Médico engana ao dizer que exame RT-PCR gera 97% de falsos positivos para Covid-19

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Em vídeo que circula nas redes sociais (veja aqui), o médico Alessandro Loiola distorce e falseia informações ao alegar que exames RT-PCR geram 97% de diagnósticos falsos positivos para Covid-19 e que estudos na Itália e nos EUA indicaram que o total de mortes pela doença tem sido superestimado.

O que checamos:

1. Não é verdade que um estudo apontou que testes RT-PCR geram 97% de falsos positivos. Loiola distorce uma carta publicada em um periódico científico que aborda a medição da carga viral nas amostras de exames, não a confiança do resultado em si. Hoje, pesquisadores estimam que em torno de 5% dos diagnósticos resultam em falsos positivos;

2. Um centro de pesquisas de Oxford não concluiu que só 12% das mortes por Covid-19 na Itália foram de fato causadas pelo vírus. Essa afirmação é uma versão distorcida da declaração dada por um médico italiano no ano passado. Ele explicou depois que os demais óbitos também foram considerados como decorrentes do coronavírus, ainda que os pacientes tivessem apresentado outras enfermidades;

3. O CDC de fato apontou em levantamento de agosto do ano passado que 6% das mortes registradas por Covid-19 nos EUA até aquele momento haviam ocorrido exclusivamente em razão do vírus. O órgão do governo americano, entretanto, também considerou que os demais óbitos foram desencadeados por condições associadas à infecção pelo Sars-CoV-2.

O vídeo com as alegações enganosas circula em aplicativos de mensagem, como o Telegram e o WhatsApp. Nesta última, ele foi enviado por dezenas de leitores do Aos Fatos como sugestão de checagem (inscreva-se aqui). A gravação também circula no YouTube e no Facebook, onde reunia ao menos 3.000 compartilhamentos nesta quarta-feira (3) e foi marcada com o selo FALSO na ferramenta de verificação da rede social (saiba como funciona).


Em 28 de setembro de 2020 foi publicado um estudo na revista Clinical of Infectious Diseases (...) nesse trabalho eles avaliaram 3.970 pessoas que tiveram resultado de PCR positivo. E o que eles observaram é que quando você utiliza o PCR com mais de 35 ciclos nós temos apenas 3% de resultados confiáveis (...) ele produz 97% de falsos positivos (...) de cada 10 pessoas que foi colocado que morreram com ou de Covid, 9 nem o vírus tinham.

O texto citado por Loiola não é um estudo, mas uma carta enviada ao periódico por um grupo de cientistas, entre eles Didier Raoult, autor de um estudo que apontava a eficácia da cloroquina contra Covid-19 e que depois reconheceu erros na análise. À revista, eles afirmaram que uma análise de cultura celular em laboratório a partir de exames RT-PCR positivos indicou que apenas 3% dos testes ficaram positivos após análises de mais de 35 ciclos - o que não tem nada a ver com 97% dos diagnósticos serem falsos.

O ciclo é uma variável considerada dentro dos exames RT-PCR chamada Ct (do inglês, Cycle Threshold). Ela pode categorizar de maneira mais ampla a concentração do material genético do vírus na amostra do paciente. Isso é medido pela quantidade de vezes que a amostra é analisada em laboratório até que o vírus seja detectado: quanto menos ciclos até a detecção do Sars-CoV-2, maior pode ser a carga viral do paciente. Se mais ciclos forem empregados até o diagnóstico positivo, menor seria a quantidade de vírus no organismo.

Portanto, os cientistas afirmam na carta que, ao submeterem todas as amostras positivas a mais de 35 ciclos, somente 3% seguiam dando positivo para o Sars-CoV-2. Não é mencionado em nenhum momento que isso seria um indicativo de que os demais 97% representam resultados falsos positivos nem que o Ct é capaz de medir isso exatamente.

“A diferença [entre as amostras analisadas] é que alguns tinham uma alta carga viral e, portanto, ainda eram contagiosos, e os outros tinham uma baixa carga viral, ou seja, menos contagiosos", afirmou ao Aos Fatos Laura de Freitas, farmacêutica, doutora em biociências e biotecnologia e pesquisadora da USP (Universidade de São Paulo). "A [relação entre] número de ciclos e resultados positivos não se refere aos casos em si, mas à capacidade de contágio. Também não há comprovação nesse sentido, e o que foi apresentado [na carta] não impacta em nada a contagem de casos positivos", completou.

Um artigo de pesquisadores americanos publicado em setembro do ano passado como preprint, ainda não revisado por pares, indicou que o índice de falsos positivos em exames de RT-PCR para Covid-19 pode girar em torno de 2,3 e 6,9%. Esse intervalo compreende os 5% de diagnósticos falsos apontados por José Eduardo Levi, virologista do grupo Dasa, uma das principais redes de medicina diagnóstica do Brasil, ao Aos Fatos, por e-mail.

Teste. O RT-PCR é o padrão ouro recomendado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), assim como por outras agências, a exemplo CDC (Centros de Controle de Doenças), nos EUA, e o Centro Europeu de Prevenção e Controle das Doenças (ECDC), da União Europeia, devido à sua alta sensibilidade e especificidade para detectar ácido ribonucleico (RNA) viral.

O exame é utilizado para detectar o material genético do vírus na fase aguda da doença (entre o 3° e o 7° dias do início dos sintomas), identificando a presença do RNA do vírus SARS-CoV-2 em amostra obtida por meio de swab (cotonete) na mucosa nasofaringe (nariz e garganta).


Teve uma revisão do Clinical Evidence based Medicine, que é um grupo ligado à Universidade de Oxford. Eles fizeram uma revisão no ano passado e viram que só 12% dos pacientes que morreram na Itália, cuja morte foi anotada na conta do Covid, poderiam ser realmente considerados como pacientes que realmente morreram por causa do vírus.

Não foi o Centro de Medicina Baseada em Evidências da Universidade de Oxford, na Inglaterra, quem divulgou o percentual citado por Loiola neste trecho do vídeo. A referência, na realidade, está baseada em uma fala do médico italiano Walter Ricciardi, que foi tirada de contexto nas redes sociais em março do ano passado.

Em uma entrevista ao jornal O Globo em abril de 2020, Ricciardi, que é assessor do Ministério da Saúde da Itália e representante do país na OMS (Organização Mundial da Saúde), disse que o que houve foi uma reavaliação dos casos feita pelo Instituto Nacional de Saúde italiano, que mostrou que, até aquele momento da pandemia, 88% das vítimas tinham outras doenças, mas não que o coronavírus não tivesse tido impacto nesses óbitos.

“Todas elas aconteceram em pessoas infectadas pelo Sars-CoV-2, somente 12% foram causadas diretamente pelo coronavírus em vítimas sem outras doenças, os outros casos tinham uma ou mais comorbidades”, explicou.


Uma outra revisão, feita pelo CDC, mostrou que só 6% dos milhares de prontuários de pessoas que morreram, entre aspas, de Covid, (...) poderiam ser colocados na conta do vírus.

De fato, um levantamento divulgado pelo CDC (Center for Disease Control, órgão de saúde do governo americano) em 26 de agosto do ano passado indicou que, dos 164.280 óbitos por Covid-19 registrados até aquele momento nos EUA, 6% mencionavam a doença como a única causa da morte (a taxa permanece a mesma desde então). Isso não quer dizer, porém, que o vírus não contribuiu para os demais óbitos registrados, como afirmou o órgão ao Aos Fatos.

Em nota, o CDC explicou que a doença era listada como a causa básica de morte em 92% de todas as mortes nos EUA que mencionavam a Covid-19 até a data do levantamento. Ou seja, a infecção pelo vírus foi a condição que deu início à cadeia de eventos que culminou com a morte da pessoa. Além disso, a lista incluía condições agudas que poderiam ter ocorrido como resultado da Covid-19, como pneumonia, insuficiência respiratória ou infecções causadas durante a internação no hospital.

O Aos Fatos já checou essa alegação no ano passado. Na época, ela tinha sido mencionada pelo jornalista Alexandre Garcia, em vídeo publicado no YouTube.

De acordo com o pesquisador do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Marcelo Brandão, Loiola distorceu os resultados ao simplificá-los demais: “a ideia do CDC foi falar o seguinte: dentro desse universo que nós estamos olhando, 6% [das mortes] não têm ligação com nenhuma outra comorbidade conhecida. Nos outros 94%, existia algum índice de comorbidade que pode sim estar relacionado à doença. A Covid foi uma catalisadora desse óbito”.

Outro indício que contraria a versão de Loiola é que o próprio levantamento do CDC traz uma visualização com o excesso de mortes durante a pandemia de Covid-19. O órgão estimava, de 1º de fevereiro de 2020 a 16 de janeiro deste ano, entre 386.513 a 517.041 mortes em excesso. Esse dado é calculado com base no número de mortes registradas por ano ao longo de uma série histórica. Quando o número ultrapassa as estimativas previstas, as mortes são contabilizadas como excedentes.

Outro lado. Procurado por Aos Fatos, o médico Alessandro Loiola respondeu por e-mail que sustenta o seu posicionamento, e que a pandemia está superdimensionada. Em janeiro, Aos Fatos checou um outro vídeo em que ele faz alegações falsas sobre as vacinas contra Covid-19.


De acordo com nossos esforços para alcançar mais pessoas com informação verificada, Aos Fatos libera esta reportagem para livre republicação com atribuição de crédito e link para este site.

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