🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Junho de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Não há evidências de que o uso prolongado de máscaras torna o sangue ácido

Por Luiz Fernando Menezes

23 de junho de 2020, 13h37

Um médico em vídeo que circula nas redes sociais engana ao alegar que o uso prolongado de máscaras de proteção torna o sangue ácido pelo aumento da concentração de gás carbônico (veja aqui). O processo, chamado de hipercapnia, realmente ocorre quando há inalação de grande quantidade de CO₂, mas, segundo o Ministério da Saúde e especialista ouvido por Aos Fatos, isso não aconteceria com as máscaras hoje recomendadas, pois elas têm poros que permitem as trocas gasosas na respiração.

Afirmações enganosas semelhantes já circularam em outros países, como EUA e Tailândia, e foram desmentidas por iniciativas de checagem locais. No Brasil, publicações com o conteúdo enganoso circulam principalmente no WhatsApp e no Facebook e reuniam mais de 290 mil compartilhamentos até a tarde desta terça-feira (23). Todas as postagens foram marcadas com o selo FALSO na ferramenta de verificação da última rede social (entenda como funciona).


FALSO

Com a máscara, o gás carbônico não sai com facilidade e na próxima vez que vocês põem o ar no pulmão, nos pulmões, vocês vão levar partículas de gás carbônico novamente para dentro dos pulmões. Essas partículas voltam para o sangue, na hematose, na troca gasosa. E esse gás carbônico, misturando então com a água, novamente forma o ácido carbônico, que acidifica o seu sangue. E acidificando o sangue nós vamos ter o meio propício, ideal, para o vírus.

Circula nas redes sociais um vídeo em que um médico afirma que o uso prolongado de máscaras de proteção causa a acidificação do sangue, ou hipercapnia, pelo aumento da inalação de gás carbônico, e que, por isso, elas não devem ser usadas de forma constante. Ainda segundo o autor da gravação, essa acidificação criaria um ambiente propício para a sobrevivência do vírus no corpo. O Ministério da Saúde e especialista ouvido por Aos Fatos, no entanto, afirmam que essas alegações não procedem.

Em nota, o Ministério da Saúde disse que a fala do médico não possui embasamento científico, uma vez que as máscaras apresentam poros que permitem as trocas gasosas.

O professor do Instituto de Biociências da USP (Universidade de São Paulo) Daniel Lahr também ressalta a falta de evidências de que o uso de máscaras cause o efeito citado na peça de desinformação. Para ele, sequer há fundamento no argumento de que o sangue ácido facilitaria a presença do novo coronavírus no corpo: “o vírus se replica no epitélio [superfície externa dos órgãos], não no sangue”.

Segundo o professor, as máscaras são feitas para permitir a respiração ao mesmo tempo em que filtram o ar. “Se está muito difícil de respirar, está usando uma máscara inadequada, com tecido muito grosso”, disse.

Em busca nas bases de estudos da OMS (Organização Mundial de Saúde), da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e do NCBI, Aos Fatos não encontrou nenhum artigo que relacionasse o uso prolongado de máscaras à acidez do sangue. Há apenas um estudo que aponta que, durante exercícios, o uso de máscaras pode aumentar a concentração de CO₂ e causar desconforto em algumas pessoas.

A desinformação de que o uso de máscaras causa acidificação do sangue não circula apenas no Brasil. Peças que fazem afirmações semelhantes foram compartilhadas também em redes norte-americanas e tailandesas.

Uso de máscaras. As máscaras são indicadas tanto pelo Ministério da Saúde quanto pela OMS porque funcionam como uma barreira física para gotículas expelidas, por exemplo, durante a fala ou a respiração, o que reduziria a possibilidade de infecção pelo novo coronavírus.

Segundo o ministério, “o uso das máscaras caseiras faz especial sentido quando houver necessidade de deslocamento ou permanência para um espaço onde há maior circulação de pessoas”.

Já a OMS afirma que estudos com outras doenças infecciosas, como a influenza, mostram que “as vantagens potenciais do uso da máscara por pessoas saudáveis ​​na comunidade incluem a redução do risco potencial de exposição da pessoa infectada durante o período 'pré-sintomático'”. Segundo a organização, no entanto, a máscara sozinha não é totalmente eficaz na prevenção da doença. As pessoas também devem seguir medidas de higiene, principalmente das mãos, e evitar aglomerações.

Vale ressaltar que as autoridades de saúde orientam a população a não manusear as máscaras durante o uso, porque tocá-las sem a devida higienização das mãos pode levar o vírus ao nariz ou à boca. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) recomenda, ainda, que as máscaras sempre devem ser removidas pelas abas ou elásticos das orelhas, e que o usuário nunca toque na parte frontal do equipamento.

Autoria. O homem no vídeo é João Carlos Luiz Vaz Marques Leziria, médico formado pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e que possui cadastro ativo no CFM (Conselho Federal de Medicina). Ele também foi candidato a deputado federal pelo Rio de Janeiro nas eleições de 2018 pelo PSDB, e obteve 936 votos.

Leziria é autor de um outro vídeo com informações enganosas referentes à eficácia da cloroquina que circulou nas redes sociais em meados de maio deste ano e foi checado pelo Comprova. Em sua fala, ele fazia afirmações que iam contra as orientações das autoridades de saúde, como aconselhar as pessoas a saírem às ruas “sem medo de se contaminar”.

Contatado por Aos Fatos por telefone, Leziria disse que o Ministério da Saúde está errado e que, na respiração com a proteção, “não tem como você se livrar do gás carbônico dentro da máscara. Você expõe e imediatamente você respira. Não tem como o gás carbônico se desvencilhar ali”. O médico ainda afirmou que fez doutorado na Alemanha e que exerce a profissão há 48 anos.

Em maio, uma peça de desinformação que circulou nas redes sociais alegava que o uso prolongado das máscaras de proteção poderia causar hipóxia (insuficiência de oxigênio no sangue), o que também não é verdade, como Aos Fatos checou.

Referências:

1. ABC.med
2. Anvisa
3. OMS (Fontes 1 e 2)
4. Ministério da Saúde
5. Prefeitura de São Paulo
6. Prefeitura do Rio de Janeiro
7. Apunts Sports Medicine
8. NCBI
9. Fiocruz
10. CFM
11. TSE
12. Aos Fatos


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Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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