Mentira de que Michelle Obama seria trans ressurge após pesquisa indicar vantagem de ex-primeira-dama contra Trump

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O mau desempenho do presidente americano Joe Biden no debate da CNN no dia 27 de junho acendeu um alerta para os democratas. Há quem considere a possibilidade de substituição de seu nome como candidato à Casa Branca, o que pode acontecer até a Convenção Nacional do Partido, marcada para o período de 19 a 22 de agosto. Entre os possíveis candidatos estão sua vice, Kamala Harris, e o governador da Califórnia, Gavin Newson.

Mas de acordo com uma pesquisa eleitoral realizada pela Ipsos e publicada na última terça-feira (2), a única substituta que estaria na frente em uma disputa com Trump é a ex-primeira-dama Michelle Obama. Ela, no entanto, já disse inúmeras vezes que não tem planos de concorrer à eleição.


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Mesmo que o cenário Michelle Obama versus Donald Trump seja por enquanto apenas uma especulação, usuários nas redes — tanto nos EUA quanto em outros países, como o Brasil — passaram a compartilhar uma velha teoria da conspiração transfóbica que alega que Michelle, na verdade, é uma mulher trans. Essa mentira tem até um nome: Big Mike, que seria o apelido da ex-primeira-dama, que teria nascido com o nome “Michael Lavaughn Robinson”.

Inicialmente, esses ataques a Michelle tinham o objetivo de tentar manchar a imagem de Barack Obama, que na época era presidente. As mensagens, carregadas de preconceito e discurso de ódio, serviam para alimentar outra teoria de extrema-direita: a de que o então presidente seria homossexual.

Post de Olavo de Carvalho de agosto de 2017 dizia que ‘só falta o sexo da mulher dele [Obama] ser falso e as filhas não serem filhas’
Em 2017, Olavo de Carvalho (1947-2022) sugeriu que Michelle não fosse mulher (Reprodução/Facebook)

Hoje, no entanto, as mensagens mentirosas que têm circulado nas redes quase não citam Barack Obama. O objetivo, agora, parece ser apenas atacar uma possível candidata que pode derrotar Trump.

A teoria corre nas redes há anos e, por isso, agrega diversas desinformações. Como não é possível desmentir tudo, vamos nos ater a quatro principais pontos:

Foto de Obama ao lado de rosto editado de Michelle circula com legenda ‘acho que não há dúvida. E o que me surpreende é a quantidade real de pessoas que sabem disso e nunca falam nada sobre isso’
Diversas montagens manipulam o rosto de Michelle para sugerir que ela teria nascido homem (Reprodução/X)

1. ‘Há imagens de Michelle antes da transição’

Fotos que supostamente mostrariam Barack ao lado de Michelle antes da transição de gênero são as principais peças de desinformação da teoria conspiratória.

Essas imagens já foram desmentidas por agências de checagens internacionais: são todas montagens preconceituosas que modificam o rosto de Michelle para exagerar traços ou características que os desinformadores consideram “masculinas”.

Montagens são colocadas lado a lado das fotos originais
Imagens originais (à direita) foram editadas para fazer com que Michelle aparentasse ter sobrancelhas mais grossas e bigode

As duas montagens mais conhecidas foram feitas com fotos publicadas pelo próprio casal em suas redes sociais: uma no perfil oficial de Barack no X (ex-Twitter) em 2019 e uma postada no Instagram oficial da ex-primeira-dama no Natal de 2014.

Foto de Michelle Obama de vestido; na área genital, há uma protuberância com sombreamento suspeito
Foto que circula desde 2008 tem indícios de edição e não corresponde às imagens do mesmo evento (Reprodução/X)

2. Vídeos e fotos mostram um ‘volume’ na área genital de Michelle

Outra estratégia desinformativa comum de conspiracionistas é enxergar coisas que não existem. No caso de quem ataca Michelle, isso se aplica a supostas protuberâncias em seus vestidos.

As publicações que trazem essas mentiras ou mostram dobras usuais no tecido das roupas da ex-primeira-dama ou são fruto de montagem.

No caso acima, por exemplo, o volume foi criado por meio de edição: é possível verificar que as sombras no local estão posicionadas em um ângulo diferente do restante da foto. Além disso, registros do mesmo evento — um discurso na Convenção Nacional Democrata de 2008 — mostram Michelle sem nenhum volume semelhante.

Imagem mostra documento supostamente assinado por Michelle no qual ela teria assinalado que seria do sexo masculino
Imagem mostra cartão eleitoral com nome ‘Michelle L. Robison’ e sexo ‘M’ circulado (Reprodução/X)

3. ‘Michelle já foi registrada como homem, como atesta um documento eleitoral’

Outra “prova” muito difundida por conspiracionistas é um documento do Conselho de Eleições do Estado de Illinois que supostamente mostraria que Michelle assinalou o sexo masculino na hora de votar.

Além de trazer um erro na grafia no nome da ex-primeira-dama (o documento é assinado por “Michelle L. Robison”, mas seu nome de solteira real é “Michelle L. Robinson”, com um “N”), a veracidade do documento foi negada pelo conselho eleitoral.

Ao PolitiFact, o órgão disse que não mantém os cartões de seus eleitores e que eles não têm “registros de que essa eleitora tenha indicado qualquer gênero que não o feminino”.

4. ‘Não há fotos de Michelle grávida’

Por fim, um argumento que sempre aparece em publicações que citam a teoria conspiratória é o de que não existem registros públicos de Michelle grávida. Aos Fatos realmente não encontrou nenhuma imagem registrada durante as gestações de suas filhas, Malia e Natasha. Mas isso não significa que elas não existam.

É importante considerar que, naquela época, Barack e Michelle não eram pessoas públicas. Além disso, suas filhas nasceram em 1998 e 2001 — antes, portanto, da popularização das redes sociais.

Em sua autobiografia “Minha história” (Objetiva, 2018), a ex-primeira-dama detalhou como foram suas gestações: na primeira tentativa do casal, Michelle acabou perdendo o bebê e, por isso, decidiu usar a tecnologia de fertilização in vitro para gerar Malia e Natasha.


Não há, portanto, nenhum indício de que Michelle Obama seja uma mulher trans. Compartilhar essas publicações, além de desinformar, é também disseminar discurso de ódio.

Afinal, se a teoria se comprovasse verdadeira e ela tivesse nascido como um homem, nada mudaria: Michelle ainda seria esposa de Barack, mãe de suas duas filhas e mulher.

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