A decisão que derrubou o vídeo em que o candidato a prefeito Pablo Marçal (PRTB) divulgou um laudo falso para associar Guilherme Boulos (PSOL) ao uso de cocaína também tem como alvo dois integrantes da campanha do ex-coach recrutados para editar cortes de vídeos.
Além da conta de Marçal no Instagram, os perfis de Jocelei Alcântara e Rafael Nogueira ajudaram a disseminar posts com o documento forjado, segundo o TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo).
Ambos são produtores de conteúdo recrutados pela equipe de Pablo Marçal pelo desempenho com a produção de cortes de vídeos para viralizar nas redes.
Na manhã deste sábado (5), o juiz da 2ª Zona Eleitoral da capital paulista, Rodrigo Marzola Colombini, concedeu decisão provisória obrigando Google, Facebook e ByteDance — empresa responsável pelo TikTok — a removerem o vídeo em que Marçal apresentava o documento forjado.
Horas depois, na mesma ação, o juiz eleitoral das garantias da capital Rodrigo Capez determinou a suspensão, por 48 horas, da conta de Marçal no Instagram. O magistrado argumentou que o perfil estava sendo utilizado “para a divulgação de fatos infamantes e inverídicos” sobre Boulos “com o nítido propósito de interferir no ânimo do eleitor e no pleito eleitoral que se realizará no próximo dia 6 de outubro”.
Segundo Capez, caso fique demonstrado que outros perfis ou contas estejam sendo utilizados por Marçal com o mesmo intuito, a suspensão também deverá se estender a esses domínios.
Núcleo duro
Citado na primeira decisão da Justiça Eleitoral, Nogueira trabalha na campanha de Marçal na equipe de Nahuel Medina — cinegrafista que deu um soco no marqueteiro de Ricardo Nunes (MDB), Duda Lima, durante o debate organizado pelo Grupo Flow, no dia 23 de setembro.
“Nogueira é o cara que é responsável por boa parte dos nossos cortes, das nossas produções de cortes aqui do Pablo”, afirmou Medina durante uma live.

Membro da comunidade Cortes do Marçal, no Discord, desde janeiro, o produtor de conteúdo diz ter aprendido a editar vídeos pelo YouTube.
A aproximação com a equipe de Marçal ocorreu após Nogueira ter sido um dos 36 selecionados para participar do reality show “La Casa Digital”.
O projeto, idealizado pelo candidato a prefeito, reuniu os participantes em uma casa, em maio, onde receberam mentoria e treinamento sobre marketing digital.
Nogueira não consta como fornecedor na prestação de contas da campanha de Marçal. Já a empresa de Medina recebeu R$ 230 mil por serviços de produção de vídeo para a campanha, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Além dos cortes, Nogueira também administra grupos de WhatsApp que reúnem os chamados “clipadores” — editores amadores que, incentivados por Marçal, produzem vídeos curtos sobre o candidato com o intuito de viralizar nas redes.
Nas últimas semanas, o editor de vídeos tem usado esses grupos para recrutar mão de obra para tarefas relacionadas à campanha. “Galera, preciso de pessoas voluntárias pra ajudar nos cortes do Pablo. Alguém disponível?”, postou na manhã do dia 20 de setembro.
Na sexta-feira (4), horas antes da divulgação do documento forjado, Nogueira consultou o mesmo grupo do WhatsApp em busca de alguém que tivesse conhecimentos sobre inteligência artificial. “Alguém que mecha [sic] com IA?”, perguntou.
Quando outro membro da comunidade respondeu que utilizava a tecnologia, o colaborador da campanha de Marçal indicou que mandaria mensagem privada.
No Discord, Nogueira interage constantemente com os administradores dos campeonatos usados por Marçal na pré-campanha para aumentar sua presença nas redes. As competições também são alvo da Justiça, já que a legislação eleitoral proíbe políticos de pagarem por engajamento nas redes.
O outro perfil mencionado pela decisão do TRE-SP pertence a Jocelei Alcântara, pioneiro da indústria de cortes do Marçal e um dos criadores da mentoria Cortes Lucrativos, que estimula outros usuários a produzir conteúdos sobre o influenciador visando a monetização das plataformas.
Conforme mostrou o jornal O Globo, Alcântara relatou, em vídeo, que seu desempenho com os cortes chamou a atenção do advogado Tassio Renam Silva Botelho, que trabalha para Marçal.

Segundo print divulgado por Alcântara para promover seu curso, Botelho o teria contactado em outubro do ano passado com uma proposta de recrutamento para um novo projeto.
“Estamos pensando em rodar uma nova estratégia de lançamento e acreditamos que seu Instagram vai ser uma peça desse quebra-cabeça”, escreveu o advogado. Dois meses depois, a comunidade que promove os campeonatos de cortes foi criada.
Botelho é o advogado suspeito de ter rasgado a camisa de Nahuel Medina logo após o videomaker desferir um soco no assessor de Ricardo Nunes.
Procurado pelo Aos Fatos, Alcântara disse que não tem nenhuma ligação com o Pablo Marçal ou com Botelho e que apenas se destacou por ter sido um dos primeiros a produzir cortes de vídeos de Marçal, atividade que executa sem qualquer vínculo com a campanha.
“Ontem, assim que ele [Marçal] postou o laudo, eu imediatamente repostei, como de costume. No entanto, ao perceber que havia algo errado com o documento, eu prontamente o arquivei e comuniquei aos meus sócios”, afirmou.
A reportagem também pediu posicionamento à assessoria de imprensa de Pablo Marçal e procurou Nogueira por meio de seu perfil no Instagram, mas não houve resposta.
Falsificação
Como o Aos Fatos mostrou ainda na noite de sexta-feira (4), o documento divulgado por Marçal para insinuar que Boulos seria usuário de cocaína possui diversas marcas de falsificação:
- O RG de Boulos está errado. Há um dígito a mais do que o do documento original do candidato (confira aqui);
- O nome da clínica também está incorreto: de acordo com o registro do CNPJ e com sua própria página no Instagram, o estabelecimento se chama Mais Consultas, e não Mais Consulta, no singular, como consta;
- O texto também contém erros de português, como “por minha [mim] atendido” e “apresentou com quadro de surto psicótico grave”.
Além disso, a assessoria de Boulos apresentou vídeos que provam que o candidato do PSOL participou de eventos e fez lives na data do suposto ocorrido e no dia seguinte. Outros veículos de imprensa apontaram mais indícios de que o documento foi forjado, incluindo:
- O UOL mostrou que a assinatura presente no documento não condiz com a verdadeira, que pode ser encontrada em um processo do TJ-SP;
- A Globo entrevistou a filha do médico citado, morto em 2022, que confirmou que a assinatura usada no documento não era dele;
- O Globo entrevistou a ex-secretária do médico e ela disse que o profissional de saúde nunca trabalhou na clínica citada;
- A Folha de S.Paulo identificou ainda que o logotipo usado no papel timbrado é de uma clínica em Manaus, não em São Paulo.
Veja os indícios de falsificação no laudo apresentado por Marçal:
ATUALIZAÇÃO: Este texto foi atualizado às 10h15 de 6.out.2024 para incluir o posicionamento de Jocelei Alcântara.
O caminho da apuração
Aos Fatos teve acesso às decisões proferidas pelo TRE-SP que derrubaram o vídeo de Pablo Marçal e sua conta no Instagram. Na primeira delas, identificou os outros dois perfis que tiveram conteúdo ilegal removido.
A reportagem acompanha desde julho grupos de clipadores de Marçal, o que permitiu identificar os usuários citados na decisão e sua atuação na campanha e nas redes.