Até o início desta semana, a central do criador do Kwai — espaço oficial que reúne oportunidades de monetização — promovia missões para usuários divulgarem jogos ilegais, incluindo sites acusados de aplicar golpes financeiros.
Nas abas “tarefas de afiliado” e “tarefa de criador”, os usuários eram instados a compartilhar links para sites externos em troca de comissões, com pagamento intermediado pelo Kwai.
No entanto, após contato do Aos Fatos identificando o problema, a plataforma chinesa excluiu as missões fraudulentas e disse que “implementou medidas corretivas para sanar falhas e inadequações”.
O Kwai também ressaltou que “há um período de transição para o cumprimento das novas regras sobre publicidade para empresas de jogos online e apostas esportivas” e que “apoia integralmente a nova política do governo brasileiro” (leia a íntegra da resposta).
É impossível estimar quantos usuários foram enganados até a rede agir. Na quinta passada (30), 16 das 19 missões disponíveis direcionavam para 14 sites de jogos de azar.
Na arquitetura do aplicativo, a lista aparecia como “missão oficial do Kwai” — sem nenhuma indicação de que se tratava de publicidade.
Além de jogos de azar serem ilegais no Brasil, depoimentos na página do Kwai no Reclame Aqui acusam sites divulgados na central do criador de não pagarem as premiações.
A “tarefa” sugerida consistia em promover plataformas de jogos a outras pessoas. A comissão era gerada quando um dos contatos que recebeu o link fazia um depósito para o site divulgado — tornando-se potencial vítima de um golpe, segundo reclamações nas redes.

Após o usuário escolher o jogo que desejava promover, o Kwai o direcionava para uma página em que podia conferir as regras de participação — incluindo valor mínimo do depósito para ter direito a comissão. Também eram oferecidos materiais de divulgação dos sites, como vídeos.
Todas as informações disponíveis deixavam claro se tratar de jogos ilegais, com imagens remetendo a caça-níqueis e a personagens como o “tigrinho”. As sugestões de mensagens para compartilhar insinuavam a possibilidade de ganhar “muito dinheiro”.

Uma das queixas, registrada por um consumidor de Taboão da Serra (SP), está relacionada ao jogo Luna9. Segundo o depoimento, a página exigia um pagamento de R$ 30 para liberar o valor apostado, mas só permitiu sacar R$ 10, pedindo novo depósito para transferir o restante. Apesar de a orientação ter sido seguida, o dinheiro nunca foi liberado.
Ao responder a queixa, a empresa chinesa se esquivou. Disse que o usuário deveria entrar em contato “diretamente com o anunciante”, pois não tinha “controle de compras feitas fora” do aplicativo. “O Kwai é apenas uma parte da plataforma e não participa de nenhuma comunicação com anunciantes e consumidores”, completa o texto.
A reclamação foi registrada em setembro do ano passado. Na última quinta-feira (30), ao menos quatro meses após tomar ciência do golpe, o Kwai ainda oferecia a possibilidade de seus usuários divulgarem links do Luna9 em troca de comissão — e sem sinalizar que se tratava de um anúncio.

Dono de um estúdio de gravação no interior da Bahia, J. M. também saiu no prejuízo ao confiar em outra plataforma divulgada pelos afiliados do Kwai: o site bet888t, que na última quinta (30) também estava oferecendo comissão para ser compartilhado com novas vítimas.
“Eu vi o anúncio no Kwai, entrei, depositei R$ 30, ganhei na plataforma, mas, quando fui sacar, falou que não podia sacar o dinheiro, que tinha que passar para o VIP 2”, relatou J. M., que concedeu entrevista ao Aos Fatos sob a condição de anonimato.
Para subir de categoria, o jogador fez um novo depósito, agora de R$ 70, e continuou apostando no cassino, mas o bet888t exigiu um terceiro pagamento para liberar o dinheiro.
“Quando fui sacar, apareceu que o saque estava em análise. Ficou revisando por mais de três dias e nada. Até hoje, não caiu nada na minha conta”, lamenta.

Como funciona o esquema
Aos Fatos testou as “tarefas de afiliados” do Kwai e também não conseguiu os valores ganhos no jogo.
A reportagem compartilhou o jogo FrutinhaPix — que prometia uma comissão de R$ 10 — e, usando um segundo celular, clicou no link e fez um depósito de R$ 25.
O jogo — que imita um aplicativo popular para celular que consiste em cortar frutas lançadas ao ar sem atingir bombas — rendeu um prêmio de R$ 200. Para que o dinheiro fosse liberado, porém, o site queria um novo depósito de R$ 50, que não foi feito.
Quando os R$ 25 foram depositados, o aplicativo do Kwai no celular que compartilhou o link passou a exibir que o usuário tinha um valor a receber estimado em US$ 1,68 — equivalente aos R$ 10 de comissão.
A atualização do saldo do dia indica que a plataforma chinesa recebeu a informação de que alguém tinha pago o jogo, apesar de ser hospedado em um site externo.
Pelas regras do programa de remuneração do Kwai, o valor acumulado deveria estar disponível para saque no dia seguinte. Passadas 24 horas, porém, o saldo foi zerado, impedindo o recebimento da comissão. Dias depois, o dinheiro reapareceu, mas não pôde ser sacado por não atingir o valor mínimo de US$ 7.
Problemas no recebimento da comissão também têm sido relatados por usuários no Reclame Aqui.
“Eu tinha cerca de US$ 50 pra receber de tarefa de afiliado, inclusive estava aparecendo na parte de renda estimada de hoje. Para minha surpresa, fui olhar o aplicativo agora há pouco e não constava mais nada lá! Quero receber o que é de meu direito!”, queixou-se um usuário da plataforma que divulgou o jogo868 — que também é ilegal.
Outro lado
Em nota enviada ao Aos Fatos, o Kwai afirma que “investigou com celeridade todos os pontos levantados” pela reportagem e “implementou medidas corretivas para sanar falhas e inadequações”, incluindo a remoção imediata de todos os links listados.
Leia a íntegra da nota do Kwai
Primeiramente, o Kwai afirma que investigou com celeridade todos os pontos levantados pelo portal Aos Fatos e já implementou medidas corretivas para sanar falhas e inadequações. Como parte dessas ações, todos os links listados foram removidos de imediato.
Especificamente com relação aos relatos no canal Reclame Aqui, a plataforma reforça seu compromisso em resolver as questões de forma eficiente. Para isso, intensificou seus esforços para agilizar a resolução de reclamações entre usuários e clientes, aprimorando seus mecanismos de resposta e fomentando maior colaboração entre as partes envolvidas.
O Kwai enfatiza que emprega mecanismos de segurança avançados, incluindo tecnologia de inteligência artificial e auditorias humanas, para prevenir e mitigar violações da legislação brasileira, Diretrizes da Comunidade ou Termos de Serviço. No entanto, reconhece que ainda existem desafios na moderação de conteúdo. Em primeiro lugar, surgem a todo momento novas formas de promoção não facilmente detectáveis que exigem moderação, representando um desafio significativo para todas as plataformas de mídia social. Em segundo lugar, há um período de transição para o cumprimento das novas regras sobre publicidade para empresas de jogos on-line e apostas esportivas (comumente chamadas de "bets"), em vigor desde 1º de janeiro de 2025.
A esse respeito, a empresa sustenta que apoia integralmente a nova política do governo brasileiro e que apenas links ou anúncios de empresas licenciadas são aceitos no aplicativo. É importante notar que, se for detectado um anúncio de uma empresa cujas operações no Brasil ainda não estejam legalizadas, ele será prontamente removido, e as medidas necessárias serão tomadas contra os responsáveis.
O Kwai esclarece que sua Política de Publicidade para Negócios é clara ao afirmar que qualquer campanha passa por aprovação interna antes de ser exibida no aplicativo. Os anunciantes autorizados devem cumprir todas as leis aplicáveis, incluindo o direcionamento dos seus anúncios de acordo com os requisitos legais. Assim, anúncios do setor de jogos de azar ou apostas são exibidos apenas para usuários com mais de 18 anos e também são rotulados pela moderação para minimizar riscos em caso de falhas no sistema. O não cumprimento de qualquer uma das diretrizes pode levar à remoção do anúncio ou ao bloqueio do acesso. Adicionalmente, a plataforma observa que está sempre expandindo sua equipe de moderação local, sobretudo no que diz respeito a conteúdos relacionados a jogos de azar.
A empresa aproveita a oportunidade para explicar que existem duas formas de os usuários denunciarem conteúdo no aplicativo, seja um anúncio ou um vídeo normal: clicando no botão de compartilhamento ou pressionando e segurando a tela, depois selecionando "Denunciar" e indicando o motivo.
O Kwai destaca que continua a investir na melhoria das suas ferramentas e reitera seu papel como aliado das autoridades brasileiras.
A empresa diz que “emprega mecanismos de segurança avançados, incluindo tecnologia de inteligência artificial e auditorias humanas, para prevenir e mitigar violações da legislação brasileira” e de suas diretrizes, mas pondera que “ainda existem desafios na moderação de conteúdo”.
No comunicado, o Kwai também ressaltou que “há um período de transição para o cumprimento das novas regras sobre publicidade para empresas de jogos online e apostas esportivas” e que “apoia integralmente a nova política do governo brasileiro”, afirmando que “apenas links ou anúncios de empresas licenciadas são aceitos no aplicativo”.
O caminho da apuração
Aos Fatos se deparou com o anúncio da tarefa ao navegar no Kwai. Utilizando dois celulares, a reportagem compartilhou todos os jogos disponíveis e montou uma tabela mostrando para quais sites os links direcionavam. Para testar o programa de afiliados, foi feito depósito para um dos jogos.
A lista de sites foi comparada à de bets autorizadas a funcionar pelo governo. Também foram feitas buscas por queixas no site Reclame Aqui e no Facebook, no qual foi identificada uma vítima de golpe que aceitou dar entrevista. Por fim, Aos Fatos pediu posicionamento para o Kwai.