Ministro do Meio Ambiente prioriza agronegócio mesmo com desmatamento recorde

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Enquanto o desmatamento na região amazônica alcançou o número mais alto registrado em um mês de maio da última década, com 739 km² (o equivalente a cerca de dois campos de futebol por minuto) de floresta destruídos, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem priorizado encontros com parlamentares ligados ao agronegócio, em detrimento de reuniões com ONGs ou congressistas que apoiam causas ambientais.

Segundo levantamento realizado por Aos Fatos com base na agenda oficial do ministro, 23% das reuniões de que ele participou em cinco meses de mandato envolveram deputados e senadores ligados à bancada ruralista ou a pautas que apoiam o agronegócio. Os encontros com parlamentares do setor são os mais frequentes na agenda do ministro, à exceção das reuniões administrativas.

A dedicação de Salles a esses deputados e senadores é cerca de onze vezes maior do que a destinada a congressistas conhecidos por apoiar assuntos relacionados ao meio ambiente, que aparecem em 2% da agenda do ministro. Integrantes de ONGs e ambientalistas, por sua vez, representaram 5,9% dos convidados. Os dados também englobam reuniões com empresas privadas, além de assuntos oficiais e questões administrativas.

Apesar de afirmar, em artigo publicado na Folha de S.Paulo nesta quarta-feira (5), Dia Mundial do Meio Ambiente, que o Brasil realiza um papel exemplar na “conservação de suas abundantes florestas, cujo desmatamento ilegal está, sim, sendo duramente combatido”, os números de destruição da Amazônia deste mês são 26% maiores do que os do ano passado, quando 550 km² foram desmatados.

A partir de dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e da ONG SOS Mata Atlântica, Aos Fatos apresenta e contextualiza, abaixo, números relacionados ao desmatamento e à degradação dos biomas brasileiros e a agenda do ministro do Meio Ambiente.


1. Ricardo Salles recebe mais o agronegócio

Enquanto a velocidade de destruição da Amazônia atinge a marca de 739 km² no mês de maio, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem se dedicado a receber mais parlamentares e organizações ligados ao agronegócio do que a causas ambientais e de preservação.

Segundo dados apurados por Aos Fatos na agenda oficial do ministro, Salles recebeu 35 visitas de deputados e senadores integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária ou defensores de pautas ligadas ao agronegócio entre janeiro e maio, enquanto se reuniu com 12 ONGs — como a WWF e a Trata Brasil — e parlamentares ligados a causas ambientais.

Considerando reuniões administrativas, como encontros com representantes de outras pastas e órgãos do governo, visitas ao Ibama, participação em congressos e encontros com embaixadores, as visitas ligadas ao agronegócio representam 23% dos compromissos do ministro, e as relacionadas a questões ambientais, 7,8%.

Se excluirmos as questões administrativas e considerarmos apenas os encontros com parlamentares, empresas e ONGs, as reuniões com pessoas ligadas ao agronegócio passam a representar 43,7% da agenda do ministro, contra 15% das reuniões com ambientalistas.

Ao longo dos últimos cinco meses, Salles também se reuniu com representantes de empresas privadas ligadas a ramos como a mineração e a construção civil. Marcaram audiências com o ministro organizações como a Alcoa e a Norsk Hydro, que exploram alumínio, a Portland, produtora de cimento, e a Shell, produtora de combustíveis. Esporádicos, os encontros representam 12,5% das reuniões (ou 23%, quando excluídos os compromissos administrativos).

Também se encontraram com Salles governadores dos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Pará, Roraima e Rondônia. Destes, seis (MT, RS, MG, MS, PA e SC) ocupam as dez primeiras colocações no ranking do valor da produção agrícola em 2017, segundo dados do IBGE.


2. Devastação da Amazônia

De acordo com dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), é possível observar que os números de desmatamento da Amazônia Legal — região que engloba os nove estados do país que estão dentro do bioma — crescem desde 2015 e atingiram um pico no ano passado, quando foram registrados 1.725 km² de vegetação destruída nos primeiros cinco meses.

À época, o Observatório do Clima avaliou que esse aumento era “provavelmente fruto de uma série de circunstâncias climáticas e cambiais — o dólar alto eleva os preços dos produtos agrícolas e estimula a devastação". A organização também ressaltou que os acenos à bancada ruralista feitos pelo Palácio do Planalto e por governos estaduais ao longo de 2017 também podem ter sido responsáveis por uma alta nos números.

Apesar de ter registrado números menores nos quatro primeiros meses em relação ao ano passado, 2019 alcançou o recorde em maio, com 189 km² de floresta desmatados a mais em relação a igual período de 2018. É importante ressaltar que os dados de destruição da floresta tendem a crescer entre maio e julho, com o fim da estação chuvosa nas regiões que abrigam a mata.

Os dados de desmatamento são coletados pelo Deter, sistema de alertas criado pelo Inpe para medir o grau de destruição das florestas e auxiliar os órgãos de fiscalização. Os números são dimensionados a partir de imagens captadas via satélite, e analisados e divididos em três categorias: o desmatamento, que mede a destruição da floresta; a degradação, que indica que a vegetação foi danificada, mas ainda não completamente extirpada; e a exploração madeireira. Um dos fatores que dificulta a análise das imagens é a cobertura de nuvens sobre as regiões monitoradas.


3. Degradação em alta

Ao incluir na análise as áreas degradadas, há um crescimento nos números em 2019, quando foram registrados cerca de 3.500 km² de devastação. Além de considerar a vegetação extirpada, os dados também agregam partes da floresta que foram afetadas por incêndios ou danificadas de outras maneiras pela exploração humana.

É difícil, no entanto, estabelecer um comparativo com o ano anterior, visto que os dados de degradação dos cinco primeiros meses de 2018 não foram encontrados no Terra Brasilis, plataforma do Inpe. Os números foram solicitados por e-mail à instituição, mas Aos Fatos não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

É importante ressaltar, todavia, que os dados de desmatamento de 2018 já superam, sozinhos, a soma de desmatamento e degradação do ano anterior, que registrou pouco mais de 1.300 km² de danos à região da Amazônia Legal.

Apesar de não indicarem áreas da floresta completamente destruídas, as regiões degradadas servem como uma espécie de alerta para a possibilidade de desmatamento ou corte raso — nome dado à eliminação de toda a vegetação existente sobre uma área. Também verificadas com o uso de imagens via satélite, as regiões degradadas mostram a destruição progressiva da floresta seja pela exploração predatória da madeira, seja pelo uso do fogo.


4. Desmatamento nos estados

Comparando as taxas de desmatamento — calculadas a partir da área desmatada entre agosto de um ano e julho do ano seguinte — ao longo da última década, percebe-se que o Brasil atingiu, em 2018 (7.900 km²), um tamanho próximo ao registrado ainda durante a gestão Lula, em 2009, quando 7.500 km² da floresta amazônica foram devastados. Ao longo dos anos seguintes, a taxa oscilou, chegando ao mínimo em 2012, segundo ano da gestão Dilma, quando 4.600 km² foram desmatados. Os números se mantiveram por volta de cinco ou seis mil quilômetros quadrados até 2016, momento em que a petista foi destituída e Michel Temer empossado.

À época, foram desmatados 7.900 km² de mata (cerca de cinco vezes a área da cidade de São Paulo), e o aumento na velocidade de destruição foi o maior desde 2008, quando o governo endureceu a vigilância e cortou o crédito de fazendeiros autuados por desmatamento ilegal. O número, que diminuiu cerca de 1.000 km² no ano seguinte, tornou a subir e atingiu o mesmo patamar em 2018, fim da gestão Temer.

É importante ressaltar, no entanto, que mesmo esse valor é considerado baixo em comparação com anos anteriores da série histórica, como em 2004, quando o Brasil atingiu o marco de 27.800 km² de área desmatada. Como resposta, o governo, sob gestão de Lula e com atuação de Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, implementou o Plano de Ação para Prevenção e o Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, que envolveu 12 órgãos federais em atividades de fiscalização e licenciamento ambiental, definição de crédito rural, ordenamento territorial e planejamento para obras de infraestrutura. As ações levaram a uma diminuição de 32% na taxa de desmatamento do ano seguinte.

Considerados os dados por estado, os três que foram mais desmatados ao longo da década foram: Pará, responsável por 42% do desmatamento registrado, com 27.500 km² de área devastada; Mato Grosso, com 12.400 km² de mata perdidos, o que corresponde a 19% do total; e Rondônia, com 9.100 km² de floresta destruída, 14% do total.


5. Devastação nos outros biomas

Apesar de ser o principal alvo de atenção nas discussões sobre desmatamento, a Amazônia não foi o bioma mais afetado pela atuação humana no últimos oito anos. Entre 2011 e 2018, enquanto foram devastados cerca de 50.000 km² de floresta — área quase duas vezes maior do que o Estado de Alagoas —, foram destruídos cerca de 75.000 km² de Cerrado. Já a Mata Atlântica perdeu 1.500 km² no mesmo período.

Com área correspondente a 22% do território nacional e distribuído por Estados como Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo, o Cerrado perdeu cerca de 50% de sua vegetação original até 2018. Apesar de os números de desmatamento, também coletados pelo Inpe, terem diminuído desde 2013, quando foram registrados 13.100 km² de área devastada, eles ainda se aproximam, atualmente, dos números de desmatamento da Amazônia.

Em 2018, o então ministro do Meio Ambiente Edson Duarte atribuiu, segundo reportagem da EBC, parte da responsabilidade do desmatamento do Cerrado às práticas associadas ao agronegócio. "Esse desmatamento legal está previsto na lei brasileira e defendemos que seja feito dentro da legalidade". De acordo com o ministro, era necessário intensificar o diálogo com representantes da pecuária e da agricultura.

Para tentar conter os números de desmatamento no bioma, em 2010, o governo Lula implementou o PPCerrado (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado). Ele previa ações como a recuperação de pastagens degradadas, sistemas de integração entre agropecuária e floresta e o reflorestamento, o que contribuiu para que a área desmatada caísse de 10.000 km² para 6.600 km² em oito anos, em meio a algumas oscilações.

Já os dados de desmatamento da Mata Atlântica entre 2011 e 2018 não chegam à metade dos registrados no Cerrado e na Amazônia em apenas um ano. Levantados pela ONG SOS Mata Atlântica em parceria com o Inpe, os números mostram o desmatamento da vegetação remanescente do bioma em 17 estados e registram números significativamente baixos, apesar de ainda relevantes. Apesar de os valores serem baixos, é importante ressaltar que o bioma já foi extensamente destruído.

A Mata Atlântica também conta, desde 2006, com uma lei federal de proteção de sua vegetação nativa. O texto trata de questões relacionadas à reversão dos danos causados pelo desmatamento e institui limites para o aproveitamento de recursos do bioma.

A taxa de desmatamento da Mata Atlântica do último ano foi a menor em três décadas. Quando foi iniciado, nos anos 1990, o monitoramento do bioma registrava a perda de um campo de futebol a cada quatro minutos. Hoje restam cerca de 12% da área original da Mata Atlântica, ou 160 mil quilômetros quadrados. Dos 17 estados que abrigam o bioma, nove não registraram desmatamento em 2018: Ceará, Alagoas, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, São Paulo e Sergipe.

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