Os dois pré-candidatos mais bem colocados nas pesquisas para a Prefeitura de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL), têm usado desinformação para se defender de críticas de opositores e se esquivar de questionamentos feitos por jornalistas.
O prefeito Ricardo Nunes, por exemplo, negou em entrevista a existência de um boletim de ocorrência registrado por sua mulher contra ele, mas foi desmentido pelo governo estadual. O político também deu uma declaração falsa ao dizer que foi o responsável por zerar a fila da creche na capital — o marco foi registrado na gestão de Bruno Covas (PSDB).
Já Boulos enganou ao alegar que votou pelo arquivamento do processo sobre o suposto crime de "rachadinha" cometido por André Janones (Avante-MG) porque estava seguindo a jurisprudência da Comissão de Ética. O parlamentar também errou ao dizer que o evento do Dia do Trabalho no qual o presidente Lula (PT) fez campanha antecipada estava fora da agenda oficial.
De acordo com pesquisa Datafolha divulgada no início de julho, Nunes e Boulos estão em empate técnico, com 24% e 23% das intenções de voto, respectivamente.
Veja abaixo as checagens de quatro declarações recentes dadas pelos dois pré-candidados:
Ricardo Nunes (MDB)
‘A Regina já falou que ela não fez [boletim de ocorrência]. Ela contratou um advogado. Eu até separei o material para te entregar. O advogado entrou com uma petição falando que queria esse boletim de ocorrência assinado. Veio a resposta da delegacia que não existe esse boletim de ocorrência’ — em entrevista em 15.jul.2024.
A declaração foi dada por Nunes em resposta a um questionamento sobre o boletim de ocorrência que sua mulher, Regina Carnovale, registrou contra ele em 2011 por violência doméstica e ameaça. O emedebista negou que o registro exista e disse que ele teria sido “forjado”, o que é FALSO.
O documento (veja abaixo) foi entregue à Folha de S.Paulo em 2020. O jornal também encontrou na época publicações nas redes de Carnovale que narravam brigas entre os dois. À polícia, a mulher acusou Nunes de não aceitar a separação e de ameaçá-la “todos os dias”.
Logo após a declaração do prefeito, na última segunda-feira (15), a Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo confirmou a existência do boletim de ocorrência à Folha.
"O caso em questão foi registrado pela 6ª Delegacia de Defesa da Mulher, em fevereiro de 2011. Na ocasião, a vítima compareceu na unidade especializada para comunicar os fatos e a ocorrência foi encaminhada à Delegacia de Embu Guaçu, responsável pela área dos fatos", disse a nota.
A declaração de Nunes também contradiz a versão que ele mesmo apresentou em 2020. Quando a Folha publicou a denúncia, ele disse que Carnovale “estava emocionalmente abalada” na época, o que a “levou a falar coisas que não aconteceram”. A mulher também alegou que estava em um momento difícil e havia dito “coisas que não são reais”.
‘Nós zeramos a fila de vaga de creche’ — em entrevista em 15.jul.2024.
A declaração é FALSA, porque a fila da creche na cidade de São Paulo está zerada desde 2020, último ano do primeiro mandato de Bruno Covas (1980-2021). Naquela época, Nunes ainda era vereador e não integrava a administração municipal.
Conforme divulgado pela prefeitura, 2020 foi o primeiro ano na história da cidade em que só permaneceram na fila por vagas aqueles que haviam optado por matricular seus filhos em uma unidade específica. De acordo com a gestão municipal, foram criadas 91 mil vagas em creches ao longo do primeiro mandato de Covas.
É fato, no entanto, que a fila continua zerada durante o governo Nunes. Segundo texto institucional publicado pela prefeitura na Folha de S.Paulo no final de 2023, a rede municipal não registra fila de espera desde 2020.
‘53% é o número de mulheres na alta gestão do meu governo’ — em entrevista em 15.jul.2024.
A declaração é FALSA, porque apenas oito das 26 secretarias municipais (cerca de 30,7%) são comandadas atualmente por mulheres.
De acordo com o site da própria prefeitura, integram a equipe de governo:
- Ciça Santos, secretária de Assistência e Desenvolvimento Social;
- Lígia Lajantônio, secretária de Cultura;
- Eunice Aparecida, secretária de Desenvolvimento Econômico e Trabalho;
- Soninha Francine, secretária de Direitos Humanos;
- Marcela Arruda, secretária de Gestão;
- Silvia Greco, secretária de Pessoas com Deficiência;
- Marina Magro Beringhs, Procuradora-Geral do Município;
- E Elisabete França, secretária de Urbanismo.
A proporção cai ainda mais ao considerarmos também as secretarias executivas, a Controladoria-Geral do Município, a Procuradoria-Geral e a Secretária de Comunicação. Nesse caso, a participação feminina chega a 25% — há dez mulheres e 30 homens ocupando cargos de gestão.
‘Eu mandei para a Câmara o projeto que instituía uma série de ações no pós-pandemia. A criação da vila reencontro, o auxílio reencontro, a questão do armazém solidário, a questão do cozinha-escola, enfim. Quem votou contra? O PSOL’ — em entrevista em 15.jul.2024.
Nunes se refere ao PL 427/2022, enviado pela Prefeitura de São Paulo e aprovado pela Câmara Municipal em junho de 2022, que criava o Programa de Segurança Alimentar e Nutricional na capital. Como a bancada do PSOL de fato tentou evitar a votação e se posicionou contra o projeto, a declaração é VERDADEIRA.
O texto instituía uma série de ações destinadas a famílias de baixa renda, como a criação de armazéns com produtos com preços subsidiados, a distribuição de cestas básicas e refeições e o estabelecimento de uma moradia social transitória para acolhimento de pessoas em situação de rua.
Na avaliação dos vereadores da sigla de esquerda, o projeto teve a votação apressada e não foi discutido de maneira apropriada com organizações e movimentos sociais. Em nota, o partido afirmou que o texto trazia “soluções erradas, superficiais e que apelam para a caridade como política pública”.
No caso dos armazéns para distribuição de produtos a preços mais baixos, por exemplo, a crítica foi que o projeto permitia a concessão à iniciativa privada, “mesmo diante de tantas denúncias de ineficiência e corrupção”.
Também foi alvo de críticas o Auxílio Reencontro, pago aos que que se dispusessem a acolher pessoas em situação de rua. A bancada do PSOL na Câmara Municipal afirmou que a lei não citava os valores da bolsa, as formas de avaliação dos resultados ou as maneiras de evitar que as pessoas abrigadas fossem submetidas a situações degradantes.
Guilherme Boulos (PSOL)
‘A questão é que o Conselho de Ética da Câmara, do qual eu sou membro, tem uma jurisprudência que é a seguinte: você só pode julgar o deputado por algo praticado naquela legislatura’ — em entrevista em 20.jun.2024.
A declaração do pré-candidato, feita para justificar seu voto pelo arquivamento da investigação contra André Janones (Avante-MG) pela prática de “rachadinha”, é FALSA por uma série de motivos:
- No voto em que defendeu o arquivamento, Boulos comparou o caso do parlamentar ao de Rui Costa, cujo processo foi rejeitado por analisar fatos ocorridos antes de o político assumir mandato como deputado federal;
- Já no caso de Janones, o suposto crime de “rachadinha” teria sido praticado em 2019, quando o político já era deputado federal;
- Boulos também distorceu em seu voto um trecho da decisão do ministro do STF Luiz Fux que autorizava abertura de inquérito contra o deputado mineiro.
Em seu parecer, o pré-candidato — que era relator do caso na Câmara — defendeu o arquivamento da representação com base em outro caso julgado pela Comissão de Ética em 2014. Naquela época, era investigado um suposto crime cometido por Rui Costa (PT-BA).
Os deputados entenderam na ocasião que a Câmara não deveria apreciar o caso, já que as irregularidades teriam ocorrido não apenas antes da legislatura em curso, mas também antes de Costa se tornar deputado federal.
A partir do relato do caso do petista, Boulos defende que o suposto crime de Janones — que teria sido revelado em áudio divulgado pela imprensa — também teria sido cometido antes do início de sua carreira como parlamentar. O deputado cita como prova um trecho descontextualizado da decisão do STF que autorizava a abertura do inquérito contra o político e dizia que “‘pelo teor do áudio noticiado, [os fatos] seriam correspondentes às eleições municipais de 2016’”.
Na verdade, o que a decisão do STF diz é que Janones fazia menção no áudio a supostas dívidas contraídas nas eleições de 2016, quando concorreu à Prefeitura de Ituiutaba (MG). Nas linhas seguintes, o ministro Luiz Fux ressalta que a gravação teria sido feita em fevereiro de 2019, quando o político mineiro já era deputado — ainda que em mandato anterior ao atual.
Diferentemente do que aponta Boulos, também não há no Código de Ética e Decoro Parlamentar nenhuma norma que determine que só serão julgados casos ocorridos na legislatura em curso.
Outro lado. Procurada pelo Aos Fatos, a assessoria do pré-candidato afirmou que “a jurisprudência do Conselho de Ética considera apenas os casos ocorridos na atual legislatura” e que esse foi “o entendimento utilizado para que as representações relacionadas aos parlamentares acusados de envolvimento nos atos golpistas de 8 de janeiro não fossem acolhidas”.
Boulos se refere a pedidos protocolados pelo PSOL em fevereiro de 2023 e que não foram enviadas ao Conselho de Ética. Aos Fatos, no entanto, não encontrou evidências de que Lira não repassou as denúncias porque os fatos teriam ocorrido em outra legislatura. Na verdade, o presidente da Câmara alegou que não via relevância nos casos, porque foram atos “praticados em rede social”.
‘Acho que o presidente expressou a posição dele no 1º de maio, num ato das centrais sindicais, que não era ato oficial de governo, num feriado, que ele estava fora da agenda oficial, e expressou quem é o candidato dele’ — em entrevista em 12.jul.2024.
Em junho deste ano, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) condenou Boulos e o presidente Lula (PT) por propaganda eleitoral antecipada por conta de um discurso em que o petista pediu voto para o pré-candidato. Boulos argumenta que não houve irregularidade, porque o ato não foi organizado pelo governo e o presidente estaria fora da agenda oficial. Isso, no entanto, é FALSO.
Lula pediu voto para Boulos na disputa para a Prefeitura de São Paulo durante um evento organizado pelas centrais sindicais em 1º de maio, Dia do Trabalho. Diferentemente do que afirma o pré-candidato, o evento estava previsto na agenda presidencial (veja abaixo).
O discurso de Lula também foi transmitido ao vivo pelo canal da TV Brasil no YouTube, que exibe atos oficiais que tenham participação do presidente da República, e pelo canal de Lula. A transcrição da fala do presidente também está disponível no site do Planalto na seção “Discursos oficiais”.
Durante sua fala, Lula disse ter reclamado ao secretário-geral da Presidência, Márcio Macedo, que o evento foi mal convocado e que, por isso, teria tido menos público do que o esperado. Isso aponta que houve participação do governo na mobilização para o ato.
Outro lado. Em nota enviada ao Aos Fatos, a assessoria de Boulos afirmou que “o ato foi promovido e organizado pelas centrais sindicais. Não se tratou de um ato oficial do governo federal”.
‘A população de rua quase triplicou nos últimos três anos’ — em entrevista em 12.jul.2024.
Há duas estimativas sobre a população de rua da capital paulista e nenhuma delas registra o aumento sugerido por Boulos. Portanto, a declaração é FALSA.
Segundo a última Pesquisa Censitária da População em Situação de Rua na Cidade de São Paulo, feita pela Qualitest a pedido da prefeitura, havia 31.884 pessoas em situação de rua em 2021. O levantamento anterior, feito em 2019, identificou 24.344 pessoas nessa situação. O aumento, portanto, foi de 30%. Não há dados mais recentes.
Já de acordo com o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), havia ao fim de 2023 80.369 pessoas em situação de rua na capital paulista. Em 2021, três anos atrás, o total de pessoas nessa mesma situação era de 37.200. O aumento, portanto, é de 116%, o que indica que a população em situação de rua pouco mais que dobrou, mas não triplicou.
‘O que eu não consigo entender é o atual prefeito [Ricardo Nunes], no dia seguinte da operação da Polícia Civil numa empresa que o dono tinha sido preso com arma e com ligação com o crime, foi fazer um vídeo declarando que essa empresa era boa e prestava um excelente serviço’ — em entrevista em 12.jul.2024.
Boulos se refere às operações da Polícia Civil de São Paulo que prenderam dirigentes da Transwolff e da UPBus por suspeita de envolvimento com o PCC (Primeiro Comando da Capital). As empresas, que operavam linhas de ônibus na capital paulista, eram supostamente usadas pela facção para lavar dinheiro do crime organizado. A declaração é VERDADEIRA.
Em abril, foram presos dois responsáveis pela Transwolff e um pela UPBus, além de um homem que não estava relacionado ao caso, mas que foi encontrado portando ilegalmente uma arma de fogo em um dos endereços que foram alvo de busca e apreensão.
No dia 10 de abril, um dia depois da operação, Nunes gravou um vídeo na garagem da UPBus dizendo que a empresa tinha “índices operacionais bastante satisfatórios” e que a prefeitura se preocupava com a entrega do serviço. A gravação foi publicada nos stories do prefeito no Instagram.
Dois meses mais tarde, em junho, a polícia apreendeu 23 armas de fogo que pertenciam ao presidente afastado da UPBus, Ubiratan Antonio da Cunha. Ele foi preso preventivamente em julho após descumprir medidas cautelares.
Outro lado
Aos Fatos procurou as assessorias de Boulos e Nunes para que os pré-candidatos pudessem se posicionar sobre as checagens. Boulos enviou comentários sobre duas declarações verificadas (veja aqui e aqui) e Nunes não retornou o contato.
O caminho da apuração
Aos Fatos vem acompanhando as declarações dos pré-candidatos em entrevistas e sabatinas desde o início do mês. As frases que contêm dados e informações verificáveis são separadas e sistematizadas em uma planilha, e mais tarde categorizadas por tema. Por meio de apurações preliminares, verificamos que havia desinformação em algumas das alegações mais recentes e decidimos selecioná-las para a reportagem por critério de relevância.
Todas as declarações foram checadas a partir de dados presentes em bases públicas da Prefeitura de São Paulo e informações divulgadas pela imprensa. Terminada a apuração, procuramos as assessorias do prefeito Ricardo Nunes, contatado via email oficial da Secretaria de Comunicação, e do deputado Guilherme Boulos, procurado via WhatsApp.