Marco Civil exige que plataforma estrangeira respeite lei brasileira

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Prints de uma nota da comunidade no X enganam ao afirmar que plataformas estrangeiras não são obrigadas a manter escritório no Brasil. Embora o Marco Civil da Internet não traga exigência explícita sobre o tema, ele estabelece que os provedores devem seguir a legislação local. Mesmo que haja opiniões divergentes, a jurisprudência indica que, para garantir o cumprimento da lei, a nomeação do representante legal é necessária.

Na tarde desta quarta-feira (26), a nota da comunidade já não estava mais disponível no post original do X, mas prints da publicação contavam com milhares de compartilhamentos na rede e circulavam também no WhatsApp, plataforma em que não é possível estimar o alcance dos posts (fale com a Fátima).

A jornalista afirmou que as redes sociais são obrigadas a ter escritório no Brasil e que isso está no Marco Civil da Internet. Ambas as afirmações são falsas.

Tuíte da Globo News apresenta reportagem que tem como título “Musk sugere sanções econômicas a Moraes”. Na tela, aparece uma repórter loira, de pele branca e blusa bege, segurando um microfone. Abaixo, aparece uma nota da comunidade do X que diz: “a jornalista afirmou que as redes sociais são obrigadas a ter escritório no Brasil e que isso está no Marco Civil da Internet. Ambas as afirmações são falsas. A exigência seria implantada pelo PL 2630/2020, que não foi aprovado no Congresso.” 

Posts nas redes enganam ao afirmar que plataformas estrangeiras não são obrigadas a ter escritório no Brasil. Apesar de o tema ser alvo de debate entre juristas e não haver uma menção explícita nas leis sobre a exigência, a jurisprudência atual interpreta que a obrigatoriedade existe.

No ano passado, em decisão que suspendeu o X pelo descumprimento de determinações da Justiça brasileira, o STF (Supremo Tribunal Federal) definiu que plataformas estrangeiras devem ter representação no Brasil para cumprir dispositivos legais previstos em normas como o MCI (Marco Civil da Internet, lei nº 12.965/2014) e a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados, lei nº 13.709/2018).

Proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, a decisão foi confirmada por unanimidade pela 1ª Turma do STF. Na prática, portanto, mesmo que não exista um dispositivo explícito nas leis sobre a obrigatoriedade, a jurisprudência traz essa exigência.

João Victor Archegas, pesquisador do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade), lembra que o MCI não prevê a necessidade de representação, mas possui um dispositivo que pode “levar a uma eventual interpretação” sobre essa obrigatoriedade. Trata-se do artigo 11º do texto, que prevê que qualquer plataforma que ofereça serviços ao público brasileiro é obrigada a respeitar a legislação do país.

A regra se aplica mesmo no caso de empresas estrangeiras, bastando que o serviço do provedor tenha sido acessado por um terminal situado no Brasil. Ou seja, mesmo uma plataforma que não tem escritório no Brasil — como o Rumble — precisa oferecer no país serviços que respeitem as leis e determinações da Justiça brasileira.

A divergência no debate entre juristas se concentra, sobretudo, na forma como as autoridades podem obrigar as empresas estrangeiras a cumprir as leis do Brasil:

  • Havendo um representante legal, ele pode ser acionado diretamente pelo Judiciário brasileiro;
  • Sem essa exigência, os juízes brasileiros acionam a empresa por meio do Judiciário do país onde ela está instalada, enviando uma carta rogatória.

“Existem variações no entendimento, porque realmente não é algo consolidado, não é explícito”, explica Pedro de Perdigão Lana, advogado especializado em novas tecnologias.

Lana ressalta que o MCI não é a única norma que regula a operação das plataformas digitais, e a necessidade de nomeação de um representante legal é discutida também com base em outros dispositivos:

  • O art. 1.138 do Código Civil (lei nº 10.406/2002) diz que a sociedade estrangeira autorizada a funcionar no Brasil “é obrigada a ter, permanentemente, representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade”;
  • Já o artigo 61 da LGPD afirma que, para que a lei seja cumprida, a empresa estrangeira será notificada “na pessoa do agente ou representante ou pessoa responsável por sua filial, agência, sucursal, estabelecimento ou escritório instalado no Brasil”.

Nenhum desses artigos diz claramente que todas as empresas de internet precisam de um representante legal, o que abre espaço para debates no mundo jurídico.

“A regra geral é que empresas estrangeiras que operam no Brasil não são obrigadas a ter representantes legais no Brasil, só se elas forem empresas estrangeiras autorizadas a serem constituídas no Brasil, que são hipóteses muito raras”, analisa Bruno Teixeira, doutor em direito internacional pela USP, indicando que a maioria das empresas que obtêm a autorização formal de operação são companhias aéreas.

O advogado explica, porém, que muitas empresas estrangeiras acabam sendo obrigadas a indicar um representante legal “por força de questões tributárias”, para fins de transferência de lucro para o exterior, porque operam no Brasil por meio de subsidiárias controladas pela matriz.

Esse é o caso, por exemplo, da empresa estrangeira Facebook Miami, INC., que controla a subsidiária brasileira da Meta, registrada como Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. Além de a filial brasileira ter seu próprio CNPJ, a matriz que está no exterior também possui um representante legal.

O caminho da apuração

Aos Fatos entrevistou advogados para entender o conflito de interpretações da legislação. A reportagem também consultou o texto das leis e a decisão do STF no caso do X.

Referências

  1. g1
  2. Planalto (1, 2 e 3)
  3. STF
  4. Carta Capital

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