Nunes e Boulos desinformam sobre Enel e apagão em São Paulo

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O apagão causado pela tempestade que atingiu a região metropolitana de São Paulo no último dia 11 dominou a pauta da penúltima semana de campanha à Prefeitura de São Paulo.

Apesar de convergirem nas críticas à atuação da concessionária Enel, os candidatos Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) omitiram e distorceram fatos para culpar outras pessoas.

Nunes tem criticado o governo federal e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), por supostamente não tomarem iniciativa para cassar a concessão da Enel, cuja atuação já havia sido criticada durante apagão ocorrido em novembro do ano passado.

Já Boulos acusa o prefeito de ter feito vista grossa à poda de árvores, que foram responsáveis por parte dos danos causados à fiação elétrica. O psolista também sugere que parte da culpa seria do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que indicou o atual diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Sandoval Feitosa Neto.

A seguir, Aos Fatos explica o que é fato nas declarações dos candidatos e a quem compete fiscalizar, regular e, se necessário, suspender o contrato com a Enel.

Lula mostra o indicador enquanto fala (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Culpa do Lula

O atual prefeito tem reiterado que o governo federal não estaria “fazendo nada”, já que caberia ao presidente Lula (PT) determinar uma intervenção administrativa na Enel.

“A intervenção será determinada por decreto do presidente da República” — Ricardo Nunes, durante debate da Band em 14.out.2024.

De fato, o contrato de concessão determina que o presidente pode pedir a intervenção administrativa por meio de decreto. O cenário, no entanto, não é tão simples como traça Nunes.

Mesmo que o Executivo ou a Aneel — autarquia independente ligada ao Ministério de Minas e Energia — decidam intervir, a lei determina a abertura de um processo administrativo, com prazo de 180 dias. Após esse período, caso não haja caducidade do contrato, a Enel manteria o direito de executar o serviço.

Já a rescisão do contrato só pode ser feita pela Aneel, que deve provar na Justiça falhas nos serviços prestados. Nesse caso, a concessionária tem direito de ampla defesa e o trâmite pode levar anos. Durante o desenrolar do processo, a Enel tem direito de seguir atuando na distribuição de energia elétrica em São Paulo.

Vale ressaltar que o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, já declarou que uma intervenção só será decretada se houver abertura de um processo legal pela agência reguladora.

Fiscalização. Durante o debate da Band, no último dia 14, Nunes também acusou o governo federal de ser responsável pela “concessão, regulação e fiscalização” da Enel, o que não é verdade:

  • A regulação do setor elétrico é papel da Aneel;
  • A fiscalização dos serviços também é responsabilidade da Aneel, que terceiriza parte das funções à Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo), vinculada ao governo estadual;
  • A concessão foi aprovada em 1998, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o contrato só pode ser rescindido pela Aneel.
Foto de Ricardo Nunes (Rovena Rosa/Agência Brasil)

Culpa do prefeito

O maior alvo de Boulos é o próprio Nunes. O candidato do PSOL acusa o prefeito de não fazer nada para encerrar o contrato com a Enel:

“Eu vou tirar a Enel de São Paulo. Porque para tirar a Enel de São Paulo precisa ter um prefeito com pulso, com firmeza” — Guilherme Boulos, em debate no dia 14.out.2024.

Essa alegação contém duas desinformações:

  • o prefeito de São Paulo não tem nenhuma ingerência sobre a concessão. Mesmo que Boulos assuma a prefeitura em 2025, ele não conseguiria modificar o contrato, que é gerido pela Aneel;
  • e Nunes pediu ao TCU e à Aneel, logo depois do apagão de novembro de 2023, a rescisão do contrato com a Enel.

Boulos também culpa Nunes por não ter realizado o manejo das árvores da maneira correta. O prefeito, por outro lado, defende que aumentou o volume de atendimentos desse tipo em sua gestão e que a responsabilidade é compartilhada com a Enel no caso da vegetação que fica próxima à fiação elétrica.

De fato, há um convênio entre a concessionária e a prefeitura que determina que, caso haja risco de choque elétrico, a poda é de responsabilidade dos técnicos da empresa, e não da gestão municipal.

Culpa das árvores. Durante uma entrevista, Nunes disse também que o atraso nas podas não agravou os danos à estrutura elétrica da cidade durante a tempestade, o que não é verdade.

“Não tem uma relação da questão da poda e o que está acontecendo na cidade” — Ricardo Nunes em entrevista no dia 16.out.2024.

A fala do prefeito é desmentida pela procuradora-geral de São Paulo, Marina Martinez, que emitiu um requerimento à Justiça no qual diz que os vendavais causaram a queda de 386 árvores. “Parte delas, por estarem próximas à fiação elétrica — e, por inércia da Enel, com manejos em atraso —, causaram a interrupção no fornecimento de energia”.

De acordo com o prefeito, 6.000 ordens de poda estariam atrasadas porque dependem da Enel. Levantamento do g1, no entanto, mostra que havia 14 mil pedidos pendentes na capital no final do primeiro semestre deste ano.

Já a concessionária forneceu números muito menores: em nota à imprensa, a Enel disse que responde atualmente por 1.800 solicitações e que 90% delas estão dentro do prazo — após o pedido, o serviço deve ser realizado em até 90 dias.

Foto do ministro Alexandre Silveira (Wilson Dias/Agência Brasil)

Culpa do ministro

Além de Lula, Nunes também acusa o ministro Alexandre Silveira de inação. O prefeito tem reiterado que o chefe da pasta estava na Europa na sexta-feira (11) — dia da tempestade — para tratar da renovação do contrato com a Enel.

“Os vagabundos não estão fazendo nada. Tanto a empresa como o ministério. Desculpe até falar assim, não seria o ideal. Mas chega uma hora em que você vai ficando amargurado. O ministério, esse ministro na faz nada. Nada. A não ser fazer reunião com a Enel para falar de renovação” — Ricardo Nunes, em entrevista à imprensa no dia 15.out.2024.

De fato Silveira, em um painel em Roma do qual participou também o diretor da Enel, Alberto de Paoli, citou a possibilidade de renovação da concessão da empresa no Brasil. Nunes, no entanto, omite que o evento aconteceu horas antes do temporal e que, após o caso, o ministro não voltou a falar em renovação.

Na verdade, conforme explicou Silveira em entrevista, a Enel só pode começar a negociar uma possível prorrogação contratual em 2026, dois anos antes do vencimento da concessão.

Foto mostra presidente da Aneel (José Cruz/Agência Brasil)

Culpa do Bolsonaro

Boulos também culpou o ex-presidente Jair Bolsonaro pela situação na capital:

“O presidente da Aneel, Sandoval, que ele citou, foi indicado pelo Bolsonaro, aliado dele. E que o Lula não pode tirar porque tem mandato fixo” — Guilherme Boulos, durante debate da Band em 14.out.2024.

Ainda que Sandoval Feitosa Neto, atual diretor-geral da autarquia, de fato tenha sido indicado por Bolsonaro em 2021, a fala de Boulos omite que o gestor é servidor de carreira da Aneel. Em 2018, durante o governo Temer, ele foi nomeado diretor, função que exerceu até 2022.

A indicação de Feitosa Neto foi sugerida pelo MME, na época comandado por Bento Albuquerque, e aprovada pelo Senado por 35 votos a 5.


Outro Lado

Aos Fatos procurou os candidatos Ricardo Nunes e Guilherme Boulos para que comentassem as alegações, mas não houve retorno até a publicação deste texto.

O caminho da apuração

Aos Fatos transcreveu o debate de segundo turno da Band e as entrevistas dadas por Ricardo Nunes e Guilherme Boulos após a tempestade do último dia 11. Identificamos e sistematizamos, então, os principais argumentos usados pelos candidatos durante a discussão sobre os responsáveis pelo apagão.

Para verificar as declarações, consultamos a legislação e documentos oficiais de órgãos públicos, como a Aneel, a Prefeitura de São Paulo, o Ministério de Minas e Energia e a Arsesp. Procuramos também por detalhes divulgados na imprensa para acrescentar o contexto referente aos desdobramentos do blecaute ocorrido em São Paulo.

Por fim, Aos Fatos procurou a assessoria dos dois candidatos via email.

Referências

  1. CNN Brasil (1 e 2)
  2. Aneel
  3. Valor Econômico
  4. Aos Fatos (1 e 2)
  5. Veja
  6. Prefeitura de São Paulo (1 e 2)
  7. g1 (1, 2 e 3)
  8. Terra
  9. UOL
  10. Senado

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