Posts nas redes sociais omitem dados e ponderações feitas pelos autores de um estudo publicado na revista científica The Lancet para fazer crer que pessoas que já foram infectadas pela Covid-19 não precisam se vacinar. O principal autor do estudo afirmou ao Aos Fatos que, apesar de a infecção pela doença gerar imunidade natural, a vacinação é a forma mais segura de se proteger do vírus. A recomendação vale em especial para pessoas em grupo de risco, como quem tem mais de 60 anos ou comorbidades.
Publicações que omitem informações sobre o estudo acumulavam 12 mil curtidas no Instagram nesta segunda-feira (27).
A imunidade natural é duradoura e NA PIOR DAS HIPÓTESES tão eficaz quanto as vacinas para prevenção de reinfecção ou de formas severas da doença (...) Como justificar obrigar pessoas que JÁ TIVERAM INFECÇÃO POR COVID a serem vacinadas se, na verdade, já estavam imunes? Malversação do dinheiro público, exposição de pessoas a risco desnecessário
Uma pesquisa publicada na revista científica The Lancet em fevereiro de 2023 tem sido difundida de forma distorcida nas redes para fazer crer que pessoas que já tiveram Covid-19 não precisam se vacinar. As publicações também sugerem que a imunidade natural, adquirida após contrair a doença, seria melhor do que tomar duas doses das vacinas de mRNA (RNA mensageiro) da Pfizer e da Moderna.
A metanálise agregou os resultados de 65 estudos feitos em 19 países e apontou que o nível de eficácia e duração da proteção contra reinfecção, doença sintomática e doença grave de pessoas que já tiveram Covid-19 é ao menos equivalente em relação a pessoas que nunca tiveram a doença e tomaram duas doses dos imunizantes da Pfizer e da Moderna. Essa conclusão, no entanto, não dispensa a necessidade de vacinas, como é pontuado no estudo.
Stephen Lim, diretor de Ciência e Engenharia do IMHE (Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde), da Universidade de Washington (EUA), e principal autor da pesquisa, afirmou ao Aos Fatos por email que os dados não permitem concluir que a imunidade obtida por infecção seja melhor que a vacinação, que é a forma mais segura de se proteger contra a doença. Essa visão é corroborada pela SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).
“Mencionamos claramente no estudo que a proteção de uma infecção prévia em comparação com a conferida pela vacinação deve ser ponderada contra os riscos de morbidade e mortalidade graves associados à infecção inicial”, disse Lim.
Devem ser considerados ainda fatores como o perfil de risco dos indivíduos, o tempo decorrido após a infecção e a variante do vírus, já que o nível de proteção muda de acordo com a cepa e diminui com o tempo.
“A vacinação é importante para proteger populações de alto risco, como pessoas com mais de 60 anos; aquelas com comorbidades; pessoas que não foram previamente infectadas ou vacinadas; e aqueles que foram infectados ou receberam a última dose de vacina há mais de seis meses”, continua o pesquisador.
A análise não permite dizer o quão longínqua é a imunidade natural, uma vez que não foram analisados dados após dez meses a partir da infecção inicial, nem a proteção fornecida pela combinação entre a vacinação e a infecção natural.
Os pesquisadores também alertam no estudo que algumas informações, como status de infecção anterior e internações hospitalares, foram medidas de maneira diferente ou incompleta e podem influenciar a estimativa de proteção.
Análise. A metanálise levou em consideração apenas as seguintes variantes do vírus Sars-Cov-2, que causa a Covid-19: ancestral de Wuhan, alfa (B.1.1.7), beta (B.1.351), delta (B.1.617.2), ômicron (BA.1) e suas sublinhagens (BA.2 and BA.4/BA.5). Não foi analisada, por exemplo, a P.1, que ficou conhecida como a “variante de Manaus”, que foi determinante para o colapso do sistema de saúde da capital amazonense.
Confira abaixo um resumo dos principais resultados:
- A infecção de uma variante pré-ômicron gerou uma proteção estimada contra a reinfecção de uma variante também pré-ômicron de cerca de 85% em um mês, mas caiu para cerca de 79% em dez meses;
- A proteção de uma infecção de variante pré-ômicron contra a reinfecção pela variante ômicron BA.1 foi menor — 74% em um mês — e diminuiu para 36% em dez meses;
- A análise de cinco estudos que relataram doença grave (incluindo hospitalização e morte) apontou que a proteção permaneceu alta por dez meses: 90% para a linhagem original do coronavírus, alfa e delta, e 88% para a ômicron BA.1;
- Seis estudos que avaliaram a proteção especificamente contra sublinhagens ômicron (BA.2, BA.4 e BA.5) sugeriram proteção significativamente reduzida quando a infecção anterior era variante pré-ômicron. Porém, quando a infecção anterior foi ômicron, a proteção foi mantida em um nível mais alto.