Publicações nas redes enganam ao afirmar que autoridades do Irã anunciaram a suspensão do uso obrigatório do hijab pelas mulheres. Apesar de a Lei do Hijab e da Castidade, que previa punições mais severas às que não utilizassem o adereço, ter sido suspensa no país, o Código Penal Islâmico ainda determina a obrigatoriedade da vestimenta.
Publicações com as alegações enganosas acumulam 10 mil curtidas no X e centenas de compartilhamentos no Facebook até a tarde desta quinta-feira (9).
As autoridades do Irã anunciaram a suspensão do uso obrigatório do hijab pelas mulheres. Multas ou penalidades não serão mais aplicadas.

Publicações nas redes enganam ao afirmar que autoridades iranianas anunciaram a suspensão do uso obrigatório do hijab por mulheres. A confusão surgiu após declarações de Mohammad-Reza Bahonar, membro veterano do Conselho de Discernimento do Irã, em entrevista concedida na última sexta-feira (3).
Na ocasião, Bahonar afirmou que a chamada Lei do Hijab e da Castidade, cuja aplicação foi interrompida em maio deste ano pelo Conselho Supremo de Segurança Nacional, “já não é legalmente aplicável”. Segundo ele, as medidas de punição previstas na legislação não estão sendo executadas, e a polícia teria sido informada disso.
A lei, agora suspensa, havia sido aprovada pelo Parlamento iraniano em dezembro de 2024 e previa punições severas, como multas, prisão, proibição de viagens, fechamento de comércios e vigilância pública para monitorar o cumprimento das regras.
A medida foi amplamente criticada por organizações internacionais de direitos humanos, como a Anistia Internacional, e por setores reformistas dentro do próprio Irã.
Em 16 dezembro de 2024, poucos dias após a aprovação pelo Parlamento, o Conselho Supremo de Segurança Nacional suspendeu a implementação da nova lei, alegando a necessidade de reformular trechos ambíguos do texto.
O presidente iraniano Masoud Pezeshkian afirmou que a legislação era “confusa e precisava de ajustes”. A decisão foi confirmada em maio de 2025, quando o órgão interrompeu oficialmente a aplicação de novas medidas punitivas.
Embora a Lei do Hijab e da Castidade esteja suspensa, o artigo 638 do Código Penal Islâmico — que considera o não uso do hijab em locais públicos um “comportamento contrário à decência pública” — continua em vigor. É esse artigo que mantém a base legal para o uso obrigatório do véu no país, prevendo medidas punitivas de caráter administrativo.
Vitélio Brustolin, professor de relações internacionais da UFF (Universidade Federal Fluminense) e pesquisador da Universidade de Harvard, destaca também que a declaração de Mohammad-Reza Bahonar, por si só, não poderia equivaler a uma revogação da lei.
“No sistema iraniano, o parlamento aprova as leis, o Conselho dos Guardiões verifica a compatibilidade com a Constituição e a Xaria, e o Conselho de Segurança Nacional lida com questões de segurança e pode emitir diretivas operacionais. Já o Conselho de Discernimento media disputas entre o Parlamento e o Conselho dos Guardiões, e nenhuma declaração isolada de um membro tem poderes para revogar um artigo do Código Penal ou uma lei aprovada”, explica o especialista.
Em resumo, a implementação da Lei do Hijab e da Castidade foi suspensa, mas a obrigatoriedade do hijab continua prevista na legislação iraniana. Novas punições mais severas não estão sendo aplicadas, mas o enquadramento jurídico que sustenta a imposição do véu permanece em vigor.
O caminho da apuração
Aos Fatos buscou a declaração de Mohammad-Reza Bahonar em veículos da mídia iraniana e em publicações internacionais para verificar o contexto da fala.
Também consultamos reportagens sobre a Lei do Hijab e da Castidade e entramos em contato com o professor e pesquisador Vitélio Brustolin para contextualizar o funcionamento das instituições iranianas e o alcance jurídico da declaração.




