Em desertos de notícias, Justiça Eleitoral é o principal filtro contra mentiras durante a campanha

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Há dois meses, na Plataforma #41, escrevi sobre a necessidade de haver um monitoramento contínuo para avaliar como a Justiça Eleitoral tem julgado casos sobre o uso de inteligência artificial durante a pré-campanha.

Desde então, o cientista de dados João Barbosa criou esse monitoramento para todos os TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) a partir de palavras-chave como “deepfake”, “mídia sintética”, “inteligência artificial” e o número da resolução sobre o tema editada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

A Justiça Eleitoral considerou o uso de IA irregular em 14 das 43 ações julgadas (37%) no primeiro semestre, como mostra reportagem que o Aos Fatos publicou na segunda-feira (12), em parceria com o ICL Notícias e o Clip (Centro Latino-americano de Investigação Jornalística).

Para além da estatística, o levantamento inédito das repórteres Amanda Prado, Gisele Lobato e Juliana Dal Piva mostra que a aplicação da lei esbarra “em limitações práticas, como a falta de jurisprudência consolidada e a dificuldade dos juízes eleitorais para lidar com o tema da tecnologia”.


IA na pré-campanha, pt. 2

Em uma falsificação grosseira, a jornalista Renata Lo Prete apresenta uma suposta notícia negativa sobre o prefeito do município maranhense de Tutoia, Raimundo Nonato Abraão Baquil (PDT), que tenta a reeleição.

Compartilhado em grupos de WhatsApp da cidade, o vídeo não foi considerado propaganda política irregular pelo juiz eleitoral.

Na própria decisão, entretanto, ele se refere ao conteúdo como deepfake: “A divulgação dessa deepfake, no mínimo, gera controvérsias, sem poder afirmar esta Justiça Especializada, com precisão, que são informações sabidamente inverídicas pelo meio virtual divulgador”.

A resolução do TSE estabelece que qualquer uso de inteligência artificial deve ser expressamente informado — o que não é o caso no vídeo que busca se aproveitar da reputação de Renata Lo Prete. Boa parte das decisões analisadas pela reportagem ignora a regra.

O levantamento completo esboça um cenário de dificuldades para o período da campanha eleitoral, quando o compartilhamento de conteúdos sobre política costuma aumentar.

No universo das ações protocoladas no primeiro semestre, há uma prevalência de municípios pequenos e médios, que tendem a ser desertos de notícias. A região Nordeste tem 23 das 43 ações. Entre os estados, os campeões são Pernambuco e Rio de Janeiro, com oito ações cada. Apenas um caso foi registrado em capitais, em São Paulo, envolvendo Tabata Amaral (PSB) e Ricardo Nunes (MDB).

Ao final do primeiro bloco do debate da Band, que o Aos Fatos checou ao vivo, nenhum dos pré-candidatos à prefeitura paulistana mantinha lapelas limpas. O nível subterrâneo, puxado por Pablo Marçal (PRTB), será a marca da disputa.

As campanhas nas capitais, em particular em São Paulo, com cenário nacionalizado, recebem cobertura jornalística intensiva — cada vírgula das falas dos candidatos está sob escrutínio. Os discursos dos candidatos guardam relação com os desdobramentos da campanha, e a checagem desses discursos é parte fundamental do processo. Há simbiose entre o que é dito e o que circula nas redes, por exemplo.

No entanto, a possibilidade de escrutínio independente tem relação inversamente proporcional ao tamanho da população de cada município. Quanto menor o lugar, maior a chance de haver um “baile do risca-faca”, como certa feita cunhou Dias Toffoli.

Em lugares como Tutoia, com 53 mil habitantes e apenas o Blog Elivaldo Ramos registrado no Atlas da Notícia, a Justiça Eleitoral é o principal filtro para estabelecer o que é verdadeiro e o que é falso durante a campanha.

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