A nova política de moderação de conteúdo da Meta, já em vigor no Brasil, passou a permitir conteúdos considerados criminosos de acordo com a lei do país, como expressões de supremacia racial e de preconceito religioso.
Frases como “os brancos são os melhores” e “eu odeio negros” estão entre as autorizadas a circular no Instagram e no Facebook.
Anunciada por Mark Zuckerberg no dia 7, a mudança não afetou apenas o tratamento de questões de gênero, orientação sexual e imigração — temas caros à base de Donald Trump e que foram enfatizados no anúncio da Meta.
Parte das alterações está na versão pública da política da Meta, que substituiu a expressão “discurso de ódio” por “conduta de ódio”.
No entanto, documentos internos da Meta a que Aos Fatos teve acesso são mais explícitos — autorizando posts que reforcem estereótipos e preconceitos raciais, étnicos, religiosos e contra pessoas com deficiência, entre outros grupos.
Classificadas pela Meta como “características protegidas” (PCs, na sigla em inglês), essas categorias de identidade possuem regras de moderação mais rígidas (entenda abaixo).
A aplicação da nova política de conduta de ódio no Brasil foi confirmada pela Meta ao governo no último dia 13. A AGU (Advocacia-Geral da União) considerou que a mudança desrespeita a legislação brasileira e convocou audiência pública para esta quarta-feira (22).
Questionada pelo Aos Fatos sobre a orientação aos moderadores para liberar conteúdo ilegal e preconceituoso, a Meta se limitou a compartilhar link em que divulga sua nova política de conduta de ódio.
Ódio e nojo
A versão mais antiga da política da Meta vetava explicitamente o uso de expressões de ódio e rejeição a grupos protegidos, como:
- “Eu desprezo”
- “Eu odeio”
- “Eu não suporto”
- “Eu não respeito”
- “Eu não gosto”
- “Eu não me importo”
Esse trecho foi suprimido do novo texto, que passou a indicar apenas a proibição de frases que indiquem nojo ou repulsa, como as que contêm a construção “me dá vontade de vomitar”.
A documentação interna da Meta confirma que a omissão reflete uma mudança concreta na política da empresa, orientando os moderadores a não remover declarações de ódio a minorias.
Experimento executado pelo Aos Fatos confirma a nova diretriz. No dia 15, a reportagem apresentou, a partir de cinco perfis diferentes, denúncias ao Facebook contra um post que dizia “odeio negros” — publicado por uma página neonazista para, supostamente, testar as novas regras. Na tarde desta segunda (20), a publicação seguia no ar.
As regras da empresa também passaram a autorizar expressões de superioridade e comparações entre grupos protegidos, facilitando o discurso de supremacistas brancos.
A orientação aos moderadores diz que as declarações de superioridade e comparações são permitidas desde que não se refiram à capacidade intelectual de um grupo em relação a outro. A ressalva, porém, traz uma exceção: caso o usuário apresente “fundamentação”.
Pela regra, apesar de a frase “brancos são mais inteligentes do que negros” ser proibida, a empresa autoriza variações que citem supostos estudos que comprovariam a afirmação.
Alegações de que algumas raças são mais inteligentes do que outras não possuem base científica e, historicamente, foram usadas para justificar o racismo, o colonialismo, a escravidão e a eugenia racial.
No caso das comparações que não envolvem capacidades intelectuais, as regras da Meta dispensam a citação de fontes, permitindo a disseminação de frases preconceituosas como “mulheres negras são mais agressivas do que as brancas”.
Ampliação dos ataques
As diretrizes de moderação da Meta proíbem discursos desumanizantes, como ataques comparando membros de minorias a animais, doenças e demônios. As regras gerais também vetam alegações de imoralidade sexual e a vinculação de determinadas populações a crimes violentos
— como dizer que gays são pedófilos, por exemplo.
No caso de imigrantes e refugiados, as regras concedem proteção apenas parcial, permitindo que essas populações sejam alvo de insultos vetados a outros grupos, como ataques ao caráter, alegações de inutilidade e vinculação a atos de criminalidade de menor gravidade, como roubos.
Com a mudança, a empresa ampliou o rol de exceções para abranger também questões de gênero e orientação sexual. Passou a ser permitido:
- Pregar a exclusão baseada em gênero para empregos nas áreas militar, policial e de ensino, como afirmar que mulheres não deveriam ser aceitas no Exército;
- Quando baseada em crenças religiosas, a defesa da exclusão foi estendida também à orientação sexual (“como cristão, não quero que meu filho tenha aulas com um gay”);
- Defender a exclusão baseada em sexo ou gênero de determinados espaços, como banheiros e ligas esportivas;
- Proferir ofensas relacionando pessoas a doenças mentais, anomalias, pecados e imoralidades com base em gênero ou orientação sexual.
Para especialistas, o aumento no leque de ofensas permitidas nas redes da Meta pode ampliar a disseminação de ataques a grupos identitários na internet.
“Temos alguns campos em que estávamos avançando muito lentamente, mas, com essa carta branca para o discurso de ódio, a tendência é regredirmos”, lamenta a advogada Natane Santos, coordenadora adjunta do Grupo de Estudos Avançados em Direito Penal e Novas Tecnologia do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).
As regras mais permissivas surgem em um momento em que as plataformas da Meta já registravam aumento nas denúncias no Brasil, segundo os dados mais recentes da ONG Safernet.
No caso do Instagram, o total de páginas denunciadas por crimes como intolerância religiosa, racismo, xenofobia, neonazismo e violência contra a mulher mais que dobrou entre 2022 e 2023 (veja abaixo).
O caminho da apuração
Aos Fatos identificou, por meio das redes sociais, funcionários que trabalham para a Meta, que forneceram à reportagem trechos dos documentos de circulação interna da empresa. As diretrizes foram comparadas com a política publicada pela plataforma e testadas por meio de denúncia.
A reportagem também entrevistou especialistas, consultou o levantamento de denúncias da Safernet e procurou a Meta para dar à empresa a oportunidade de se posicionar.