Um relatório da PF (Polícia Federal) mostra que militares investigados por arquitetar uma tentativa de golpe de Estado com o apoio do então presidente Jair Bolsonaro (PL), como o tenente-coronel e ajudante de ordens Mauro Cid, se aliaram ao comentarista Paulo Figueiredo, da Jovem Pan, para espalhar informações falsas e sujar a reputação de generais que se opunham à quebra da democracia.
A informação é citada na decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, que autorizou prisões e buscas realizadas pela PF nesta quinta-feira (8), no âmbito da Operação Tempus Veritatis. Moraes proibiu Paulo Figueiredo de manter contato com os outros investigados.
Segundo Moraes, a investigação da PF mostra que militares puseram em ação um plano para concretizar o golpe de Estado — “emergindo, inclusive, a tática de investir contra militares não alinhados às iniciativas de golpe, também por meio de disseminação de notícias falsas, tudo com o objetivo de incitar os integrantes do meio militar a se voltarem contra os comandantes que se posicionam contra o intento criminoso”.
- Em 28 de novembro de 2022, o coronel Correa Neto organizou uma reunião, em Brasília, com outros militares formados no curso de Forças Especiais que apoiavam a tentativa de golpe, os chamados Kids Pretos;
- Segundo a PF, “a investigação identificou que Correa Neto agia como ‘homem de confiança’ de Mauro Cid, executando tarefas fora do Palácio do Alvorada que o então ajudante de ordens do presidente da República, por razão de seu ofício, não conseguiria desempenhar”.
- No mesmo dia, o coronel enviou a Cid um documento que, segundo a PF, foi elaborado durante a reunião “com a finalidade de ser um instrumento de pressão ao então comandante do Exército general Freire Gomes”;
- Moraes classifica o documento como um “manifesto de oficiais superiores com clara ameaça de atuação armada”;
- Em mensagem a Cid, Correa Neto escreveu: “Assista o Pongo nos Is hoje. O Prec, o Espora Dourada e o Bigode serão expostos”;
- “Eu sei…. Hahahahaha”, responde Mauro Cid. “Vc conhece ele?”, questiona na sequência;
- “Quem? Se for o PF [Paulo Figueiredo] não, mas conheço quem conhece”, respondeu Correa Neto;
- Ainda no dia 28 de novembro, por volta das 21h30, o comentarista Paulo Figueiredo afirmou no programa Os Pingos nos Is, da Jovem Pan, que “3 dos 14 [generais do Exército] têm se colocado de forma aberta na articulação contra uma ação mais direta, mais contundente das Forças Armadas”;
- Os generais que tiveram os nomes citados por Figueiredo — Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, comandante militar do Sudeste; Richard Fernandez Nunes, comandante militar do Nordeste; e Valério Stumpf Trindade, chefe do Estado-Maior do Exército — eram os mesmos que o coronel Correa Neto buscava expor, conforme a troca de mensagens que ele teve com Mauro Cid naquele dia;
- Nos dias seguintes, os generais viraram alvo de ataques nas redes. Postagens alegavam que eles teriam ligações com Alexandre de Moraes e com o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e teriam “traído o povo na porta dos quartéis”;
Entre 29 de novembro e 3 de dezembro de 2022, o Radar Aos Fatos identificou ao menos 39 compartilhamentos de correntes difamatórias com foto e nome completo dos generais.
- Os textos acusavam os oficiais de serem “melancias” — expressão pejorativa usada para designar militares que seriam “comunistas” (de trajes verdes por fora, mas vermelhos por dentro);
- Na época, bolsonaristas que não aceitavam o resultado das eleições estavam acampados na frente dos quartéis, pedindo intervenção militar;
- Segundo a PF, “os diálogos sugerem (…) que os investigados tinham consciência da ilicitude das condutas praticadas e buscavam suprimir provas que pudessem incriminá-los, em ação típica de organização criminosa”.
Um relatório da PF revelado em decisão anterior de Moraes, em agosto do ano passado, já havia mostrado uma ligação entre Paulo Figueiredo e o tenente-coronel Mauro Cid, conforme o Aos Fatos mostrou à época.
Mensagens trocados por Mauro Cid já mostravam que ele relatou a desconfiança do então presidente Jair Bolsonaro (PL) com integrantes do alto comando do Exército na mesma época em que Figueiredo iniciou a onda de ataques.
Na época, o general da reserva Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército aliado de Bolsonaro, saiu em defesa dos oficiais alvos da campanha, mas finalizou o posicionamento em tom golpista. “Nossa força, em algum momento, pode ser instada a agir”, publicou nas redes.
Outro lado. Em transmissão ao vivo no YouTube, na tarde desta quinta (8), Figueiredo afirmou: “Eu me sinto redimido aqui. A Justiça, não a Justiça dos homens, mas a Justiça com J maiúsculo acabou sendo feita: tá aí para todos que queriam ver dentro da decisão do [ministro] Alexandre [de Moraes]. Eu não falava nada da minha cabeça. E a decisão, eu tenho que ser bem sincero, é só uma fração das pessoas com quem eu conversava. Nos meses de novembro, dezembro, outubro, eu não tive vida. Eu não tinha final de semana. Era o dia inteiro conversando com fontes civis e militares”.
“Como é que eu passar as informações recebidas por militares é desinformação? Ora, é informação. Tudo que eu dizia está confirmado pela decisão do Alexandre”, afirmou mais à frente.
“Eu imagino, possivelmente, que havia pessoas lá dentro [do governo Bolsonaro] que até quisessem um golpe ou uma intervenção militar, é absolutamente possível. Agora, quem me acompanha por outro lado deve ter visto eu dizer dúzias de vezes no ar que eu era contra qualquer tipo de golpe, qualquer tipo de intervenção militar.”
Colaborou Gisele Lobato.
Este texto foi atualizado às 17h24 do dia 8 de fevereiro de 2024 para incluir a manifestação de Paulo Figueiredo.