As “notas da comunidade”, sistema que deverá substituir o programa de checagem de fatos independente na Meta — empresa dona de Instagram, Facebook e WhatsApp —, não são eficientes para combater a desinformação nas redes, apontam estudos sobre o tema.
No sistema de “notas da comunidade”, os próprios usuários são responsáveis por acrescentar contexto ou apontar erros em posts nas redes sociais. O modelo é adotado pelo X (ex-Twitter) desde 2022, ano em que a rede foi comprada por Elon Musk, e desde 2023 passou a ser a única ferramenta de moderação de conteúdo na plataforma.
O argumento da empresa foi de que o sistema seria mais bem aceito por usuários, por ser baseado em colaboração mútua.
A ideia teve respaldo em artigo de pesquisadores das Universidades de Illinois e Rochester, publicado em novembro 2024. O estudo indicou que as “notas da comunidade” aumentariam a probabilidade de retração voluntária de autores de posts falsos.
Mas não foi bem assim:
- Segundo o Poynter Institute, até meados de 2023, 122 mil notas de comunidade haviam sido enviadas ao Twitter, das quais apenas 10 mil foram exibidas aos usuários na plataforma.
- Estudo publicado por pesquisadores da Universidade de Luxemburgo e de Melbourne, na Austrália, em agosto de 2024, não encontrou evidências de que, no X, as “notas da comunidade” tenham reduzido o engajamento de posts enganosos;
- Durante as eleições para a presidência dos Estados Unidos, a ferramenta também não se mostrou eficaz no combate à desinformação: menos de 7,4% das notas propostas relacionadas à eleição foram mostradas ao público.
Além de ineficiente, o sistema apresentou falhas que permitiram que ele fosse capturado por grupos para uso político. Em 2023, Aos Fatos reportou dois episódios em que as notas foram utilizadas para ataques coordenados:
- Usuários classificaram como falso post sem desinformação do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) sobre o PL 2630/2020;
- Uma nota transfóbica e desinformativa foi adicionada a um post do jornal O Globo que noticiava a agressão de uma mulher trans na Itália.
Reportagem da revista Wired também revelou falhas do sistema, como usuários que utilizavam contas diferentes para acessar as notas de comunidade — podendo votar mais de uma vez em classificações, por exemplo.
“Ao longo dos últimos anos, a gente tem visto um pouco a utilização de notas de comunidade como uma ferramenta para tentar disputar posicionamentos”, relata a pesquisadora Bruna Santos, da Coalizão Direitos na Rede.
Eficácia do fact-checking. Por outro lado, o programa de parceria com checadores de fatos independentes — que será substituído pelas notas de comunidade — demonstrou eficiência no combate à desinformação.
- Quase 19 milhões de publicações foram marcadas como enganosas por checadores de fatos independentes na União Europeia no terceiro trimestre de 2024, segundo relatório de transparência da Meta compartilhado com países do bloco;
- Dessas, cerca de 170 mil, que representam menos de 1%, foram alvos de disputa — quando o usuário responsável pelo post marcado recorre sobre a marcação — e apenas 5,4 mil tiveram a marcação revertida.
“Ter pessoas especializadas pesquisando e investigando a veracidade das afirmações factuais produz resultados muito robustos", afirmou o coordenador da Rede Europeia de Padrões de Fact-Checking, Stephan Mundges, em post nas redes sociais.
A divulgação dos dados foi feita conforme exigência da Lei de Serviços Digitais do bloco europeu. Por isso, não há dados disponíveis sobre o programa em outras localidades.
No Brasil, a pedido do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a Meta também disponibilizou relatório com medidas adotadas para “para salvaguardar a integridade do processo eleitoral” durante as eleições municipais deste ano. Entre elas, citou a parceria com as agências de checagem.
“A Meta continuará a investir em parcerias (inclusive com jornalistas, acadêmicos e verificadores independentes de fatos) para ajudar a reduzir a distribuição de notícias e informações falsas, bem como para informar melhor as pessoas sobre o conteúdo que encontram on-line”, declarou a big tech.
Outros comunicados e textos oficiais da empresa sobre a parceria ao longo dos últimos anos foram elogiosos. O programa foi citado como fundamental nos esforços da empresa para combater desinformação em diferentes eleições, guerras — como o conflito entre Israel e Hamas, Rússia e Ucrânia — e outros eventos de crise.
“Estamos empenhados em combater notícias falsas através de uma combinação de tecnologia e análise humana, incluindo a remoção de contas falsas, parcerias com verificadores de factos e promoção da literacia noticiosa. Este esforço nunca terminará e temos muito mais a fazer”, prometeu a Meta em comunicado publicado em junho de 2018, ao anunciar a ampliação do programa de fact-checking.
Esforços conjuntos. Pesquisa divulgada durante a 18ª Conferência Internacional sobre Web e Mídia Social no ano passado concluiu que contribuidores de notas de comunidades no Twitter e checadores profissionais se concentram em alvos diferentes ao verificar o conteúdo das mídias sociais.

Assim, o estudo sugere que diferentes abordagens de verificação de fatos se complementam e podem ajudar os fornecedores de redes sociais a otimizar estratégias para combater a desinformação nas suas plataformas. Essa também era a abordagem da Meta:
“Acreditamos que combinando a expertise de checadores de fatos independentes com um grupo de usuários revisores da comunidade, nós podemos avaliar a desinformação mais rapidamente e progredir reduzindo sua prevalência no Facebook”, dizia comunicado da empresa de dezembro de 2019, que já não vale mais.
O caminho da apuração
Aos Fatos levantou estudos e dados oficiais sobre o sistema de notas de comunidade no X e do programa de fact-checking da Meta. Também buscamos posicionamentos das empresas sobre o assunto e consultamos especialistas em checagem de fatos e direito digital.