, 3, 4, 5)
11. CNA
12. IBGE (Fontes 1, 2, 3, 4)
13. Ministério da Economia
14. BBC
15. EBC (Fontes 1, 2, 3)
16. O Globo
17. Senado
18. Banco Central
19. Sinesp
20. Nexo
21. Congresso


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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