🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Fevereiro de 2022. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Meta reconhece danos, mas mantém no Facebook rede brasileira de extrema-direita

Por Ethel Rudnitzki, Laís Martins, Débora Ely e João Barbosa

2 de fevereiro de 2022, 11h30

Um documento interno de funcionários do Facebook, atual Meta, de março de 2021, recomendava a derrubada ou a redução do alcance da rede de extrema-direita Ordem Dourada do Brasil, mas, cerca de um ano depois, ela continua ativa na plataforma. Segundo o relatório, a rede é composta por perfis, páginas e grupos que atuam de forma coordenada para disseminar conteúdos que a empresa via como desinformativos e antidemocráticos.

Essas informações estão entre os documentos enviados à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA e fornecidos de maneira editada ao Congresso norte-americano pela assessoria legal da ex-funcionária da Meta Frances Haugen. O material recebido pelo Congresso foi revisado por um consórcio de imprensa, no caso conhecido como Facebook Papers, incluindo Aos Fatos e Núcleo Jornalismo, que produziram esta reportagem.

O documento interno do Facebook de março do ano passado apresenta a rede Ordem Dourada do Brasil como “um conjunto de contas e páginas ligadas a uma associação de cunho militarizado que mistura cristianismo evangélico, conteúdo pró-Bolsonaro, teorias conspiratórias, apoio à ditadura militar e conteúdo pró-armas".

A rede foi enquadrada no documento como “dano social coordenado” por promover “deslegitimação do processo eleitoral ou defesa de golpe militar contra governos democraticamente eleitos com base em argumentos desinformativos”. Nesse caso, seriam cabíveis “ações moderadas” contra a rede, que não são especificadas. O relatório, no entanto, recomendou que a rede brasileira tivesse alcance reduzido ou fosse derrubada — punição mais severa na escala estabelecida pelo documento.

Segundo o material vazado, a Ordem Dourada do Brasil teria alto grau de coordenação, o que poderia ser inferido pelo compartilhamento sistematizado de conteúdos, a coadministração de páginas e grupos, a sobreposição de estruturas entre contas e pela evidência de comando e controle. Os funcionários da Meta afirmam no relatório terem detectado postagens em massa, amplificadas por usuários com múltiplas contas, os Sumas (sigla em inglês para Same User, Multiple Accounts).

Aos Fatos e Núcleo Jornalismo enviaram dez perguntas à assessoria da Meta no Brasil a respeito de ações tomadas após a apresentação do relatório, mas a empresa não respondeu especificamente sobre o caso. Na nota enviada, ela afirma que, no fim de 2021, atualizou os protocolos contra campanhas coordenadas “envolvendo redes de usuários autênticos que se organizam para violar sistematicamente nossas políticas, causando danos dentro ou fora das nossas plataformas”.

A Meta disse ainda que trabalha para “equilibrar a proteção ao direito de expressão de bilhões de pessoas com a necessidade de manter a nossa plataforma um ambiente seguro e positivo”. E afirma também que fez “melhorias significativas no sentido de manter conteúdo nocivo fora das nossas plataformas, mas em toda internet novas redes estão constantemente surgindo e adotando comportamentos abusivos” (veja a íntegra).

Rede articulada

A rede Ordem Dourada do Brasil é composta por ao menos dois grupos, quatro páginas e onze perfis no Facebook, além de outras 16 contas secundárias, segundo detectaram Aos Fatos e Núcleo Jornalismo. Todos estão vinculados ao grupo Ordem Dourada do Brasil, criado em fevereiro de 2014 e que reúne atualmente pouco mais de 10 mil membros.

Onze páginas e perfis constam como administradores do grupo: destes, seis também operam um subgrupo da rede, o Foro Conservador Cristão do Brasil, com outros quatro administradores. Segundo o documento vazado da Meta, essa coadministração seria um indício de comportamento coordenado.

Ao menos quatro perfis mantêm mais de uma conta no Facebook, prática considerada danosa pela plataforma — um dos administradores da Ordem Dourada do Brasil, por exemplo, tem três perfis: Melo Dilermando, Dilermando Melo e Diler Patriota.

A estrutura da rede pode ser visualizada no gráfico abaixo. Os pontos azuis representam os grupos; os amarelos, as páginas; e os verdes, os perfis relacionados. Já as linhas que conectam uns aos outros representam o grau de ligação entre eles — quanto mais espessa, maior o vínculo.

Criada em dezembro de 2018, a página Foro Conservador Cristão do Brasil é a maior da rede, com pouco mais de 45 mil seguidores. Ela foi responsável por 45% das postagens publicadas no grupo Ordem Dourada do Brasil no ano passado. Em seguida, estão perfis de outros administradores: Melo Dilermando (9%) e Jack Van (7,8%).

Segundo Luiza Bandeira, pesquisadora do DFRLab (Digital Forensic Research Lab), o volume de conteúdos publicados por poucos usuários indica atividade coordenada: “A coordenação é a ideia de um mesmo grupo estar postando a mesma coisa em vários lugares, ao mesmo tempo. Não necessariamente está relacionado à automação”.

Um exemplo disso são as transmissões ao vivo feitas pelo Foro Conservador Cristão do Brasil, em que há disseminação de desinformação. Em uma delas, veiculada em outubro de 2021 e assistida por cerca de 1.500 usuários, os apresentadores afirmavam que as vacinas contra a Covid-19 são “experimentais” , o que não é verdade.

Para impulsionar o engajamento, o perfil Melo Dilermando distribuiu a live em seis grupos diferentes menos de dez minutos após o início da transmissão. Nos dez minutos seguintes, o perfil Pricila Cardoso — que administra um dos grupos e é membro de outros dois — publicou o vídeo em outros três grupos e em sua conta pessoal. Na sequência, o perfil Jack Van postou o conteúdo em mais sete comunidades. Estratégias semelhantes se repetem em outras lives populares da página.

Posts mostrando compartilhamento em curto intervalo de tempo de lives de rede desinformativa
Coordenação. Lives associadas à rede são disseminadas em curto espaço de tempo

Desinformação

No grupo Ordem Dourada do Brasil, o debate está concentrado em postagens de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL), críticas a políticos de esquerda e discurso anticomunismo. Também aparecem publicações que pedem a dissolução do STF (Supremo Tribunal Federal), atacam o sistema eleitoral brasileiro por meio de alegações de fraude nunca comprovadas, defendem medicamentos ineficazes contra a Covid-19 e condenam as vacinas.

O Aos Fatos e o Núcleo Jornalismo detectaram que o grupo recorre a desinformação para impulsionar seu engajamento. Das 200 postagens mais populares compartilhadas em 2021, 35 (17,5%) continham alegações patentemente falsas, principalmente sobre o novo coronavírus e as urnas eletrônicas.

Em julho do ano passado, por exemplo, o grupo divulgou uma pesquisa que comprovaria a eficácia da ivermectina na redução de mortes por Covid-19. Como o resultado do estudo foi inconclusivo, o post foi sinalizado como desinformação no Facebook por meio da parceria da Meta com as agências de checagem – da qual Aos Fatos faz parte.

Post mostrando conteúdo falso publicado no grupo Ordem Dourada do Brasil no Facebook
Enganoso. Publicação do grupo sinalizada como desinformativa no Facebook

No mesmo mês, a comunidade também publicou um vídeo no qual Bolsonaro afirma que houve fraude nas eleições presidenciais de 2014. Para sustentar a alegação falsa, o presidente distorcia dados da contagem de votos do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

A reportagem identificou que o grupo principal Ordem Dourada do Brasil tem ainda entre seus membros políticos bolsonaristas, como a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). Procurada para comentar sobre a participação na rede, a congressista afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “desconhece por completo o grupo” e que “até há alguns anos, qualquer amigo ou conhecido no perfil da rede social podia incluir alguém em algum grupo, mesmo sem sua autorização ou seu conhecimento, o que foi o caso ocorrido com a parlamentar”.

Exclusões

Embora a maioria das contas ainda esteja ativa, a Meta já agiu contra o grupo antes. Em 2016, um site vinculado à rede publicou que a plataforma tirou do ar uma página da Ordem Dourada do Brasil e prometeu acionar extrajudicialmente o Facebook. A página derrubada continua indisponível.

Administradores da Ordem Dourada do Brasil também já relataram nas redes sociais terem sofrido sanções da Meta. Exemplo disso foi o de Fernando Maurício Correa, morto no ano passado, que afirmava na descrição de seu perfil que aquela era sua quarta conta na plataforma e que "o Foicebook conspira contra a humanidade".

ESTRATÉGIA INSUFICIENTE

Além da Ordem Dourada do Brasil, o documento interno da Meta também mencionava grupos que a empresa considerou problemáticos em países como Etiópia e Índia. O relatório apontou que as estratégias de mitigação dessas redes no Facebook eram insuficientes por não serem executadas em escala global, desconsiderar a natureza coordenada e não permitirem a aplicação contínua das políticas da plataforma contra atores específicos.

Até então, a Meta tinha apenas uma política contra redes coordenadas, mas específica para contas falsas (classificada como Comportamento Inautêntico Coordenado). O documento propunha, então, a criação de regras direcionadas para perfis autênticos.

Havia, na época, a percepção de que atividades coordenadas na plataforma se estendiam a "atores problemáticos, incluindo Estados, atores estrangeiros, e atores com histórico de comportamento criminoso, violento ou de ódio, com intenção de promover violência social, ódio, exacerbar divisões étnicas e de outros tipos, e/ou deslegitimar instituições sociais por meio de desinformação", como afirma o documento vazado.

A Meta atualizou sua política seis meses depois, em setembro de 2021. A nova regra inseriu o combate a redes de comportamento autêntico — o chamado “dano social coordenado”, no qual se enquadra a Ordem Dourada do Brasil, segundo o relatório vazado.

Ao anunciar as novas diretrizes, a empresa mencionou como exemplo as ações que havia tomado contra uma rede de páginas e grupos Querdenken, um movimento alemão negacionista. Foram removidas contas, páginas e grupos no Facebook e Instagram por repetidas violações, e seus domínios foram impedidos de serem compartilhados na plataforma. O caso brasileiro, aparentemente, não sofreu as mesmas sanções.

OUTRO LADO

O Aos Fatos e o Núcleo Jornalismo encaminharam à Meta, por meio de sua assessoria de imprensa no Brasil, uma lista com dez perguntas sobre o documento interno que menciona a rede brasileira e sobre a manutenção das contas ligadas à Ordem Dourada do Brasil na plataforma. A empresa não respondeu aos questionamentos específicos, tendo enviado a seguinte nota:

“Nossos times trabalham para equilibrar a proteção ao direito de expressão de bilhões de pessoas com a necessidade de manter a nossa plataforma um ambiente seguro e positivo. Só no ano passado, investimos mais de US$ 5 bilhões em segurança e hoje temos mais de 40 mil pessoas trabalhando nesses desafios na Meta.

Nós fizemos melhorias significativas no sentido de manter conteúdo nocivo fora das nossas plataformas, mas em toda internet novas redes estão constantemente surgindo e adotando comportamentos abusivos. No fim de 2021, anunciamos novos protocolos contra campanhas coordenadas envolvendo redes de usuários autênticos que se organizam para violar sistematicamente nossas políticas, causando danos dentro ou fora das nossas plataformas.

Esses protocolos nos permitem agir contra contas, Páginas e Grupos engajados nesses comportamentos. Também continuaremos a remover conteúdos e contas que violam nossos Padrões da Comunidade, incluindo por incitação a violência, bullying, assédio e discurso de ódio, entre outros.”

Aos Fatos também entrou em contato com todas as contas associadas à rede Ordem Dourada do Brasil, mas apenas uma delas retornou e não respondeu aos questionamentos.

Este texto foi atualizado às 15h20min de 2 de fevereiro de 2021 para incluir o posicionamento da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP).

Referências:
1. Aos Fatos (1, 2, 3 e 4)
2. Estadão
3. Meta (1, 2 e 3)
4. Deutsche Welle

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