A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos e três meses de prisão na noite da última quinta-feira (11) por tentativa de golpe de Estado e outros crimes.
O tribunal já havia formado maioria no meio da tarde, quando a ministra Cármen Lúcia votou pela condenação de todos os réus. O último voto, do presidente da Turma, ministro Cristiano Zanin, fechou o placar em quatro a um.
Com o resultado, diversos usuários passaram a questionar nas redes qual o futuro do ex-presidente: quando ele será preso, onde cumprirá pena e se uma eventual anistia ou recurso judicial poderia livrá-lo da cadeia. Abaixo, Aos Fatos responde essas e outras perguntas:
- Quando Bolsonaro será preso?
- Onde Bolsonaro ficará preso?
- Como foi calculada a pena?
- Uma anistia poderia livrar Bolsonaro da prisão?
- Bolsonaro poderá concorrer às eleições, mesmo preso?
- Quem mais foi condenado junto com o ex-presidente?
1. Quando Bolsonaro será preso?
A defesa de Bolsonaro ainda tem recursos possíveis e, por isso, o ex-presidente não será preso de imediato.
Primeiramente, o STF precisa publicar o acórdão com a sentença, processo que pode demorar cerca de 40 dias. A partir de então, a defesa é intimada e tem cinco dias para apresentar os embargos de declaração, único recurso possível no caso e que não muda a condenação, segundo especialistas.
“Os embargos de declaração são um recurso que serve apenas para corrigir alguma eventual omissão ou contradição do voto. Isso não demora muito, deve levar uma ou duas semanas. Um mês, no máximo. São esclarecidas essas dúvidas e é publicada uma nova decisão”, explica Marcelo Figueiredo, professor de direito constitucional da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
A defesa de Bolsonaro avalia ainda a possibilidade de apresentar embargos infringentes — possíveis quando decisões do Plenário ou das Turmas não são unânimes.
Desde 2018, a corte fixou o entendimento de que esse recurso é cabível apenas quando há dois votos divergentes, o que não ocorreu. O regimento interno do STF, no entanto, não estipula um mínimo necessário de votos.
“Somente quando a Primeira Turma do STF se certificar de que não há mais nenhum recurso disponível às defesas, serão expedidos os mandados de prisão”, explicou o professor de direito penal do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais) Taiguara Libano.

Conversão. Bolsonaro está em prisão domiciliar desde agosto por ter descumprido medidas cautelares impostas por Moraes. De acordo com os especialistas, enquanto o processo não transitar em julgado, a expectativa é que o modelo se mantenha.
A prisão domiciliar pode ser convertida para o regime prisional, no entanto, caso o ex-presidente venha a desrespeitar alguma ordem judicial, explica o advogado criminalista Bruno Salles, sócio do escritório Salles Ribeiro Advogados.
O criminalista Marcelo Feller, sócio do Feller Advogados, acrescenta que o ex-presidente também pode ser preso caso haja risco iminente de fuga ou algum fato novo que coloque em risco o cumprimento da lei penal.
2. Onde Bolsonaro ficará preso?
O local em que o presidente será encarcerado ainda não foi definido. A decisão — que cabe ao relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes — só será tomada após o fim do processo, quando não houver mais possibilidade de recurso.
Segundo Marcelo Figueiredo, é provável que Bolsonaro cumpra a pena em uma “sala de Estado maior”, localizada na sede da Polícia Federal, em Brasília. O espaço seria similar ao local em que o presidente Lula (PT) foi encarcerado, em Curitiba, entre 2018 e 2019.
O ex-presidente também poderia ficar preso em outros locais, como:
- Uma cela especial no Centro Penitenciário da Papuda, na capital federal, já que a Lei das Organizações Criminosas determina que lideranças ou indivíduos que tenham armas à disposição devem iniciar o cumprimento da pena em estabelecimento de segurança máxima. Também é vedada a progressão de regime;
- Em um quartel do Exército, já que é capitão reformado. A Primeira Turma do STF pediu a retirada da patente de Bolsonaro, mas o pedido ainda precisa ser analisado pelo STM (Superior Tribunal Militar). Caso a solicitação seja acatada, a possibilidade de cumprimento de pena em unidade militar é descartada.
Em entrevista à imprensa, o advogado de Bolsonaro, Paulo Bueno, afirmou que a defesa planeja um pedido de prisão domiciliar devido à idade avançada e aos diversos problemas de saúde do ex-presidente — o que é possível, segundo Bruno Salles.
Há precedentes similares, como o do ex-presidente Fernando Collor. Condenado a oito anos de prisão em regime inicial fechado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Collor teve a prisão convertida para o regime domiciliar devido a seu estado de saúde.
3. Como foi calculada a pena?
Bolsonaro foi condenado a 27 anos e três meses de prisão pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado por violência ou grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
A dosimetria de cada pena foi a seguinte:
- Oito anos e dois meses por golpe de Estado;
- Sete anos e sete meses por organização criminosa;
- Seis anos e seis meses por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito;
- Dois anos e seis meses e multa por dano qualificado;
- Dois anos e seis meses e multa por deterioração do patrimônio tombado;
Bolsonaro também foi condenado ao pagamento de 124 dias-multa, sendo cada dia equivalente ao valor de dois salários mínimos vigente na época em que ocorreram os fatos. Caso seja levada em consideração a data dos ataques de 8 de Janeiro, a soma chegaria a R$ 320 mil.
O professor de direito constitucional da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Emilio Peluso Meyer explica que a pena é calculada caso a caso, levando em consideração a culpabilidade de cada agente com base no Código Penal. A dosimetria também leva em conta eventuais agravantes e circunstâncias atenuantes.
O advogado criminalista Henrique Attuch, do escritório Wilton Gomes Advogados, explica o processo:
“A pena é calculada em três etapas. Parte-se do mínimo legal — avaliando se, concretamente, o grau da culpabilidade do acusado no crime em concreto admite elevar o mínimo legal. Em seguida, verifica-se a existência de agravantes e/ou atenuantes, e, por fim, as causas de aumento ou de diminuição”, afirma o advogado.
Vale ressaltar que o ex-presidente teve suas penas atenuadas por conta da idade avançada, já que possui mais de 70 anos.
4. Uma anistia poderia livrar Bolsonaro da prisão?
Conforme explicado por Aos Fatos em reportagem anterior, há uma discussão entre juristas se Bolsonaro poderia ser anistiado.
Há uma movimentação no Congresso para tentar aprovar um projeto que garanta perdão aos condenados do 8 de Janeiro, incluindo o ex-presidente. A alegação dos bolsonaristas é que a Constituição não impede, textualmente, que crimes contra o Estado Democrático de Direito sejam perdoáveis por meio de graça ou indulto.
O STF, no entanto, já se posicionou contrariamente a essa tese em 2023, durante o julgamento da ADPF 964, que analisou o indulto do então presidente Bolsonaro ao ex-deputado federal Daniel Silveira. Na decisão dos ministros, uma pessoa condenada por atentar contra a democracia não poderia ser alvo de indulto.
Apesar de ser um dispositivo diferente, a anistia foi citada no voto da então relatora e ministra Rosa Weber, que apontou que a Constituição deixa implícita a necessidade de autodefesa do Estado Democrático de Direito:
“Tal cláusula de garantia torna, teleologicamente, insuscetíveis de graça, indulto ou anistia todos e quaisquer atos antidemocráticos, que, em sua essência, corroeriam os pilares da estrutura do ordenamento jurídico-político brasileiro”, afirmou a magistrada no voto.
Durante a votação da dosimetria na última quinta (11), o ministro Alexandre de Moraes repetiu esse entendimento, alegando que não há possibilidade de perdão judicial para os crimes contra a democracia.
Por isso, mesmo que o Congresso aprove uma anistia, o cenário, segundo especialistas, é que o projeto acabe tendo sua constitucionalidade questionada, cabendo ao STF decidir se o perdão é ou não válido.
5. Bolsonaro pode concorrer à eleição mesmo preso?
Não. Bolsonaro já foi declarado inelegível até 2030 em duas decisões do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que o condenaram por abuso de poder político ao atacar o sistema eleitoral em uma reunião com embaixadores e por fazer uso político das comemorações do 7 de Setembro de 2022.
Segundo o professor Emilio Peluso Meyer, a condenação da última quinta (11) poderá, inclusive, estender o prazo da inelegibilidade do ex-presidente.

Além disso, o criminalista Henrique Attuch explica que condenações criminais decretadas por órgãos colegiados fariam o ex-presidente ferir a Lei da Ficha Limpa (lei nº 64/1990), o que impediria uma eventual candidatura.
Um cenário semelhante aconteceu com Lula em 2018: o PT não só fez campanha como registrou a candidatura do então ex-presidente em agosto, mesmo que ele estivesse preso em Curitiba na época. O TSE, no entanto, indeferiu a candidatura no dia 1º de setembro, por violação da Lei da Ficha Limpa.
Fábio Wanderley, doutorando em direito pela UFF (Universidade Federal Fluminense), explica ainda que, enquanto perdurarem os efeitos da condenação, Bolsonaro terá seus direitos políticos suspensos, conforme disposto na Constituição. Isso também o impedirá de exercer o direito ao voto.
6. Quem mais foi condenado junto com o ex-presidente?
Além de Bolsonaro, também foram condenados:
- o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ);
- o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos;
- o ex-ministro da Justiça Anderson Torres;
- o ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) Augusto Heleno;
- o ex-ajudante de ordens Mauro Cid;
- o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira;
- e o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto.
Nos casos de Mauro Cid e Braga Netto, a condenação por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito foi unânime (5x0). O ministro Luiz Fux votou contra todas as outras condenações.
Já Alexandre Ramagem foi condenado por três crimes, uma vez que o STF já havia suspendido a ação penal por dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
A decisão se deu por conta de uma resolução aprovada pela Câmara dos Deputados, que determina que ações penais cometidas por parlamentares após a diplomação podem ser suspensas pelo Congresso
O caminho da apuração
Aos Fatos verificou as buscas que os usuários têm feito no Google por meio do Google Trends e do Answer The Public e selecionou as seis principais perguntas.
Para respondê-las, a reportagem consultou outros textos publicados pelo Aos Fatos e entrevistou os especialistas: Bruno Salles, Emilio Peluso Meyer, Henrique Attuch, Marcelo Feller, Marcelo Figueiredo, Fábio Wanderley e Taiguara Libano.
A equipe também acompanhou o julgamento de Bolsonaro e dos outros réus do núcleo central da trama golpista e transcreveu os votos por meio da ferramenta Escriba.




