Não é verdade que o governo Lula vai se aproveitar das queimadas que atingem diversas regiões do país para confiscar propriedades rurais e entregá-las à China, como afirmam posts nas redes. Além de não haver qualquer indício de plano do tipo, a legislação brasileira só permite a expropriação em caso de uso de trabalho escravo ou cultivo de drogas. Também há um limite para aquisição e arrendamento de terras por estrangeiros.
A alegação enganosa acumulava mais de 2.000 curtidas no Instagram e centenas de compartilhamentos no Facebook até a tarde desta quinta-feira (26). A peça de desinformação também circula no WhatsApp, plataforma em que não é possível medir o alcance dos conteúdos (fale com a Fátima).
De acordo com Ernesto Araújo, Lula e Barroso venderam o Brasil para a China. As queimadas fazem parte de um plano de confisco de terras agrícolas, atrás de multas impagáveis impostas pelo governo e consequentemente a transferência dessas terras para o governo chinês
Publicações têm compartilhado uma declaração enganosa do ex-chanceler Ernesto Araújo para acusar o governo Lula de usar as queimadas como uma desculpa para entregar terras brasileiras à China. O argumento não faz sentido por diversos motivos:
- Não há, na legislação brasileira, previsão de confisco de terras por conta de incêndios;
- Mesmo se houvesse essa possibilidade, as terras confiscadas seriam entregues à reforma agrária. Os lotes do programa, por sua vez, só poderiam ser vendidos após um prazo de 10 anos;
- E há limitações para que estrangeiros detenham propriedades em solo brasileiro.
Atualmente, a Constituição Federal, em seu artigo 243, permite apenas a expropriação de propriedades rurais e urbanas “onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei”.
A Carta determina ainda que essas terras devem ser entregues “à reforma agrária e a programas de habitação popular”.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva (Rede), disse estar estudando meios legais para confiscar também propriedades que pertençam a autores de queimadas criminosas. O governo, no entanto, ainda não apresentou nenhum projeto e nem afirmou que pretende expropriar qualquer terra incendiada, como sugerem as publicações enganosas.
Há ainda a lei nº 5.709/1971 que regula a aquisição de terras por estrangeiros. Ela determina que uma pessoa física de outra nacionalidade não pode adquirir ou arrendar mais de 50 MEIs (módulos de exploração indefinida, medida que varia de acordo com o tamanho do município).
A norma também estipula que pessoas físicas e jurídicas estrangeiras não podem ser proprietárias de áreas superiores a um quarto do município em que estão situadas.
A única maneira de um estrangeiro extrapolar esse limite é com autorização do Congresso Nacional, conforme determina a lei nº 8.629/1993.
Sanções. É fato, no entanto, que o governo federal endureceu as penas contra incêndios criminosos por meio do decreto nº 12.189/2024. O texto prevê, por exemplo, multas para quem iniciar fogo em área de vegetação nativa ou para proprietários rurais que não adotarem medidas de prevenção ou combate a incêndios.
Aos Fatos procurou o ex-ministro Ernesto Araújo para que comentasse a checagem, mas não obteve retorno.
O Estadão Verifica também desmentiu esta peça de desinformação.
O caminho da apuração
Aos Fatos buscou na lei brasileira normas referentes ao confisco de terras e à aquisição ou arrendamento de propriedades por estrangeiros. Também procuramos posicionamentos recentes do governo — em especial da ministra Marina Silva.
Por fim, a reportagem procurou o ex-chanceler Ernesto Araújo por meio do endereço de email de sua plataforma de cursos políticos, mas não recebeu nenhum retorno até a publicação.