Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Julho de 2017. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Maia se contradiz sobre aborto e ignora distorções na reforma da Previdência

Por Tai Nalon

19 de julho de 2017, 19h30

Em entrevista nesta segunda-feira (17) ao programa do Roberto D'Ávila, na GloboNews, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), abordou temas como o aborto e a reforma da Previdência.

Aos Fatos checou alguma dessas declarações e verificou que Maia, apesar de defender a legislação atual do aborto, agiu de maneira a permitir sua alteração no fim do ano passado. O presidente da Câmara também afirmou erroneamente que a reforma da Previdência reduz privilégios e que a indexação do salário mínimo à aposentadoria é suficiente para proteger os mais pobres na reforma da Previdência.

Veja abaixo o resultado.


CONTRADITÓRIO

O aborto, naquilo que o Supremo [Tribunal Federal] já avançou, está de bom tamanho.

A declaração de Maia contrasta com uma de suas ações recentes, a reboque de uma decisão não vinculante do Supremo quanto ao aborto.

Tudo começou quando a primeira turma do STF analisou uma ação pelo habeas corpus da equipe médica de uma clínica clandestina de aborto, em 29 de novembro do ano passado, o ministro da corte Luís Roberto Barroso afirmou, em seu voto, que "a criminalização (...) viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade".

Na ocasião, ele afirmou que a penalização do aborto até os três meses de gestação viola os princípios da proporcionalidade e é incompatível com direitos fundamentais como: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, a autonomia da mulher, a integridade física e psíquica da gestante e a igualdade da mulher. Rosa Weber e Edson Fachin acompanharam o voto de Barroso.

A decisão, conforme Aos Fatos mostrou à época, não alterou a legislação que regula o aborto no Brasil, mas foi suficiente para que deputados reagissem. Em 30 de novembro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciou a criação de uma comissão especial para debater o aborto.

"Tenho discutido com muitos líderes que, às vezes, o Supremo legisla. Entendemos que isso aconteceu ontem e minha posição, discutindo com líderes, é que toda vez que entendemos que isso acontece nossa obrigação é responder, porque há uma interferência do Poder Legislativo", disse Maia à época.

A comissão em questão nada tem a ver com o tema. Na verdade, serve para discutir a Proposta de Emenda Constitucional 58/2011, do deputado dr. Jorge Silva (PHS-ES). A PEC, que hoje tramita com a PEC 181/2015, pretende ampliar o período de licença-maternidade para compensar a quantidade de dias de internação de um recém-nascido prematuro. No entanto, abre brecha para que a legislação do aborto no Brasil seja alterada.

Hoje a proposta, analisada em comissão especial, está em fase de audiência pública na Câmara e aguarda o parecer do relator, deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP). A última reunião do colegiado foi em 31 de maio sob os temas "A valorização da família à luz da licença maternidade e defesa da vida"e "O desenvolvimento pleno da família e da sociedade à luz do biodireito".


EXAGERADO

Estamos reduzindo os privilégios daqueles que ganham muito e têm muitos benefícios em sua aposentadoria.

A reforma da Previdência proposta pelo governo não contemplará a totalidade dos servidores federais, embora ataque categorias com salários altos, como as carreiras do Judiciário e do Legislativo. No entanto, uma das primeiras concessões feitas pelo Palácio do Planalto foi a retirada dos militares da proposta em tramitação no Congresso.

Conforme o Anuário Estatístico da Previdência Social, são 151.022 servidores públicos militares aposentados e 148.022 pensionistas, o que corresponde a quase 1/3 dos aposentados do Executivo federal. A atual legislação, que deverá ser mantida por ora, permite que eles se aposentem com a mesma remuneração que recebiam quando ativos.

Além disso, segundo o Anuário Estatístico da Previdência Social de 2015, o mais recente, há 9,82 milhões de pessoas sob os Regimes Próprios de Previdência Social, que englobam as previdências públicas. A maior parte delas é de servidores estaduais: 4,58 milhões distribuídos por todas as unidades da federação, entre contribuintes e beneficiários. Eles também não serão contemplados na atual reforma, já que ficará a cargo de cada unidade da federação estabelecer regras próprias para aposentadoria. O mesmo ocorrerá para os municípios.

Um levantamento de 2014 da Folha de S.Paulo mostrou que o valor médio da aposentadoria dos militares era de R$ 7.741 — mais de dez vezes acima do valor destinado aos trabalhadores rurais, que ganhavam em média R$ 680.

Segundo cálculos do pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Marcelo Medeiros, hoje na universidade americana Yale, em parceria com o pesquisador Pedro Ferreira de Souza, também do Ipea, indicam que o regime do funcionalismo público (civis e miliares) tem a renda quase duas vezes mais concentrada que o regime dos trabalhadores do setor privado.

Eles estabeleceram um coeficiente que mede o nível de concentração de renda na Previdência Social. Nesse índice, quanto mais próximo de 1, maior a concentração.

O coeficiente da Previdência para os trabalhadores sob o regime privado, de CLT, é 0,474. Aquele relativo ao regime de previdência dos servidores públicos federais é de 0,822.

"O que puxa essa concentração para cima é a previdência dos militares e funcionários civis, em boa parte porque para essas pessoas não há teto previdenciário", disse Medeiros ao jornal Valor Econômico.


EXAGERADO

O discurso daqueles [contra a reforma da Previdência] que têm os melhores salários é na linha de que está defendendo os que têm menos. Mas os que ganham menos estão protegidos, pois o governo garantiu indexação do salário mínimo nas aposentadorias.

Parte da fala de Maia está em linha com uma declaração de Temer checada por Aos Fatos em maio passado e que recebeu o selo de EXAGERADO. Na ocasião, o presidente disse que quem fazia campanha contra a reforma da Previdência "são aqueles que ganham 20, 15, 16 [mil reais], que tinham cinco anos a menos, para se aposentar".

No entanto, pesquisa Datafolha realizada entre os dias 26 e 27 de abril aponta que, quanto menor a renda familiar mensal declarada pelo entrevistado, maior a rejeição à proposta do governo.

Se declararam contra a reforma 70% dos entrevistados cujas famílias ganham menos de dois salários mínimos contra 22% favoráveis. Outros 7% não souberam responder e mais 1% se disseram indiferentes. Dentre aqueles cujas famílias ganham mais de dez salários mínimos, 65% são contra a reforma, 29% são a favor, 3% não souberam responder e 2% são indiferentes.

Em relação à garantia de proteção aos pobres, há estudos que mostram que parcelas menos escolarizadas da população podem ficar mais vulneráveis com a reforma. O pesquisador Marcelo Medeiros, do Ipea, demonstrou que o tempo mínimo de contribuição de 25 anos é especialmente lesivo aos pobres. Segundo ele, são essas pessoas que passam mais tempo de sua vida profissional na informalidade, sem contribuir para a Previdência.

No entanto, é na restrição ao BPC (Benefício de Prestação Continuada) que residem as maiores críticas de especialistas à reforma e a como ela poderá afetar os mais pobres. O benefício atende àqueles que têm ao menos 65 anos, não contribuíram tempo suficiente e são extremamente pobres. Além disso, a renda familiar per capita não pode superar um quarto de salário mínimo.

A reforma da Previdência pretende aumentar a idade mínima de acesso ao BPC para 70 anos, o que, para Medeiros, geraria impacto de 1% a 2% do gasto previdenciário total às custas de deixar a população idosa vulnerável.

Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, também analisa da mesma forma. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, ele diz que os trabalhadores mais pobres que não têm como contribuir com a Previdência por estarem na zona rural ou na informalidade representam 38% dos trabalhadores ocupados com entre 40 e 64 anos: cerca de 16 milhões de pessoas.

O pesquisador do Ipea Pedro Ferreira de Souza também faz coro: "Você assume que os mais pobres tenham uma atuação bastante estável no mercado formal. Tenho dúvidas".

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