Jefferson Rudy/Agência Senado

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Maio de 2021. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Mandetta falseia fatos sobre a sua gestão na Saúde em depoimento à CPI da Covid-19

Por Amanda Ribeiro, Marco Faustino, Luiz Fernando Menezes e Priscila Pacheco

4 de maio de 2021, 18h10

Em depoimento à CPI da Covid-19 no Senado, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) falseou e distorceu informações, por exemplo, ao dizer que sua gestão entregou 15 mil respiradores, exportou apenas máscaras faciais para a Itália e que combatia a hipótese enganosa de que regiões tropicais seriam menos atingidas pela pandemia.

Os 15 mil equipamentos citados não foram entregues no prazo, e o contrato de compra foi cancelado pelo sucessor de Mandetta na pasta, Nelson Teich; além de máscaras, o ministro autorizou também a exportação de 50 respiradores aos italianos; e não há registros de que sua gestão desmentiu publicamente que regiões quentes sofreriam menos com a Covid-19.

Em resumo o que checamos:

  1. Não é verdade que 15 mil respiradores encomendados da China foram entregues, como disse o ex-ministro. O contrato para a compra foi cancelado pelo ministro Nelson Teich, que sucedeu Mandetta, porque a empresa contratada não honrou os prazos de entrega dos equipamentos.
  2. É falso que foram exportadas apenas máscaras hospitalares para a Itália em março de 2020. Informações publicadas na imprensa e por autoridades italianas na época mostram que também foram exportados ventiladores pulmonares ao país europeu.
  3. Também não procede que as vacinas contra a Covid-19 só tenham começado a ser testadas em seres humanos a partir de maio. Ainda em abril, a farmacêutica Moderna anunciou o início dos testes clínicos de sua imunização de mRNA.
  4. Não é verdade que o Brasil só registrou transmissão comunitária do novo coronavírus depois de 24 de março de 2020. Portaria ministerial publicada no dia 20 daquele mês já reconhecia este tipo de transmissão em todo o território nacional.
  5. Mandetta foi impreciso ao dizer que combateu a hipótese de que regiões tropicais não teriam problemas com a Covid-19. Ele chegou a se questionar sobre o potencial de transmissão do vírus em climas quentes e , após constatar que a hipótese não era verdadeira, não agiu para desmentir alegações de Bolsonaro sobre o tema.
  6. O ex-ministro acertou quando disse que sua gestão autorizou o uso compassivo da hidroxicloroquina, quando não há outro recurso terapêutico para pacientes graves;
  7. Também é verdade que ainda não estavam sendo oferecidas vacinas contra a Covid-19 durante a gestão de Mandetta na Saúde. As pesquisas estavam apenas em fases iniciais.
  8. Por fim, Mandetta também acertou ao dizer que o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) previu que aproximadamente 800 pessoas morreriam pela Covid-19 e que, atualmente, há mais de 400 mil óbitos pela doença.

E todos os 15 mil [respiradores encomendados na China] foram entregues

O contrato para a compra de 15 mil respiradores foi cancelado pelo ministro Nelson Teich, que sucedeu Mandetta à frente da Saúde, porque a empresa de Macau, na China, não honrou os prazos de entrega dos equipamentos. O pagamento acordado, de mais de R$ 1 bilhão, não chegou a ser efetuado, conforme anunciou a pasta em 29 de abril.

Mesmo antes de ser exonerado, Mandetta já havia externado dificuldades para trazer os respiradores da China. Em coletiva de imprensa no dia 8 de abril, ele afirmou que "tínhamos uma compra confirmada com eles [chineses], uma proposta de uma empresa para trazer até 15 mil respiradores, ela teria 30 dias, e ela poderia chegar no 30º dia e dizer que não ia conseguir. Como ela não deu as garantias de trazer, nós descartamos essa possibilidade".

A gestão Teich justificou à época o rompimento do contrato pela falta de entrega dos respiradores e sinalizou que investiria na produção nacional, como afirmou o ministro em maio. Até julho do ano passado, segundo noticiou o Estadão, 7.994 equipamentos produzidos no Brasil haviam sido distribuídos pelo país.


Máscaras. Apenas máscaras [exportamos para a Itália]. 3 milhões de máscaras. (...) Respirador, não.

Questionado pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI) sobre a autorização de exportação de insumos hospitalares à Itália no dia 23 de março de 2020, Mandetta respondeu que teria permitido apenas o envio de máscaras faciais, o que fatos demonstram ser FALSO.

Em publicação no Twitter no dia 23 de março do ano passado, o ministro das Relações Exteriores da Itália, Luigi di Maio, comentou: “Esta é a carga que saiu do Brasil esta noite com ventiladores pulmonares e máscaras, especialmente para nossos hospitais e para aqueles que lutam na linha de frente contra o vírus, em especial no Norte e na Lombardia”. À época, o país europeu enfrentava o colapso de seu sistema de saúde, com explosão no número de casos e escassez de insumos para o tratamento da doença.

Informações publicadas na imprensa brasileira mostram que foram enviadas 2,5 milhões de máscaras e 50 respiradores à Itália. Na ocasião, o então ministro Mandetta argumentou que a autorização de exportação dos insumos, que haviam sido comprados pelo país europeu, se daria por questões humanitárias.

“Antes de mais nada, somos cristãos, nós não dormiríamos com a consciência no lugar. Já tinham comprado, tinham pago, contavam com ela, é o suficiente para abastecê-los por um dia”, afirmou o ministro em entrevista à imprensa no dia 22 de março.


Em maio, depois de eu ter saído do ministério, é que a primeira vacina começa a ter o primeiro teste em humano, que é a fase 2.

É FALSO que as vacinas contra a Covid-19 só tenham começado a ser testadas em seres humanos a partir de maio, como afirma o ex-ministro. No dia 16 de março, um mês antes de Mandetta deixar o comando do Ministério da Saúde, a farmacêutica americana Moderna anunciou a aplicação da primeira dose em um dos voluntários selecionados para os testes clínicos de sua vacina de mRNA.

Documento da OMS do dia 20 de abril relata, ainda, a realização de testes clínicos por outras quatro empresas: a CanSino Biologicals, a Inovio Pharmaceuticals, a Beijing Institute of Biological Products e a Sinovac. No dia 23 de abril, a Universidade de Oxford também anunciou o início de testes clínicos para a imunização desenvolvida em parceria com a AstraZeneca.


Nós só fizemos transmissão comunitária depois do dia 24 de março.

A declaração de Mandetta é FALSA, porque o Ministério da Saúde declarou estado de transmissão comunitária do novo coronavírus em 20 de março de 2020, segundo portaria ministerial publicada à época. Essa forma de transmissão ocorre quando não é mais possível rastrear a fonte de contágio de pacientes com casos confirmados da doença.

Na época, o então secretário Nacional de Vigilância em Saúde, Wanderson Oliveira, afirmou que a portaria reforçava a necessidade de medidas para promover o distanciamento social e evitar aglomerações.

Antes mesmo do anúncio oficial, no entanto, já haviam sido registrados casos de transmissão comunitária em alguns estados. Em São Paulo, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, as primeiras infecções do tipo foram identificadas no dia 12 de março. No dia 14, o Rio de Janeiro também já tinha dois casos de transmissão comunitária. Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Bahia também registravam esse tipo de transmissão antes do dia 20.


Nós combatíamos naquela época [que esteve à frente do ministério] a teoria de que cidades quentes, tropicais, não vão ter problema. Eu alertava Manaus, tinha preocupação com Cuiabá

A declaração de Mandetta é IMPRECISA, pois ele próprio chegou a se questionar sobre o potencial de transmissão do novo coronavírus em climas mais quentes antes que a Covid-19 fosse declarada uma pandemia. Além disso, depois de constatar que a hipótese não era verdadeira, nem Mandetta nem sua gestão no Ministério da Saúde agiram para corrigir publicamente alegações nesse sentido proferidas pelo presidente Jair Bolsonaro.

Em 26 de fevereiro, durante a entrevista coletiva em que foi anunciado oficialmente o primeiro caso da doença no Brasil, Mandetta afirmou que pediria estudos para verificar o comportamento do vírus em regiões tropicais. Dez dias depois, em 6 de março, o então ministro manifestou novamente a dúvida: "não sabemos como vai ser o comportamento do vírus em país tropical, como ninguém sabe”.

Duas semanas após a OMS (Organização Mundial de Saúde) ter decretado a pandemia de Covid-19, entretanto, o tom do ministro já era outro. Em 25 de março, Mandetta reconheceu que não havia diferença no contágio pelo novo coronavírus em regiões mais quentes.

Ao fazer uma brincadeira com Cuiabá (MT), ele disse em entrevista coletiva: “eu fico sempre cuidando muito e pensando, se esse vírus não gostar de sol, não vai ter casos em Cuiabá. Como Mato Grosso demorou um tempão, eu fiquei achando que era o calor de Cuiabá, a minha eterna capital, quase que eu fui pra Cuiabá para ficar lá com meus amigos cuiabanos, mas infelizmente o calor de Cuiabá está ali e o vírus também está ali. Já tivemos casos confirmados em Cuiabá”.

A mudança no tom não se refletiu em correções públicas ao discurso do presidente Jair Bolsonaro, que adotou a tese em sua retórica. Segundo o contador de declarações falsas e distorcidas do mandatário, a ideia de que climas mais quentes sofrem menos com a Covid-19 apareceram ao menos três vezes enquanto Mandetta era ministro. Uma delas, inclusive, em pronunciamento nacional na TV em 24 de março de 2020.

A gestão do ex-ministro também não se empenhou em desmentir essa hipótese institucionalmente. Aos Fatos não localizou esclarecimentos sobre o tema no site da pasta ou em sua página especial de checagens.


A única coisa em relação à cloroquina que o Ministério da Saúde fez, após a consulta ao CFM [Conselho Federal de Medicina] e aos conselheiros todos, era para o uso compassivo, quando não há outro recurso terapêutico para pacientes graves

De fato, no dia 25 de março de 2020, o Ministério da Saúde autorizou uso de cloroquina para casos graves de Covid-19. Em coletiva de imprensa, o ex-ministro Mandetta anunciou a implementação de um protocolo de uso do medicamento, assim como de seu análogo, a hidroxicloroquina, em pacientes hospitalizados.

A utilização dos medicamentos também vinha sendo discutida pelo governo com o CFM (Conselho Federal de Medicina). No fim de abril de 2020, a autarquia liberou o uso da droga mediante autorização de médicos, com a ressalva que não havia (e não há até hoje) comprovação científica das drogas no combate à Covid-19.


Na minha época não foi oferecida [vacina]

De fato, durante a gestão de Mandetta, encerrada em 16 de abril do ano passado, ainda não haviam sido iniciadas negociações entre países e farmacêuticas para a aquisição de vacinas. Isso porque as pesquisas para a produção de imunizantes estavam em fase inicial. Foi a partir da gestão Nelson Teich, em maio de 2020, que o Brasil começou a negociar participações em testes e em cotas de imunizantes que ainda não eram produzidos.

O Ministério da Saúde só anunciou a parceria para o desenvolvimento da vacina Oxford/AstraZeneca no fim de junho, já sob comando do ex-ministro Eduardo Pazuello. Já a parceria para os testes da CoronaVac, desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, só foi anunciada pelo governo de São Paulo em 11 de junho.


Nós estamos em 410 mil [óbitos por Covid-19], ele [Osmar Terra] previu 800

Ao longo da pandemia, o deputado federal e ex-ministro da Cidadania Osmar Terra (MDB-RS) fez uma série de previsões erradas sobre a curva epidemiológica e a mortalidade da Covid-19. Em postagem nas redes em 18 de março de 2020, por exemplo, ele afirmou que o número de óbitos pela doença seria inferior ao registrado em 2019 pela gripe H1N1, de 787 mortes. O número é próximo ao citado por Mandetta.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, 408.622 pessoas morreram no país até o momento em decorrência da Covid-19.

Outro lado. Aos Fatos enviou na tarde desta terça-feira (4) questionamentos à assessoria de Mandetta a respeito das checagens classificadas com os selos FALSO e IMPRECISO, mas ainda não obteve resposta.

Referências:

1. TV Brasil
2. Metrópoles
3. Estadão (Fontes 1 e 2
4. UOL (Fontes 1, 2, 3 e 4)
5. G1 (Fontes 1, 2 e 3)
6. O Globo
7. Twitter (@luigidimaio)
8. Youtube (Ministério da Saúde)
9. Jornal Opção
10. EBC
11. Aos Fatos (Fontes 1 e 2)
12. Ministério da Saúde (Fontes 1, 2 e 3)
13. Governo Federal
14. CNN Brasil
15. Nexo
16. Butantan
17. Poder 360


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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