O candidato a prefeito de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) caiu em contradição na última quarta-feira (28) ao negar que estaria acusando seu adversário Guilherme Boulos (PSOL) de consumo de drogas com base em um processo sigiloso de um homônimo.
A declaração ocorreu horas depois de a Folha de S.Paulo publicar uma reportagem que afirma que a campanha de Marçal estaria usando um processo por porte de drogas do candidato a vereador Guilherme Bardauil Boulos (Solidariedade) para pressionar seu rival na disputa pela prefeitura, cujo nome completo é Guilherme Castro Boulos.
“Não entendi de onde tiraram isso. Se alguém quer fazer defesa do Guilherme, peça a ele para fazer o exame toxicológico. A questão, que eu já tenho em mãos, eu vou mostrar na hora certa. Se alguém quiser ficar investigando também, tem a ver com internação”, alegou o candidato ao jornal O Globo.
A alegação sobre internação vai de encontro a um posicionamento da própria campanha, que insinuou à imprensa, em comunicado enviado no dia 19 de agosto, que Marçal teria tido acesso a um processo sob segredo de Justiça envolvendo o candidato do PSOL.
“Antes de falar sobre direito de resposta do Boulos, eu gostaria que o Boulos desse ao povo o direito de uma resposta. Por que ele, como um homem público, tem processo em segredo de Justiça até hoje? Seria esse processo por alguma questão envolvendo porte de entorpecentes e drogas ilícitas? Fica a minha indagação”, dizia a nota.
O texto era assinado pelo próprio Marçal e foi enviado a jornalistas que cobrem a campanha após o TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) conceder direito de resposta a Boulos. O tribunal considerou que o ex-coach havia difamado o concorrente ao insinuar que ele cheirava cocaína.
A assessoria de imprensa de Marçal foi procurada para comentar a mudança de versão do candidato, e este texto será atualizado em caso de resposta.
Histórico de ataques
Marçal começou a insinuar que dois de seus concorrentes seriam usuários de cocaína já na cerimônia de oficialização de sua candidatura, em 4 de agosto.
“Faz o exame toxicológico e você vai ver que tem dois que são cheiradores de cocaína, dos que estão concorrendo aí. Calma que vai chegar a sua hora. Eu vou ter que contar isso pra todo pai e mãe de família que a gente quer ter um prefeito que é cheirador de cocaína. Tem que mostrar um prontuariozinho, tá na minha mão”, declarou, segundo o Metrópoles.
Quatro dias depois, no debate realizado pela Band, o ex-coach chamou Boulos de “cheirador de cocaína” e disse que iria mostrar as supostas provas “na hora certa”. O candidato publicou também em suas redes uma propaganda eleitoral em que faz alusão ao consumo da droga pelo adversário.
A partir daí, Marçal passou a dizer que as revelações seriam feitas no último debate, da Globo, marcado para 3 de outubro — a três dias do primeiro turno das eleições.
Segredo de Justiça
De acordo com a Folha de S.Paulo, o processo por porte de droga para consumo pessoal foi instaurado contra Guilherme Bardauil Boulos em 2001 e corria em segredo de Justiça. O caso foi extinto em 2006.
Advogados ouvidos pelo Aos Fatos que costumam atuar em campanhas políticas afirmam ser comum que as equipes jurídicas dos candidatos pesquisem processos dos concorrentes, mas esses levantamentos não deveriam mostrar processos que estão sob sigilo.
“Quando o processo é sigiloso, não dá para saber justamente porque é sigiloso. Só quem tem acesso, em tese, são os advogados habilitados no processo e o cartório”, explicou uma fonte sob condição de anonimato. O especialista também não descarta a possibilidade de a equipe ter recebido ajuda de algum servidor do tribunal para ter acesso à certidão do processo do homônimo de Boulos.
A assessoria de Guilherme Bardauil Boulos afirmou ao Aos Fatos que, como o processo é antigo, não tem mais a cópia da certidão. O candidato a vereador reconheceu ter sido processado por porte de maconha quando era estudante, há 23 anos, e chamou o incidente de “ato imprudente que ocorreu na sua juventude”.
A reportagem também verificou que a ação não é listada no site de nenhum tribunal nem no repositório Jusbrasil.
Questionado pelo Aos Fatos, o Tribunal de Justiça de São Paulo afirmou que não tinha como dizer se a campanha de Marçal teria tido acesso ao documento e que “o juiz corregedor da vara onde tramitaram os autos baixou portaria administrativa para apurar os fatos” após a notícia de que terceiros haviam acessado o processo.
O caminho da apuração
Aos Fatos tinha recebido a nota enviada pela assessoria de imprensa de Pablo Marçal no dia 19, o que permitiu compará-la com as declarações mais recentes do candidato e, então, identificar a contradição.
A reportagem tentou localizar o processo citado pela Folha na primeira e na segunda instância do Judiciário paulista e nos tribunais superiores, sem sucesso.
Foram feitas entrevistas com advogados e com o réu para tentar entender como o processo poderia ter sido acessado. Por fim, foram enviados pedidos de posicionamento ao TJ-SP e à assessoria de Pablo Marçal.