IMPRECISO
Uma reavaliação da meta não é uma indicação do abandono do ajuste fiscal, de que está tudo resolvido e agora há uma licença para gastar. (…) Nossa avaliação é de continuar a disciplina fiscal até pela necessidade de estarmos atentos à dinâmica da dívida pública.
Quando o assunto é macroeconomia, é difícil contar com uma conjunção perfeita de números que permitam a qualquer presidente da República ou ministro de Estado afirmar que um ajuste produzirá efeitos imediatos. Já se desconfiava disso quando o governo projetou, no início do ano, a meta fiscal de 2015 para 1,19% do PIB (Produto Interno Bruto). Nesta semana, reduziu para 0,15%.
O que buscamos entender agora é o que o governo quer dizer com a afirmação "continuar a disciplina fiscal" — uma vez que, em vez de "continuar" as metas de austeridade de Joaquim Levy (Fazenda), o Palácio do Planalto anunciou foi sua revisão.
Veja como e por quê:
Levy e a economia
A estabilidade de qualquer economia é influenciada por vários fatores — externos, como o cenário internacional desfavorável às economias emergentes; e internos, como a atual crise política, a queda na arrecadação e o descontrole dos gastos públicos para um controle inflacionário efetivo. Ou seja, como as perspectivas externas já eram particularmente ruins, o que se tem de concreto é que o governo também não fez o dever de casa.
Reduzir a meta fiscal significa diminuir a estimativa de quanto o governo vai conseguir economizar no ano para pagar a dívida pública. O Planalto sempre soube que as metas fixadas ao fim de 2014 estavam sujeitas a mudança substanciais. O que não se quantificou foi a sangria que um Congresso hostil poderia causar, tanto atrasando votações quanto gerando mais gastos.
Os números em negrito a seguir mostram alguns dos motivos pelos quais a presidente Dilma Rousseff deu aval ao novo cálculo:
1. Segundo o Ministério da Fazenda, a receita líquida diminuiu R$ 46,7 bilhões, de R$ 1,158 trilhão para R$ 1,111 trilhão. Enquanto isso, as despesas obrigatórias tiveram aumento de R$ 11,4 bilhões. Isso resultou num rombo de R$ 58 bilhões entre a estimativa anterior do governo e a nova;
2. Dentro desse cálculo, entram as mudanças nas medidas provisórias do ajuste fiscal. A aprovação das medidas provisórias 664 e 665, que alteraram a concessão de pensão por morte, o seguro desemprego e o abono salarial, teve impacto reduzido depois de alterações no Congresso: o governo deixará de receber R$ 3,9 bilhões;
3. O governo também ainda não conseguiu votar o projeto que reduz a desoneração na folha de pagamentos de alguns setores, cuja medida provisória foi rejeitada pelo Senado em março e então modificada pelo Planalto. Com isso, deixou de arrecadar cerca de R$ 5 bilhões;
4. Em maio, além de não ter economizado, o governo apresentou deficit primário de R$ 6,9 bilhões. No acumulado dos últimos doze meses, houve deficit de R$ 38,4 bilhões — o equivalente a 0,68% do PIB.
(Fontes: Ministério do Planejamento, Ministério da Fazenda, Banco Central, Câmara dos Deputados, Senado Federal)
O resultado disso é que, se a União queria poupar R$ 66,3 bilhões no ano, agora só conseguirá economizar R$ 8,7 bilhões. O governo também vai bloquear despesas discricionárias em R$ 8,6 bilhões, num corte total de R$ 79,4 bilhões em todos os Poderes.
O Planalto agora tem como meta de superávit fiscal 0,7% do PIB em 2016. Para 2017, 1,3%. Em 2018, 2%. Estima ainda que o crescimento do PIB será de 0,5% em 2016. Para 2018, trabalha com 1,8%. Em 2018, 2,1%.
Os números mostram que a redução na meta fiscal poderá deixar o ajuste mais lento — contrariando Levy. Com menos economia, a dívida pública demorará mais a cair. Dívida pública alta, por sua vez, ameaça que o país perca seu grau de investimento, isto é, a avaliação de que o Brasil é bom pagador. Sem esse aval, o cenário mais provável é de fuga de investimentos externos, que o governo busca trazer para suprir a carência de crédito interno. A partir daí, o que veremos é a consequente alta do dólar, juros mais altos, endividamento do setor privado e, por fim, uma série de prejuízos que causam impacto generalizado no PIB.
Leia também: Governo inflou contas em R$ 40 bilhões
Levy e a política
Contestado no cargo pelo próprio PT, Levy vê dificuldades no Congresso ao negociar o ajuste fiscal. A influência do ministro na Câmara pode ser dimensionada nas votações das medidas provisórias 664 e 665. Foi nessa Casa que as propostas sofreram o maior número de alterações, que resultaram em menor economia para o governo.
Proporcionalmente, a articulação governista conseguiu evitar debandadas de partidos como PC do B, PMDB, PSD e PR. Mas, no PP e no PTB, sua rede de apoiadores se esgarçou.
Integrantes do PP se posicionaram, em sua maioria, contra a determinação do partido. A sigla orientou voto pelo 'sim', mas foram 17 a 10 e 19 a 11 para o 'não' na 664 e na 665, respectivamente.
Na 664, deputados do PTB votaram 11 a 10 pelo 'sim'. Na 665, 12 a 10. Não dá para dizer que é uma insurgência contra o ajuste fiscal, mas certamente confere ao processo um certo grau de imprevisibilidade, já que os deputados rebeldes margeiam a maioria absoluta.
Quando chegarmos ao segundo semestre, entretanto, as consequências da revisão da meta fiscal poderão impactar na articulação de novas medidas e gerar ainda mais prejuízo. O Congresso, por exemplo, deve analisar o veto presidencial ao reajuste do Judiciário — o que coloca a bomba no meio do caminho entre o Ministério da Fazenda e o Planejamento.
O governo também negocia um projeto para repatriar dinheiro enviado ao exterior ilegalmente. A Fazenda estima haver R$ 200 bilhões não declarados lá fora e quer usar fatia desse dinheiro para subsidiar a unificação do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) nos estados. Isso melhoraria a liquidez de unidades da federação mais pobres sem prejudicar as contas dos mais ricos — e que, por sua vez, arrecadam mais.
Outro pilar do ajuste fiscal é acelerar as concessões de ferrovias, rodovias, portos e aeroportos. O plano de logística do governo quer atrair dólares para o Brasil — o que diminuiria a pressão da moeda — e preencher a lacuna deixada por grandes construtoras e concessionárias brasileiras, hoje sob a mira do Ministério Público e da Polícia Federal.
A esfera de influência de Levy dará conta?
O chefe da Fazenda encontra dificuldades até mesmo dentro do próprio PT, crítico do ajuste defendido pelo ministro. As hostes paulistas defendem um ajuste à la Nelson Barbosa, titular do Planejamento, para quem Levy tem perdido a queda de braço desde o corte de R$ 69,9 bilhões no Orçamento — o ministro da Fazenda queria acima dos R$ 70 bilhões.
O anúncio de novos cortes tampouco é uma sinalização positiva ao ministro. No último dia 17, afirmava que a redução da meta fiscal era "ilusão" e que novos cortes estavam condicionados à arrecadação. Sofreu um revés significativo menos de uma semana depois.