O trecho de uma declaração do diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Ghebreyesus, tem sido usado em publicações nas redes sociais para sustentar, de maneira enganosa, que ele teria recuado da recomendação de isolamento social já adotada por uma série de países para deter o novo coronavírus. Na fala destacada pelas postagens, o executivo alerta, de fato, que os governos devem considerar os impactos sociais e econômicos do confinamento sobre a população mais pobre, mas não defende o fim ou o relaxamento dessas medidas.
A declaração foi proferida por Ghebreyesus em entrevista coletiva na última segunda-feira (30) e, desde então, tem sido usada por perfis alinhados ao bolsonarismo como prova de um suposto recuo da OMS em direção a um posicionamento próximo ao de Jair Bolsonaro contra o isolamento social. A interpretação enganosa da fala do diretor-geral foi disseminada, inclusive, pelo próprio presidente Bolsonaro em pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão na noite desta terça-feira (31), em publicações nas redes sociais e em entrevista e pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) no Twitter.
No Facebook, publicações que reproduzem essas distorções acumulavam ao menos 100 mil compartilhamentos nesta quarta-feira (1) e foram marcadas com o selo FALSO na ferramenta de verificação disponibilizada pela rede social (saiba como funciona).
Diretor geral da OMS recua e diz que “lockdown” pode causar danos irreparáveis na Economia.
Trecho de uma declaração do diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde) tem sido destacado de maneira FALSA em publicações nas redes sociais para sugerir que a entidade recuou na recomendação de isolamento social para conter o novo coronavírus. Na verdade, ao ser questionado em coletiva de imprensa na última segunda-feira (30) sobre os impactos sociais e econômicos da quarentena na Índia, Tedros Ghebreyesus, respondeu:
"Sobre essa questão do lockdown [quarentena obrigatória], talvez alguns países já tenham tomado medidas de distanciamento físico, como fechar escolas e evitar aglomerações etc. Isso pode ajudar a ganhar tempo e, ao mesmo tempo, cada país é diferente do outro. Alguns têm uma forte rede de proteção social e outros, não. Eu sou da África, como vocês sabem, e eu conheço muitas pessoas que realmente precisam trabalhar todos os dias para comprar seu pão. Governos devem levar essas populações em conta; se eles estão fechando ou limitando movimentos, o que vai acontecer com essas pessoas que que tem que ganhar seu sustento todos os dias? Cada um dos países têm que responder a essa pergunta com base na sua situação".
Ou seja, o executivo da OMS em nenhum momento defendeu o fim do isolamento social, como tem sido feito por Jair Bolsonaro, mas apenas ponderou a necessidade de os governos de cada país encontrarem soluções para evitar que a população mais pobre fique desassistida durante a quarentena obrigatória.
Nesta terça-feira (31), Ghebreyesus voltou a tocar no assunto, no Twitter. Essas mensagens tornam mais evidente que o alerta dele era para que países desenvolvam políticas sociais para os que precisam parar de trabalhar por conta da pandemia.
“Pessoas sem fonte de renda regular ou sem qualquer reserva financeira merecem políticas sociais que garantam a dignidade e permitam que elas cumpram as medidas de saúde pública para a Covid-19 recomendadas pelas autoridades nacionais de saúde e pela OMS. Eu cresci pobre e entendo essa realidade. Convoco os países a desenvolverem políticas que forneçam proteção econômica às pessoas que não possam receber ou trabalhar devido à pandemia da Covid-19. Solidariedade.”
Desmonta ainda a tese bolsonarista de um suposto recuo da OMS uma declaração do diretor executivo de Emergências de Saúde da entidade, Michael Ryan, na coletiva de segunda-feira em resposta à mesma pergunta sobre a Índia que havia sido endereçada a Tedros Ghebreyesus: “infelizmente, em algumas situações, no momento, [a quarentena obrigatória] é a única medida que os governos podem tomar para desacelerar esse vírus”.
Em nota enviada ao Aos Fatos, a OMS afirma que, na coletiva, o diretor geral disse "que cada país precisa fazer sua própria avaliação e, ao fazer isso, precisa levar em conta a realidade daqueles que precisam ganhar a vida diariamente — eles precisam ser protegidos".
Outro lado. Procurados, o presidente Jair Bolsonaro e o deputado Eduardo Bolsonaro não responderam até a publicação desta checagem.
Esta checagem foi atualizada às 15h50 do dia 1 de abril de 2020 para acrescentar a nota enviada pela OMS.
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