Parlamentares usam mentiras para defender Bolsonaro no caso das joias sauditas

Compartilhe

Para defender Jair Bolsonaro (PL), indiciado na última quinta (4) pela Polícia Federal no caso das joias, deputados e senadores de oposição têm disseminado uma série de mentiras nas redes. Nas publicações, os parlamentares distorcem declarações e reportagens antigas para alegar que Bolsonaro não teria cometido crime e que haveria uma diferença de tratamento em relação ao presidente Lula e à ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que não teriam sido investigados após devolverem presentes.

Abaixo, Aos Fatos lista as quatro principais mentiras contadas por parlamentares e pelo próprio Bolsonaro nas redes para deslegitimar as investigações da Polícia Federal.

Reportagem da IstoÉ

O ex-presidente Bolsonaro e os deputados federais Bia Kicis (PL-DF) e Capitão Alden (PL-BA) compartilharam no último dia 5, data do indiciamento, uma reportagem de 2016 da revista IstoÉ que afirma que os presentes recebidos por Lula e Dilma durante seus mandatos presidenciais não haviam sido incorporados ao patrimônio na União.

As publicações, que somam mais de 350 mil visualizações, omitem que o entendimento sobre acervos pessoais de presidentes da República mudou em 2016 e que os petistas já devolveram centenas de objetos por determinação do TCU (Tribunal de Contas da União).


Imagem com reportagem da 'IstoÉ' de 2016 tirada de contexto e compartilhada pelo deputado Capitão Alden

Até 2016, a interpretação corrente era que apenas objetos “entregues em cerimônia oficial de troca de presentes” seriam patrimônio da União. Isso mudou em setembro daquele ano, quando o TCU concluiu que todos os presentes recebidos por ex-chefes de Estado deveriam ser incorporados ao acervo oficial.

As únicas exceções são itens considerados de natureza personalíssima, como medalhas e placas personalizadas, ou itens de consumo direto, como perfumes.

Após a mudança no entendimento da norma, o TCU determinou que Lula deveria devolver 434 presentes recebidos em viagens oficiais e Dilma, 117.

  • No caso de Lula, 423 dos 434 objetos foram devolvidos; não foram localizados 11 presentes, com valor estimado em R$ 11.748,40. O montante foi, então, restituído em dinheiro pelo ex-presidente à União;
  • Já Dilma devolveu 111 dos 117 itens e informou que os seis faltantes, com valor estimado de R$ 4.800, estavam nas dependências da Presidência. Como a Secretaria de Administração da Presidência não localizou os objetos, Dilma depositou judicialmente o montante restante, mas recorreu para que a cobrança fosse anulada;

Em 2020, o TCU considerou que os trabalhos de identificação e devolução de bens recebidos pelos petistas foram concluídos. O órgão afirmou que os bens faltantes de Dilma eram de baixa materialidade e que não cabia ao TCU a cobrança desse valor.

Em 2023, o TCU determinou que presentes de alto valor comercial recebidos por presidentes da República, incluindo itens personalíssimos, deveriam ser devolvidos à União. Pouco tempo depois, reportagem do Estadão mostrou que Lula havia incorporado ao seu acervo pessoal relógios e um cordão de ouro recebidos em seu primeiro mandato, que não foram solicitados pelo tribunal.

Em maio deste ano, um parecer técnico do TCU afirmou que o entendimento de 2023 não pode ser aplicado de maneira retroativa, o que significa que Lula pode ficar com os presentes. O parecer ainda precisa ser aprovado em plenário, mas não há data para que isso ocorra.

Objetos devolvidos por Bolsonaro

Nas mesmas publicações em que compartilharam a reportagem da Istoé descontextualizada, Kicis e Alden também disseminaram outra desinformação: afirmaram que Bolsonaro devolveu todos os presentes recebidos durante seu governo, o que não é verdade. Segundo relatório da PF, ao menos três presentes não foram encontrados — um relógio da marca Patek Philippe e duas esculturas douradas.


A deputada Bia Kicis engana ao afirmar que Bolsonaro devolveu todos os presentes recebidos em governo. Segundo a PF, ao menos três itens não foram encontradoss

  • De acordo com a PF, o relógio foi recebido por Bolsonaro em novembro de 2021, durante uma visita ao Bahrein, e não foi registrado no Gabinete Adjunto de Documentação Histórica. A PF afirma que o item foi vendido a uma loja nos Estados Unidos;
  • Há registros que provam que o ex-presidente recebeu ao menos uma das esculturas durante sua visita ao Oriente Médio em 2021. Os presentes, porém, não foram encontrados;
  • Segundo a PF, os bens foram levados pela comitiva do presidente aos Estados Unidos em dezembro de 2022, mas não foram vendidos porque não eram de alto valor. Os objetos, então, voltaram ao Brasil, mas não foram incorporados ao acervo presidencial.

O relatório da PF apontou a existência de uma organização criminosa no entorno de Bolsonaro, que atuou para desviar itens de luxo. O ex-presidente foi indiciado por organização criminosa, lavagem de dinheiro e peculato.

Em nota à imprensa, os advogados de Bolsonaro alegaram que o ex-presidente não tem qualquer ingerência no processo de tratamento e catalogação de presentes e que isso seria responsabilidade de “servidores de carreira que vinham de gestões anteriores”. A defesa também nega que o ex-presidente tenha se beneficiado da suposta venda dos itens, ao contrário do que mostram as investigações da PF.

Onze contêineres

A terceira desinformação usa um trecho de uma entrevista de Lula transmitida pela TVT em março de 2016, afirmando que recebeu 11 contêineres de presentes. A entrevista foi compartilhada fora de contexto pelo deputado estadual Ricardo Arruda (PL-PR) e pelo senador Rogério Marinho (PL-RN) para defender Bolsonaro e alegar que haveria uma diferença de tratamento da Justiça entre Lula e Bolsonaro.


Senador Rogério Marinho tira de contexto o trecho de uma entrevista concedida em 2016 por Lula. A entrevista ocorreu meses antes do TCU alterar o entendimento sobre o destino de presentes recebidos por chefes de Estado

As publicações, que somam mais de 250 mil visualizações, omitem que a entrevista foi concedida meses antes de o TCU alterar o entendimento sobre o destino dos presentes recebidos por chefes de Estado e que, após a mudança na norma, Lula devolveu os itens. Até então, os objetos estavam armazenados em 11 contêineres da transportadora Granero

Cofre do Lula

A quarta desinformação partiu do ex-deputado federal de São Paulo Coronel Tadeu (PL), que compartilhou uma reportagem de 2016 da revista Veja sobre itens encontrados em um cofre de Lula no Banco do Brasil para alegar que o caso foi abafado pela mídia. A publicação do ex-parlamentar acumula mais de 8.000 curtidas no Instagram.

É fato que, durante a Operação Lava Jato, a Polícia Federal encontrou uma sala-cofre em uma agência do Banco do Brasil em São Paulo que continha presentes recebidos por Lula durante seus dois primeiros mandatos. Os próprios procuradores da operação concluíram, no entanto, que os bens eram de “caráter personalíssimo ou de consumo” e não precisavam ser integrados ao acervo da Presidência.

Outro lado. Aos Fatos procurou o ex-presidente Jair Bolsonaro, os deputados federais Bia Kicis e Capitão Alden, o senador Rogério Marinho, o deputado estadual Ricardo Arruda e o ex-deputado Coronel Tadeu para que pudessem comentar a reportagem, mas não houve retorno. O texto será atualizado em caso de resposta.

O caminho da apuração

Aos Fatos buscou as informações citadas pelas reportagens das revistas ‘IstoÉ’ e ‘Veja’ e constatou que os textos foram distorcidos pelos parlamentares nas redes. Para desmentir as alegações e apresentar o contexto correto, consultamos as decisões do TCU sobre o destino de presentes recebidos por chefes de Estado e o relatório da PF que indiciou Bolsonaro no caso das joias.

Referências

  1. g1
  2. IstoÉ
  3. Aos Fatos
  4. TCU (1, 2, 3, 4, 5 e 6)
  5. BBC
  6. Gazeta do Povo
  7. O Globo (1 e 2)
  8. O Estado de S. Paulo (1 e 2)
  9. UOL
  10. CNN Brasil
  11. YouTube
  12. Veja

Compartilhe

Leia também

Conspiradores criam mentira para relacionar Bill Gates, Mpox e ‘chemtrails’

Conspiradores criam mentira para relacionar Bill Gates, Mpox e ‘chemtrails’

Anielle Franco é alvo de ataques misóginos nas redes

Anielle Franco é alvo de ataques misóginos nas redes

falsoÉ falso que WhatsApp baniu usuários críticos a Moraes

É falso que WhatsApp baniu usuários críticos a Moraes