Indicado por Jair Bolsonaro nesta segunda-feira (8) para chefiar a Educação, o economista Abraham Weintraub já deu uma série de declarações controversas. Em vídeo publicado no canal de YouTube do presidente em setembro de 2018, ele afirma que não há relação direta entre homicídios e armas de fogo, contrariando a maioria dos estudos disponíveis hoje; distorce os fatos ao dizer que as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) foram “convidadas de honra” do PT no Foro de São Paulo; e minimiza as mortes causadas por intervenções policiais no Brasil, na contramão dos dados.
Confira, abaixo, o que checamos.
A arma de fogo e o homicídio não têm uma relação direta.
É extensa a literatura acadêmica que trata da relação entre a circulação de armas de fogo e o número de homicídios, e a maioria das obras é contrária à tese “mais armas, menos crimes”, como Aos Fatos já mostrou. Ou seja, entre as pesquisas existentes, há indicações claras de que a disponibilidade de armamento de fogo exerce influência, de fato, sobre a taxa de mortes violentas, ao contrário do que afirmou o novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, no vídeo.
Em outubro de 2017, o doutorando em economia Thomas Conti revisou a literatura publicada sobre armas e violência em um período de cinco anos e traduziu os resumos de 61 pesquisas publicadas entre 2013 e outubro de 2017. Conti deu preferência a artigos já publicados ou em vias de publicação em periódicos acadêmicos de qualidade e com revisão por pares.
O levantamento concluiu que 90% das revisões de literatura rejeitam a teoria de que mais armas em circulação reduzem a violência. Das 10 revisões ou meta-análises publicadas em periódicos com revisão por pares entre 2012 e 2017, nove concluíram que a literatura empírica disponível é amplamente favorável à conclusão de que a quantidade de armas gera efeitos sobre os homicídios, a violência letal e alguns outros tipos de crime. Inclusive, segundo ele, o melhor estudo internacional, "mais metodologicamente rigoroso", seria 100% contrário à tese.
Além das revisões de literatura, Conti identificou 34 publicações de estudos empíricos com conclusões contrárias à ideia “mais armas, menos crimes” e sete a favoráveis à alguma versão dessa hipótese. Quando se trata do Brasil, as pesquisas nacionais corroboram amplamente a hipótese de que o crescimento do número de armas está associado com aumento de crimes e/ou de violência.
Em 2007, um estudo do Ministério da Saúde mostrou que, de 2003 a 2006, depois da sanção do Estatuto do Desarmamento, a cada semestre foi observada uma redução significativa no número de mortos por arma de fogo. No ano de 2003 morreram 39.325 pessoas, e os números foram caindo até chegarem a 24.648 em 2006. A queda de 4.677 óbitos no período representa 12% de diminuição, considerando números absolutos. O risco de mortalidade por arma de fogo era de 22 por 100 mil habitantes em 2003, e caiu para 18 em 2006, passando para uma proporção de 18/100 mil.
Em 2015, o economista e pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Daniel Cerqueira afirmou que o estatuto rompeu com a escalada dos homicídios desde 1980 — de 1995 a 2003, a taxa de homicídio cresceu 21,4%, enquanto de 2003 a 2012 evoluiu 0,3%. Segundo sua análise, nos três estados com maior diminuição dos homicídios nos anos 2000 (SP, RJ e PE), houve também maior redução na difusão de armas de fogo. Já os três estados com maior elevação das taxas de homicídios (PA, MA e BA), não houve diminuição da difusão de armas de fogo.
Em 2017, Cerqueira publicou o estudo "Menos Armas, Menos Crimes", em que analisou estatísticas do estado de São Paulo entre 2001 e 2007 e concluiu que um aumento de 1% no número de armas em circulação provocaria um crescimento de 2% nos homicídios.
Dados do Ministério da Saúde mostram ainda que o ritmo de crescimento de assassinatos no país desacelerou depois que entrou em vigor o Estatuto do Desarmamento, em 2004, de acordo com a Folha de S.Paulo. Entre 1996, primeiro ano da série histórica do Datasus, e 2003, ano em que foi publicado o estatuto, a média de crescimento anual da taxa de mortes por agressão foi de 2,22% ao ano. De 2004 em diante, após a restrição do acesso às armas, a média de crescimento anual foi para 0,29%. A taxa, no entanto, variou consideravelmente ano a ano, com aumento expressivo a partir de 2012.
As Farc foram convidadas de honra do PT no Foro de São Paulo.
Há indícios da participação de integrantes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em ao menos dois encontros anuais do Foro de São Paulo, em 1996 e em 2000. Porém, não há como provar que a guerrilha era "convidada de honra" do PT nos eventos, o que torna FALSA a declaração do ministro Weintraub.
Em 2003, Raul Reyes, considerado porta-voz e “número 2” das Farc, disse, em entrevista à Folha de S.Paulo, ter se encontrado com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na VI edição do Encontro do Foro de São Paulo, em San Salvador, capital de El Salvador, em 1996. A presença do líder das Farc no evento daquele ano é atestada ainda por relato do ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez, sobre a morte de Reyes em 2008. Na gravação, o venezuelano erra o ano do encontro ao dizer que havia ocorrido em 1995, e não em 1996.
Já uma lista de participantes do IX Encontro do Foro de São Paulo, realizado em Manágua, na Nicarágua, em 2000, indica a Farc e também o ELN (Exército de Libertação Nacional), considerado o segundo maior grupo rebelde da Colômbia, entre as organizações presentes no evento daquele ano. A página não está mais no ar, mas pode ser acessada pela ferramenta WayBack Machine, como alertou por e-mail um leitor ao Aos Fatos nesta terça-feira (9) após a publicação desta checagem. As organizações não constam na lista de membros que figura hoje no site do Foro de São Paulo.
Tais indícios, porém, não bastam para sustentar que a guerrilha seria uma convidada de honra do PT no fórum, como faz o ministro da Educação no vídeo. Além de fatores que indicam aproximação entre o partido e a guerrilha, há outros que expõem distanciamento. Em 2004 e 2005, por exemplo, representantes das Farc foram barrados pelo PT em seminários do Foro na Nicarágua e no Brasil, segundo reportou em maio de 2008 a Folha de S.Paulo.
No livro Foro de São Paulo: construindo a integração Latinoamericana e Caribenha, de Roberto Regalado e Valter Pomar, não há registro de que as Farc teriam participado dos encontros de fundação. Neles, a Colômbia foi representada por dois partidos: o Partido Comunista Colombiano e a União Patriótica. As Farc são citadas no documento, no entanto, como um tema discutido pelo Foro. Um dos objetivos da organização era tentar dialogar com a guerrilha para que o governo e as Farc chegassem a um “acordo que ajude a pôr fim a uma guerra que dura mais de 40 anos”. O acordo de paz ocorreu em 2016 e hoje as Farc são um partido político denominado Força Alternativa Revolucionária do Comum.
O Foro de São Paulo é alvo costumeiro de ataques de Olavo de Carvalho e de seus seguidores. No livro O que você precisa saber para não ser um idiota, Olavo escreve: “Ele [o Foro] reúne mais de uma centena de partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à indústria dos sequestros, como as Farc e o MIR chileno, todas empenhadas numa articulação estratégica comum e na busca de vantagens mútuas. Nunca se viu, no mundo, em escala tão gigantesca, uma convivência tão íntima, tão persistente, tão organizada e tão duradoura entre a política e o crime”.
Em 2010, o secretário-executivo do Foro de São Paulo, Valter Pomar, negou vínculo do grupo com a hoje ex-guerrilha colombiana: “as Farc não participam e nunca participaram do Foro de São Paulo”.
Menos de 1.500 mortes por ano são em confronto com a polícia, isso é menos de 1% do total.
No vídeo, Abraham Weintraub não revela de onde extraiu os dados que cita sobre letalidade policial, tendo abordado apenas um documentário sobre violência produzido pelo jornal O Globo. A produção utiliza dados sobre mortes no país em 2014, mas não a respeito dos homicídios causados por policiais. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2015, que traz informações sobre o ano anterior, mais de 3 mil pessoas morreram em ações policiais naquele ano, de um total de 58.497 vítimas de mortes violentas no país. O número de mortos pela polícia representa mais de 5% do total.
Três anos depois, em 2017, o número de mortos pela polícia quase dobrou, chegando a 5.159, de acordo com a última edição do Anuário de Segurança Pública. Sendo assim, o percentual em relação às 63.880 mortes registradas foi de 8%. Isso faz da morte por intervenção policial a segunda maior causa de assassinatos no Brasil, passando o número de feminicídios e até de latrocínios.
É importante ressaltar que o número pode ser ainda maior: para o Olerj (Observatório Legislativo da Intervenção Federal no Rio de Janeiro), os dados “sugerem uma subnotificação significativa”, uma vez que “o perito que registra o óbito no Instituto Médico Legal não dispõe de informações sobre como aconteceu a morte, ao contrário das instituições policiais, a quem interessa registrar corretamente o evento”. Essa visão é compartilhada pela diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno. Segundo ela, o correto é usar "ao menos tantos mortos" nos números divulgados pelos anuários.
Segundo a ONG Anistia Internacional, a polícia brasileira é a que mais mata e a que mais morre no mundo. Em 2016, o anuário registrou 386 mortes. Essa cifra, no entanto, caiu no último ano, chegando ao número absoluto de 367 homicídios. A maioria dos policiais mortos são assassinados fora do serviço. Considerando os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 74% dos policiais foram assassinados fora de serviço em 2016.
*Esta checagem foi alterada às 22h05 do dia 9 de abril de 2019 para inclusão da lista de participantes do IX Encontro do Foro de São Paulo, enviada por leitor, e de informações publicadas pela imprensa a respeito da relação entre as Farc, o PT e o Foro de São Paulo.