Pré-candidato, Marçal oferece prêmio a seguidores e especialistas veem infração eleitoral

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O pré-candidato a prefeito de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) descumpriu a legislação eleitoral ao oferecer prêmios em dinheiro para estimular seguidores a compartilharem cortes de seus vídeos, segundo especialistas ouvidos pelo Aos Fatos. Os cortes são vídeos curtos que destacam trechos de conteúdos maiores, como palestras e entrevistas.

Os pagamentos são oferecidos por meio de campeonatos promovidos pela comunidade Cortes do Marçal, no aplicativo Discord, que remunera donos de perfis nas redes que conseguirem os melhores desempenhos compartilhando conteúdos do pré-candidato. Na última edição, foram oferecidos prêmios entre R$ 50 e R$ 5.000, de acordo com o número de visualizações obtido ou a quantidade de vídeos postados, entre outros critérios.

De acordo com advogados especializados em direito eleitoral entrevistados pelo Aos Fatos, a remuneração de seguidores em troca de engajamento pode configurar abuso de poder econômico. Caso a candidatura de Marçal seja oficializada e seja comprovada a irregularidade, é possível que seu registro seja cassado.

Em entrevista ao Festa da Firma Podcast, que foi ao ar em março no YouTube, Marçal atribuiu a um “campeonato de corte” que estava produzindo o fato de seus conteúdos terem “furado a bolha”. Na entrevista, o influenciador disse que tinha “4.000 pessoas fazendo corte” para ele. O coach não mencionou o nome do Discord, afirmando que o campeonato era realizado “num aplicativo”. “Têm garotos de 18 anos ganhando R$ 400 mil com os meus cortes”, completou.

Para a advogada especializada em direito eleitoral Luiza Portella, o fato de Marçal não administrar pessoalmente o canal no Discord não descaracterizaria seu uso eleitoral. “O candidato beneficiado também é responsabilizado. Isso já é suficiente, ainda mais se essas pessoas [que conduzem o dia a dia do canal] tiverem vínculo direto com ele.”

Segundo o calendário do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a propaganda política para as eleições deste ano só é autorizada a partir de 16 de agosto. “Até lá, qualquer publicidade ou manifestação com pedido explícito de voto pode ser considerada irregular e é passível de multa”, diz o órgão.

Além dos pedidos explícitos de voto, também é vedada na pré-campanha a publicidade que utilize recursos proibidos durante a campanha — como a propagação de desinformação sobre concorrentes, por exemplo.

Reportagem de junho do jornal O Globo já tinha mostrado que Marçal estava usando o Discord para turbinar sua presença nas redes. Agora, porém, o Aos Fatos identificou que a campanha fez referências diretas à corrida pela Prefeitura de São Paulo, o que pode colocar a estratégia de marketing em choque com a legislação eleitoral.

O regulamento da última disputa — que durou de 24 de junho a 7 de julho — obrigava os competidores a incluírem hashtags na legenda dos vídeos. Uma delas era #prefeitomarçal.

Print de comunidade no Discord, com fundo preto e foto de Pablo Marçal no canto superior esquerdo, exibe uma coluna de canais ao lado esquerdo e, à direita, o regulamento das competições. Destaque na parte inferior da imagem mostra regra que exige que competidores postem a hashtag #prefeitomarçal
Regulamento de competição promovida pela comunidade Cortes do Marçal, no Discord, exige postar hashtag com menção às eleições municipais (Reprodução/Discord).

A intenção do coach em disputar o cargo de prefeito de São Paulo também consta no material distribuído pelos administradores da comunidade no canal “banco-youtube”, onde estão links para os vídeos usados como base para os “cortes”.

“Eu não pretendo chegar no segundo turno porque não vai ter segundo turno!”, é o título de um vídeo publicado por Marçal no YouTube e distribuído no Discord no dia 10 de julho. O conteúdo é um trecho da sabatina realizada no mesmo dia pelo UOL e pela Folha de S.Paulo com o pré-candidato.

Irregularidades

Advogados especializados em direito eleitoral ouvidos pelo Aos Fatos entendem que as competições promovidas no Discord estão em desacordo com a legislação e poderão trazer problemas à futura candidatura do influenciador.

“Mais do que propaganda antecipada, que gera multa, trata-se de antecipação de gastos de campanha eleitoral em período vedado, o que pode resultar na cassação do registro”, avalia Vania Aieta, coordenadora geral da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).

“Ele está antecipando uma campanha, com gastos, sem poder. É um problema sério nas contas”, explica.

Para a advogada especializada em direito eleitoral Carla Nicolini, porém, a promoção dos concursos não pode ser considerada antecipação de gastos, porque a estratégia adotada não seria permitida nem após o início oficial da campanha.

“Na pré-campanha, você pode fazer um impulsionamento, mas no caso dele, ele está fazendo um pagamento, uma retribuição para esse engajamento, e isso é vedado na campanha e é vedado na pré-campanha”, explica.

Nicolini lembra que, embora perfis nas redes sociais possam fazer propaganda para um candidato, a resolução 23.732/2024 do TSE, publicada em fevereiro deste ano, veda “a remuneração, a monetização ou a concessão de outra vantagem econômica como retribuição” aos donos dos canais que participarem de uma campanha política.

“A resolução até permite que se faça mobilizações para engajamento, inclusive por meio de hashtags, mas ela deve ser orgânica e espontânea, não pode ser remunerada”, diz a especialista, que explica que a infração pode gerar multas de R$ 5.000 a R$ 30 mil.

Lista de prêmios oferecidos por Pablo Marçal em seu canal do Discord
Comunidade Cortes do Marçal, no aplicativo Discord, tem canal que mostra prêmios oferecidos a seguidores que compartilharem conteúdo nas redes; TSE veda remuneração por engajamento (Reprodução/Discord).

Caso a candidatura de Marçal seja oficializada, ela também poderá ser alvo de ações de partidos ou do Ministério Público Eleitoral pedindo que a Justiça apure se houve abuso de poder econômico na estratégia, dependendo da dimensão do engajamento obtido pelas competições.

Segundo a prestação de contas da própria comunidade Cortes do Marçal no Discord, só os 15 vencedores da competição por alcance somaram mais de 14,4 milhões de visualizações em cortes publicados entre 24 de junho e 7 de julho. Cada um desses vencedores recebeu de R$ 300 a R$ 5 mil.

A comunidade possui mais de 112 mil membros e é estimulada a postar cortes também fora do período de competições, sob o argumento de que a movimentação ajuda a “esquentar” os perfis para os algoritmos das redes, garantindo melhor desempenho nas disputas.

Abuso de poder econômico

A advogada Luiza Portella vê abuso de poder econômico na estratégia usada para promover Marçal. “Ele está usando de recursos para ter uma projeção e se destacar de forma ilícita, gerando desequilíbrio no pleito”.

Portella pondera que a legislação permite o compartilhamento de conteúdo por apoiadores, “mas a promessa de prêmios é complicada”. “Essa conduta pode ser entendida como abuso de poder econômico e ser processada, podendo gerar cassação de registro e de diploma”, explica.

Também o advogado especializado em direito eleitoral Carlos Sérgio de Carvalho Barros considera “claríssimo o abuso de poder econômico” na conduta do influenciador nas redes. “O desafio é provar as circunstâncias, o montante gasto e o engajamento conseguido com isso”, complementa.

Segundo Barros, a mera promessa de prêmios em dinheiro “já desequilibra” a disputa eleitoral, mas a conduta seria agravada caso ficasse comprovado que os pagamentos realmente ocorreram – o que os administradores da comunidade Cortes do Marçal garantem aos seguidores que sim.

Na avaliação do advogado, mesmo se os seguidores compartilhassem apenas vídeos motivacionais do coach, sem a hashtag que faz referência à corrida pela prefeitura, a estratégia já poderia ser alvo de questionamentos.

“A promoção pessoal do pré-candidato, com a utilização de meios e recursos de custos elevados, impacta no processo eleitoral, compromete a lisura, a legitimidade e o equilíbrio necessário que a disputa deve ter”, diz.

Nas eleições de 2022, Marçal não pôde assumir o cargo de deputado federal, ao qual concorreu pelo PROS, porque teve sua prestação de contas de campanha rejeitada pela Justiça Eleitoral.

Outro lado. O Aos Fatos procurou a assessoria de imprensa de Pablo Marçal, por email e WhatsApp, e esta reportagem será atualizada caso chegue um posicionamento.

O caminho da apuração

O Aos Fatos viu um post no X que sugeriu — sem citar nomes — que o Discord estaria sendo usado de forma irregular por pré-candidatos. A informação remeteu à reportagem publicada em junho no jornal O Globo, que falava da comunidade Cortes do Marçal no Discord.

Explorando a comunidade, o Aos Fatos identificou as menções à campanha eleitoral, apurou como funcionava a competição, fez prints e gravações de telas do material compartilhado e submeteu os achados a advogados especializados em direito eleitoral para verificar se a situação estava de acordo com a lei.

Por fim, foi enviado um pedido de posicionamento a Pablo Marçal.

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